Tradução – Linguagem

Linguagem
Janice G. Raymond

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A realidade se suspende no esguio fio da linguagem. As conclusões alcançadas relativas à prostituição frequentemente residem nas palavras usadas para descrevê-la. Por exemplo, termos tais como “trabalho do sexo”, “sexo com garotas”, “sexo transacional” e “prostituição infantil” não lançam luz no que acontece às mulheres e crianças em situações de exploração sexual. Maneiras educadas e confortáveis de descrever a violência sexual, a exploração e a predação nos vacinam do dano da prostituição para mulheres e crianças. Garotas trabalhadoras, moças da noite e acompanhantes são termos alegres e mascaram o que é essencialmente uma cruel, sórdida e perigosa indústria, ofuscando os proxenetas, os usuários da prostituição e outros perpetradores.
Trabalhadora do sexo e trabalho do sexo são termos que eu não uso porque tais termos funcionam para endossar a visão de que a prostituição é e deveria ser normalizada como simplesmente outra forma de trabalho. Muitos indivíduos e organizações acreditam que os termos “trabalhora do sexo” e “trabalho do sexo” dignificam as mulheres. Em minha experiência, eu aprendi que esses termos servem principalmente para dignificar a indústria do sexo ao dar mais legitimidade a compradores, proxenetas, recrutadores e outros perpetradores-chave da exploração sexual do que eles poderiam de outra maneira obter. Ao invés disso, uso termos como “mulheres e pessoas em prostituição”, “em sistemas de prostituição” e aquelas que são “prostituídas” no interior da indústria do sexo.
Os defensores da indústria do sexo são afeiçoados a distinguir a legalização da descriminalização. Eles argumentam pela descriminalização da prostituição, sustentando que a indústria da prostituição deveria ser free-flowing e não sujeita a qualquer regulação estatal. No entanto, as consequências da legalização e da descriminalização são similares. Ambas legalização e descriminalização tornam aspectos da indústria do sexo legais, ou seja, ao não as tornar ilegais.
Legalização da prostituição significa que o Estado torna partes do sistema de prostituição legais ao regulamentar a prostituição e a indústria do sexo através de, por exemplo, registro de mulheres em locais de sexo, monitoramento da saúde, localização de bordéis e tributação.
Descriminalização da prostituição significa a eliminação das penalidades para todos ou certos aspectos do sistema de prostituição, tais como a solicitação, proxenetismo e a manutenção de bordéis. Não significa a eliminação dos proxenetas e bordéis mas, ao invés disso, a renomeação de proxenetas como gerentes de negócios benignos para as mulheres na prostituição e bórdeis como indústrias caseiras controladas por mulheres. A implementação da descriminalização pelo governo é impossível sem alguma forma de regulação governamental da prostituição. Em nenhum país ou estado que conheço a descriminalização existe sem alguma forma de regulação. Livre descriminalização da prostituição sem regulação é um mito.
Quando a prostituição é descriminalizada, o controle é principalmente tirado das mãos da polícia e dado aos conselhos locais. Por exemplo, em países e estados que descriminalizaram o proxenetismo ou as zonas de prostituição, geralmente se seguem regulações civis e administrativas, tais como requerer uma autorização de bordel específica, monitoramento de saúde, impostos em locais de prostituição, ou outras medidas. Ainda, medidas criminais são frequentemente necessárias para conter o crescimento do crime organizado no setor da prostituição.
Após a descriminalização, os conselhos locais são inevitavelmente sobrecarregados com uma série de medidas regulatórias. Os deveres dos conselhos incluem lidar com queixas, incluindo aquelas alegando violência e abuso de mulheres. No entanto, os conselhos locais não têm nem a autoridade policial nem recursos para investigar ou penalizar e, em muitos casos, não possuem capacidade de confrontar operadores de bordéis ilegais. Assim, locais de sexo ilegais se proliferam em cidades e países que descriminalizaram a prostituição e a indústria do sexo e, assim como na Holanda e na Austrália, os mesmos cafetões-empresários controlam os bordéis legais e ilegais.
No discurdo pró-prostituição, a prostituição é trabalho sexual, e não exploração sexual. Proxenetas são agentes de negócios de terceiros que as mulheres escolhem para proteger a si mesmas e seus interesses, e não exploradores de primeira classe. Em Victoria, Austrália, os proxenetas que são proprietários de bordéis são designados como licenciados de serviço de trabalho sexual. Usuários e compradores de prostituição são fregueses ou clientes que proporcionam às mulheres renda, e não abusadores. Bordéis são espaços seguros para as mulheres para trabalhar no seu comércio, não alojamentos onde as mulheres são controladas e mantidas sob controle. Mulheres na prostituição são trabalhadoras do sexo, não vítimas de exploração sexual. E vítimas de tráfico são trabalhadoras do sexo migrantes de quem a passagem de um país a outro é migração facilitada por prestativos deslocadores de pessoas. Mesmo as palavras “acompanhante” e “agências de acompanhantes” fazem o sistema da prostituição soar mais chique e seguro.
Uma palavra final sobre linguagem. Faço uma distinção nesse livro entre trabalhadoras do sexo e sobreviventes. Ambos termos são auto-designados pelas mulheres que estão ou estiveram na prostituição (veja o capítulo 1). Tanto “trabalhadoras do sexo” quanto sobreviventes afirmam representar as mulheres na prostituição. Como usado neste livro, o termo “trabalhadoras do sexo” descreve aquelas que foram ou estiveram na prostituição e que promovem a prostituição como trabalho ou como um serviço sexual comercial. Sobreviventes compreendem a prostituição como violência contra as mulheres e se opõem à mercantilização das mulheres inerente à indústria do sexo. Argumento que é tempo de diferenciar “trabalhadoras sexuais” de sobreviventes (ou seja, distinguir entre aquelas mulheres que ativamente apoiam a indústria do sexo ao advogar por ela daquelas que lutam contra ela). Quando “trabalhadoras do sexo” argumentam pela descriminalização da cafetinagem e da manutenção de bordéis, não agem em nome da maioria das mulheres na prostituição mas, ao invés disso, nos interesses da indústria do sexo.
Defensores do trabalho sexual se tornaram os modernos fabricantes de mitos que sustentam o sistema globalizado da prostituição. Através do mitos gerados por estes defensores em favor da escravidão sexual, ideólogos pró-prostituição ajudaram a lavar a prostituição e o tráfico sexual em muitas partes do mundo.

Fonte:
RAYMOND, Janice G. Language. In: Not a Choice, Not a Job: Exposing the Myths About Prostitution and the Global Sex Trade. Dulles, Virginia: Potomac Books, 2013. p. xli-xliii.

Tradução – Um Feminismo Materialista é Possível (parte)

Um Feminismo Materialista é Possível (parte)
Christine Delphy

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A primeira edição do Feminist Review (janeiro de 1979) continha uma crítica ao meu trabalho por duas sociólogas inglesas, Michèle Barrett e Mary McIntosh. Eu respondi a essas três questões depois e procurei mostrar, primeiro, as várias maneiras pelas quais elas mal interpretaram o que eu havia escrito; segundo, o que eu penso que os interesses da crítica feminista devem ser; e terceiro, e mais importante, as várias formas em que Barrett e McIntosh fundamentalmente compreendem mal o marxismo. Não é necessária nessa coleção incluir a primeira parte do artigo, vez que a coleção em si mesma tem os artigos relevantes disponíveis em inglês, mas as últimas duas partes são significativas porque expõem a muito difundida esquizofrenia teórica da Esquerda sobre a questão da opressão das mulheres. A análise contraditória que Barrett e McIntosh produzem é devido a, eu acredito, um desejo desesperado de continuar a eximir os homens de responsabilidade pela opressão das mulheres.

Marxismo mal entendido: abusado e usado

O artigo de Barrett e McIntosh repousa sobre um conjunto de atitudes que são comuns em cículos intelectuais:

1. Uma atitude religiosa sobre os escritos de Marx.
2. Uma afirmação de que o marxismo constitui um todo que alguém deve pegar ou largar.
3. Uma confusão entre o método materialista, usado pela primeira vez por Marx, e a análise do capitalismo que ele fez o utilizando; ou melhor, a redução do primeiro ao segundo.
4. Um confusão, voluntariamente perpetuada, entre essas duas coisas e a interpretação que os setores “marxistas” fazem da sociedade contemporânea; e
5. Uma apresentação dessa tripla confusão como o todo (a ser pegado ou largado) do “marxismo”, que é, por sua vez, não somente apresentado como uma ciência, mas como A Ciência, tendo todas as características dessa essência pura: em particular, neutralidade e universalidade.

A atitude religiosa constrói Marx como um objeto de estudo em si mesmo. “Marxologistas”, como seu nome indica, estão interessados em Marx enquanto Marx. Eles perdem de vista do porquê Marx é importante; ou melhor, eles invertem a ordem de prioridades. Eles julgam Marx não em termos de políticas, mas julgam políticas em termos de Marx. Esta atitude talmúdica pode, à primeira vista, parecer contraditória às interpretações muito variadas a ser encontradas entre os diferentes setores marxistas (algo não ruim em si mesmo) e o fato de que suas análises, todas supostamente “marxistas”, divergem radicalmente entre eles mesmos. Mas, na realidade, a reverência pela missiva de Marx, a constituição disso na referência última, semi-divina, o dogma da infalibilidade, serve para construir a autoridade com a qual os “marxistas” posteriores, quem quer que eles sejam, adornam a si mesmos. O recurso do argumento da autoridade – eu estou certo porque eu sou um Marxista – não é de jeito nenhum particular de marxistas, mas isso não faz disso mais perdoável.
O marxismo é erigido como o valor dos valores e é visto não somente acima das lutas, mas fora delas. A última perversão, e aquela que é além disso muito difundida, é aquela de que as pessoas então vem julgar a real opressão, e mesmo a própria existência da opressão, de acordo se ou não corresponde ao “marxismo”, e não o marxismo de acordo com se ou não é pertinente ou não à real opressão. Essa perversão não é, claro, um simples desvio do intelecto, desprovido de significado político. Para enfatizar uma revolta, como uma revolução de mulheres, somente aquilo que é consistente com suas interpretações do marxismo permite as pessoas eventualmente a decidir que uma revolta é inválida ou sem importância (“o que importa é ser um marxista, não fazer uma revolução”).
Na medida em que essas duas atitudes relacionadas encarnam o “marxismo” hoje, é mais do que compreensível que a maioria dos oprimidos, incluindo a maioria das feministas, se recusem a se chamar “marxistas”. Assim como eles, saliento aquelas coisas no marxismo que são consistentes com a revolta das mulheres. Não irei derramar uma lágrima pelo marxismo se ele tem que ser abandonado porque ele é visto como sendo inútil em analisar a opressão. Essa é a uma diferença essencial entre minha abordagem daquela de Barrett e McIntosh porque a mim me parece que o sentido mesmo do marxismo repousa em sua utilidade política. Pessoas que não possuem um interesse político específico – que não são parte de um grupo oprimido – desviaram esse significado fazendo do marxismo um objeto em si mesmo. Ou melhor, assim o fazendo, eles revelaram que não são politicamente engajados. Mas o que isso significa? Isso é sequer possível? Nada está fora do campo da política: alguém está simplesmente de um lado ou do outro. Se você não está do lado do oprimido, você está no outro lado; e a sua abordagem intelectual mostrará isso.

Marxismo e as políticas do conhecimento

Subordinar validade política à “verdade” teórica é um procedimento tipicamente reacionário (e, ainda, um que contrário ao espírito do marxismo). A verdade teórica – seja qual verdade teórica possa ser – simplesmente não existe. De onde uma teoria extrai sua verdade? No que ela pode ser mais ou menos verdadeira que outra teoria, se não naquilo que ela serve a uma classe; de que é verdadeira ou falsa de um ponto de vista político, de uma dada posição na luta de classes (no sentido amplo)? A que “verdade absoluta” alguém pode se referir a decretar uma teoria “correta” sem fazer referência à luta de classes? Eu não sei; ou melhor, eu sei muito bem. Essa verdade absoluta é o que a ciência burguesa finge possuir; e é precisamente essa pretensão que o materialismo esvaziou. Marx denunciou precisamente isso em dizer que toda a produção intelectual é produto de uma prática e situação reais. A Ciência, com letra maiúscula, não existe, e o que existe deve ser chamado de “ciência burguesa”.
É portanto estranho ver alguns “marxistas” (como Louis Althusser) restaurando a noção de Ciência e reivindicando uma verdade absoluta, mas dessa vez para o marxismo. Esse status simplesmente não é compatível com a própria teoria – o marxismo – para a qual é reivindicada, pelo menos na medida em que o marxismo não rompe com a abordagem que o engendrou – o materialismo. Mas é mais do que contraditório, é inquietante, porque a pretensão à universalidade, ao absoluto, é precisamente a marca dos produtos intelectuais vindo de posições dominantes. Somente dominantes alegam estar acima do mêlée, e eles devem alegar assim o ser, uma vez que todo seu conhecimento, sua Ciência, tenta clamar que esse mêlée não existe; ou – de uma maneira secundária – a negar a luta de classes. Disto, parece que qualquer reivindicação à universalidade, ao conhecimento não importe o quê, esconde uma perspectiva dominante (do grupo dominante em qualquer antagonismo inter-grupo que está em jogo, e varia de caso a caso).
Mas Barrett e McIntosh apresentam como uma crítica o fato de que:

é claro através de seu trabalho que a posição teórica de Delphy está relacionada de maneira próxima à sua posição política, e de fato ela argumentou que “uma é indispensável à outra”.

Elas então sugerem não somente que sua posição teórica não está relacionada com sua posição política, mas além disso que isso é algo positivo: aquela teoria pode ser independente da posição social e/ou política que alguém ocupa, e de que assim deveria ser. Nesse artigo que elas citam (veja p. 211), eu digo que a teoria não deve ser independente da política, mas de que, de qualquer forma, não pode ser, ainda que deva querer ser. Ao fazê-lo, não estou somente reafirmando o que foi dito em outro lugar por outros tantos autores, começando por Marx, e que é a base para a abordagem materialista. Todo o conhecimento é o produto de uma condição histórica, quer saiba-se disso ou não. A ideia de uma ciência neutra – de uma teoria que não está relacionada com uma posição social/política – não é em si mesma uma ideia neutra; não vem de uma ausência de uma posição socio-política, vez que tal ausência é inconcebível. A ideia de que o conhecimento não possui uma base na posição social de seus produtores é, ao contrário, o produto de uma posição social precisa: a posição de dominação.
Assim, quanto Barrett e McIntosh veem o enraizamento de uma teoria em uma posição política como uma fraqueza, elas revelam, ao mesmo tempo, que adotam uma noção de conhecimento e, por isso, do marxismo, que não é somente profundamente anti-marxista, mas acima de tudo, profundamente reacionária e, por isso, antifeminista. Duas das mais sérias implicações políticas práticas dessa situação, que são invisíveis em seu artigo, são as de que, por um lado, justifica elas não revelarem a posição política a partir da qual falam, e por outro, implica que as pessoas, que não as oprimidas – teóricos, cientistas – podem falar sobre a opressão. Essa postura está diretamente relacionada ao conteúdo reacionário da posição política que estão escondendo.
Nós vimos que a reificação-deificação de Marx serve para construir a autoridade a partir da qual a imposição das teses “marxistas” é então argumentada. Isso é simplesmente uma forma de evadir da discussão: de dispensar, ou pensar que alguém está dispensando, com a necessidade de provar a coerência interna de um argumento, chamando-o de um princípio de autoridade. Isso justificadamente horroriza feministas – e outros –, e isso os distancia do marxismo.

Marxismo e a análise do capitalismo

Existem muitas teses “marxistas”. Elas todas tem, no entanto, um ponto em comum: todos os partidos e escolas diferentes que se chamam “marxistas” hoje concordam em perpetuar, ao abrigo da autoridade que seus estudos talmúdicos conferiram sobre Marx o homem, uma confusão imperdoável entre os princípios do materialismo e a análise que Marx fez do modo de produção capitalista (e que, por sua vez, eles intrepretaram liberalmente e diversamente). Embora imperdoável, essa redução do primeiro ao último é hoje tão difundida que muitos “marxistas” – e muitos outros – pensam que o capitalismo “inventou” a exploração, que o capitalismo é exploração, e de que a exploração é capitalismo. Aqui, mais uma vez, não é somente uma questão de simples “erro” ou “ignorância” acontecendo por acaso. Esse “erro” possui um significado político que o feminismo claramente reconheceu: ele faz o antagonismo entre os proletariados e os capitalistas – que é uma das possíveis formas de exploração – em um conflito principal quando quer que ela exista; no modelo para toda a opressão; e, finalmente, da própria definição de exploração. Isso é evidente quando “marxistas” dizem:

1. Ou que o feminismo não pode usar o marxismo: “nenhum conceito de relações de produção desenvolvido sobre o ‘modelo’ de Marxismo… Inclui a necessidade de divisão sexual” (Diana Adlam (1979) em uma publicação do The Main Enemy);
2. Ou que a exploração das mulheres não existe uma vez que o marxismo é indiferente à divisão sexual (Mark Cousins (1978) em m/f).

Ambos aqui confundem o marxismo – o método – com a análise marxista do capitalismo – uma das aplicações possíveis desse método.
Os conceitos usados pela análise marxista da exploração capitalista (ou Capital, para simplificar) não podem na realidade explicar a exploração das mulheres, pela mesma razão que não podem explicar a exploração de servos, escravos, ou servos contratados, ou prisioneiros em campos de trabalho, ou arrendatários africanos. Pela simples razão de que os conceitos usados para explicar a exploração por salários – e é isso que é o assunto do Capital – não podem explicar a exploração dos não remunerados. Mas os conceitos usados na análise do capitalismo não são o todo do pensamento marxista. Ao contrário, eles são em si mesmos derivados de conceitos mais gerais. Como, de outro modo, teria Marx sido capaz de analisar modos de produção e exploração não-capitalista, tais como a escravidão e o feudalismo? Os conceitos de classe e exploração não vem do estudo do capitalismo; ao contrário, eles pré-existem a ele, autorizam ele, e são a origem da noção do capitalismo em seu sentido marxista, ou seja, como um particular sistema de exploração. Esses conceitos mais gerais – classe e exploração – não somente de nenhum modo requerem que as divisões sexuais sejam ignoradas mas, ao contrário, são eminentemente úteis em explicá-las. E aqui eu quero dizer “explicar” no sentido forte: não somente em descrevê-las, não em descrever somente o que ocorre depois que a divisão existe, mas em explicar sua gênese.
Esses conceitos são os conceitos-chave do materialismo em que eu vejo duas bases. Para mim, a primeira base do materialismo é de que ele é uma teoria da história, uma onde a história é escrita em termos da dominação de grupos sociais um pelo outro. A dominação possui em seu motivo último a exploração. Esse postulado explica e é explicado pela segunda base do materialismo: o postulado de que o modo em que a vida é materialmente produzida e reproduzida é a base da organização de todas as sociedades, por isso, é fundamental tanto num nível individual quanto coletivo.

Marxismo e opressão das mulheres

O marxismo é, com toda evidência, materialista. Nesse sentido, pode ser usado pelo feminismo. Na medida em que o materialismo se preocupa com a opressão e, inversamente, se aceitamos que começar da opressão define entre outras coisas uma abordagem materialista, uma ciência feminista tenderá inevitavelmetne a uma teoria materialista da história. Para mim, o materialismo não é uma ferramenta possível, entre outras, para os grupos oprimidos; ele é a ferramenta precisamente na medida em que é a única teoria da história pela qual a opressão é a realidade fundamental, o ponto de partida.
Isso tem sido escondido ao longo dos anos pelas pessoas que sem apropriaram do marxismo e, assim o fazendo, não somente reduziram o materialismo à análise do modo de produção capitalista apenas, mas ainda esvaziaram o próprio materialismo dessa análise porque eles fizeram dele uma análise acadêmica entre outras, e em competição com outras em seus “méritos acadêmicos” isoladamente. Eles portanto verteram o significado profundo que impulsiona a análise marxista e que a distingue como uma abordagem mais além do seu conteúdo – a explicação e a luta contra a opressão. É portanto claro que o não-reconhecimento da divisão sexual na análise do Capital de nenhuma forma impede a aplicação de conceitos materialistas à opressão das mulheres. Porém, esse não-reconhecimento coloca um problema – não para as mulheres, mas para a análise do modo de produção capitalista. Na verdade não é tanto uma questão de não-reconhecimento, como de não-problematização. A análise que Marx fez da exploração remunerada não é, como Mark Cousins finge, indiferente à divisão dos sexos ou, de qualquer maneira, não é assim no sentido que Cousins (e outros) entendem. Eles pensam que na análise do capital, as posições descritas – ou as classes constituídas pela análise (capitalistas e trabalhadores) – podem ser indiferentemente ocupadas por homens ou mulheres. O fato de que estão sobretudo ocupadas por homens é visto como um fator externo, e um que não remove nada da validade da análise. Isso implica que os últimos seriam os mesmos caso as classes fossem constituídas em partes iguais por mulheres e homens. Mas isso é falso: a análise do modo de produção capitalista é indiferente à divisão sexual no sentido de que o fato de que as posições não poderiam ser ocupadas indiferentemente por homens ou mulheres não é sequer percebido como um problema. Sua teoria é indiferente ao problema, certamente, mas no sentido oposto: toma a divisão sexual como dada, a reconhece e a integra: é baseada nela.
Por isso, a abordagem materialista não pode se satisfazer em adicionar a análise materialista da opressão das mulheres à análise da opressão dos trabalhadores feita por Marx, e marxistas posteriores. Os dois não podem ser simplesmente adicionados juntos, uma vez que o primeiro necessariamente modifica o segundo. O feminismo necessariamente modifica o “marxismo” de diversas maneiras: primeiro, porque é impossível para ele aceitar a redução do marxismo somente à análise do capital; segundo, uma vez que a luta entre trabalhadores e capitalistas não é a única luta, esse antagonismo não pode mais ser tomado como a única dinâmica da sociedade; e terceiro, porque também modifica a análise do capital de dentro. O reconhecimento da existência do patriarcado – ou, para aqueles que ficam chocados com esse termo, da divisão sexual (que ninguém pode negar e que, para mim, é uma e a mesma coisa) – torna evidente que “a classe trabalhadora” descrita por marxistas e caracterizadas por eles como “teoricamente assexual” é profunda e verdadeiramente sexuada, e não somente numa maneira empírica e contingente. É totalmente comprometida com somente a parte masculina da classe trabalhadora. Todos os conceitos usados por Marx, e então pelos outros, tomam como uma definição estrutural e teórica da condição dos trabalhadores a porção do trabalhor homem. Mulheres trabalhadoras são invisíveis, estão ausentes da análise do mercado de trabalho por um lado, e seu trabalho doméstico e sua exploração é tomada como dada em outra. Portanto, não somente a redução do marxismo à análise do capital, mas o próprio conteúdo de sua análise, o faz impossível de aplicar esse marxismo à opressão das mulheres. Mas, ainda mais, tendo em conta a opressão das mulheres – que é o que quer dizer ser uma feminista – faz, ou deveria fazer, impossível de aceitar essa análise mesmo quanto se trata do capital.
Dois objetivos: a extensão dos princípios do marxismo (ou seja, do materialismo) à análise da opressão das mulheres, e uma crítica da análise do capital de um ponto de vista do que se adquiriu na análise feminista, é o que deveria definir uma abordagem feminista marxista ou marxista feminista, se as palavras têm algum significado. Mas é a própria possibilidade de tal abordagem que Barrett e McIntosh tentam negar (ou melhor, impedir) ao afirmar que sua concepção de marxismo é a única, e em alegando, além disso, que eu estaria me contradizendo se eu “tentasse no meu uso do marxismo” fazer aquilo que eu digo que é impossível: “abstrair conceitos técnicos de seu ‘contexto reacionário’.” Notando, de passagem, que elas aqui qualificam o marxismo como um “contexto reacionário”, eu mantenho que isso é verdadeiro sobre todas as teorias gerais da sociedade ou humanidade que possuímos. Abordagens gerais do mundo, quer sejam antropológicas, sociológicas ou psicoanalíticas, tomam a opressão das mulheres como dada, são incapazes de explicá-la, e acima de tudo, são incapazes de ajudar a derrubá-la. Isso se aplica igualmente ao marxismo como Barrett e McIntosh o compreendem (ou seja, à análise convencional do Capital); e de que seria “ilusório pretender chegar em diferentes resultados com as mesmas
ferramentas conceituais” é abundamente provado pelo fracasso do “debate do trabalho doméstico”. Isto é de fato porque eu não uso essa análise e porque eu julgo que elas não deveriam a usar também. Mas isso não é verdadeiro do materialismo como um método, e isso é porque uma abordagem feminista materialista não somente é possível, mas também necessária, seja o que for que possam falar.

Fonte:
DELPHY, Christine. A materialist feminism is possible. In: Close to Home: A Materialist Analysis of Women’s Opression. Great Britain: The University of Massachusetts Press, 1984. p. 154-161.

Tradução – Feminismo Radical – História, Política, Ação (parte)

Feminismo Radical – História, Política, Ação (parte)
Robyn Rowland e Renate Klein

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Introdução

Por conta de sua própria natureza, o feminismo radical se concentrou em criar sua teoria nos escritos das vidas das mulheres e da análise política da opressão das mulheres. Pouco tempo foi dedicado a definir e redefinir nossa “teoria” pelo propósito da teoria. Onde os feminismos socialista, liberal e, mais recentemente, pós-moderno possuem convenientes estruturas teóricas existentes para manipular e re-manipular, as esticando como uma pele ao longo do tambor das experiências das mulheres, o feminismo radical cria uma teoria política e social da opressão das mulheres, e estratégias para acabar com essa opressão que vem das experiências vividas das mulheres.
De tal modo, Janice Raymond escreve sua teoria das amizades das mulheres, sua paixão e os obstáculos envolvidos em se fazer amizade com mulheres. Assim o fazendo, ela critica a realidade hetero: o sistema de valores das mulheres como sendo “para” os homens, em que o Patriarcado se assenta. Kathleen Barry, Catherine MacKinnon, Susan Griffin e Andrea Dworkin documentam o tráfico internacional de mulheres e crianças, pornografia e estupro, criando uma análise de poder da violência contra mulheres e do abuso dos corpos das mulheres como uma circulação internacional. Feministas radicais frequentemente combinam escritos e teoria criativos, como na poesia e prosa de Adrienne Rich, Audre Lorde, Robin Morgan, Susan Griffin e Judy Grahn. Aqui, a paixão do feminismo radical pode ser inteiramente expressada, porque é uma teoria do emocional, assim como do intelecto racional.
Teoria e prática são entrelaçadas interdependentemente. Anne Koedt, Judith Levine e Anita Rapone trabalharam nisso em sua introdução à Radical Feminism em 1973 quando escreveram: “… o propósito em selecionar e organizar essa antologia era o de apresentar material de fonte primária não tanto sobre, mas do Movimento Feminista Radical” (itálico nosso, p. viii). Radical significa “pertencer à raiz”; o Feminismo Radical olha para as raízes da opressão das mulheres. Como Robin Morgan diz:

Eu me chamo uma Feminista Radical, e isso significa coisas específicas para mim. A etimologia da palavra “radical” se refere a “algo que vai à raiz”. Eu acredito que o sexismo é a raiz da opressão, aquela que, até e a não ser que extirpemos, continuará a se estender nos ramos do racismo, do ódio de classe, etarismo, competição, desastre ecológico e exploração econômica. Isso significa, para mim, que as assim chamadas revoluções até a data foram golpes de estado entre homens, em uma tépida tentativa de podar os galhos, mas deixando a raiz cravada no propósito de preservar seu próprio privilégio masculino (1978, p.9).

O intento revolucionário do feminismo radical é expresso primeira e principalmente em seu centramento na mulher: as experiências e interesses das mulheres estão no centro de nossa teoria e prática. É a única teoria por e para mulheres. O feminismo radical nomeia todas as mulheres como parte de um grupo oprimido, salientando que nenhuma mulher pode andar na rua ou mesmo viver de forma segura em casa sem medo de violação dos homens. Mas a feminista francesa Christine Delphy aponta que, como todas as pessoas oprimidas, muitas mulheres não gostam de aceitar que são parte de um grupo oprimido, mal-entendendo uma análise de poder como uma “teoria da conspiração” e, erroneamente, sentindo uma ameaça ao seu senso de agência.
O feminismo em si mesmo frequentemente marginalizou o feminismo radical, se deslocando para um libertarianismo fácil e confortável, salientando o individualismo ao invés da responsabilidade coletiva; ou para o socialismo com suas estruturas já prontas a atacar, retirando o calor dos principais atores do patriarcado: os homens mesmos.
Mais de dezesseis anos depois da publicação de Feminist Practice: Notes From the Tenth Year (1979) – um panfleto auto-publicado por um grupo inglês de feministas radicais –, muitos dos comentários sobre o lugar do feminismo radical ainda permanecem verdadeiros.

Nós podemos todas concordar que nós nos chamaríamos Feministas Radicais e de que queremos fazer algo a respeito do fato de que sentimos que nossa política foi perdida, se tornou invisível, no estado atual do WLM [Women’s Liberation Movement]. Sentimos que isso foi em parte culpa do próprio Feminismo Radical, visto que na Inglaterra não escrevemos muito por nós mesmas – concentrando na ação – e assim sendo definidas (difamadas?) por outros por omissão.
Sentimos que o Feminismo Radical tem sido uma, se não a, maior força no WLM desde seu início, mas assim que as facções começaram a aparecer, raramente foram as mulheres que se chamavam feministas radicais que definiram o feminismo radical. Durante muito tempo, foi utilizado como um termo de injúria para cercar aqueles aspectos do WL que assustavam aquelas preocupadas com a aceitação masculina, aqueles aspectos que mais ameaçavam sua imagem de respeitabilidade. Feministas radicais se tornaram um objeto social de escárnio que aquelas mulheres e homens poderiam então se dissociar.

O feminismo radical pós-60 também tinha sua história no ativismo das mulheres do passado. Por exemplo, Hedwig Dohm na Alemanha, Susan B. Anthony, Matilda Joslyn Gage e Charlotte Perkins nos EUA, Christabel Pankhurst (antes de seu socialismo) e Virginia Woolf na Inglaterra e Vida Goldstein na Austrália são apenas algumas de nossas predecessoras. [1] Em novembro de 1911, na Inglaterra, uma revista feminista radical, The Free Woman, começou a publicar semanalmente como um fórum para ideias revolucionárias sobre mulheres, casamento, política, prostituição, relações sexuais e questões relativas à opressão das mulheres e estratégias para acabar com ela. Foi banida por livreiros, e muitas sufragistas objetaram a ela por causa de sua posição crítica na luta pelo voto como a questão única que garantiria a igualdade das mulheres. “O feminismo é a questão toda; a emancipação política, uma questão derivada”, elas escreveram (em Tuttle: 1986, p. 117).

Princípios Definitórios do Feminismo Radical

Como o espaço é limitado, nos concentramos nos princípios gerais compartilhados pelas várias correntes no interior do feminismo radical ao invés das diferenças entre eles. O primeiro e fundamental tema é o de que as mulheres como um grupo social são oprimidas por homens como um grupo social e de que essa opressão é a opressão primária para as mulheres. O patriarcado é a estrutura opressiva da dominação masculina. O feminismo radical torna visível o controle masculino assim que é exercido em toda esfera das vidas das mulheres, tanto pública quanto privada. Então, a reprodução, o casamento, a heterossexualidade compulsória e a maternidade são locais primários de ataque e preveem mudança positiva.
Robin Morgan capta a excitação do feminismo radical em sua definição em Going Too Far.

… Não foi… Uma asa ou um braço ou um dente da Esquerda – ou Direita – ou nenhum outro grupo masculino-definido, masculino-controlado. Era algo bastante Outro, algo em si mesmo, uma política totalmente nova, uma maneira inteiramente diferente e assombrosamente radical de perceber a sociedade, uma questão senciente, a vida em si mesma, o universo. Era uma filosofia. Era imenso. Era também mais decididamente um Movimento real, autônomo, esse feminismo, com todas as forças que implicava. E com todos os males também – as familiares disputas mortíferas.

Uma segunda característica elementar do feminismo radical é a de que é criado por mulheres para mulheres. Christine Delphy coloca que as pessoas da Esquerda, por exemplo, estão lutando em nome de outro alguém, mas que

… As contradições que resultam dessa situação são externas ao feminismo. Não estamos lutando por outros, mas por nós mesmas. Nós e ninguém mais são as vítimas da opressão de que estamos denunciando e lutando contra. E, quando falamos, não é em nome ou no lugar de outros, mas em nosso próprio nome e em nosso próprio lugar (1984, p. 146).

O feminismo radical salienta que a “emancipação” ou a “igualdade” em termos masculinos não é o suficiente. Uma revolução total das estruturas sociais e a eliminação dos processos do patriarcado são essenciais. Em seu artigo publicado originalmente em 1979, entitulado “I Call Myself a Radical Feminist”, a escritora britânica Gail Chester delineou sua posição, claramente se definindo como “ativa por e acreditando na necessidade de um movimento revolucionário forte e autônomo da libertação das mulheres” (p. 12). Para ela, o feminismo radical é tanto socialista em seu intento e revolucionário.
Mary Daly define o feminismo radical em termos da selfhood das mulheres. Reivindincando e refazendo a linguagem, ela exorta as mulheres a tomarem seus Eus verdadeiros de volta, e se tornarem auto-ativas, auto-respeitosas. Em Gyn/Ecology (1978), ela chama o feminismo radical a “jornada das mulheres se tornando” (p. 1). Mary Daly tem um estilo único no qual ela re-trabalha a linguagem para propósitos feministas radicais. Seu trabalho é apaixonado, poético e lida com a dimensão espiritual. Ela vê a tarefa feminista radical como uma mudança de consciência, redescobrindo o passado e criando o futuro através da “alteridade” radical das mulheres. Em suas próprias palavras (p. 39): “O Feminismo Radical não é reconciliação com o pai. Ao invés disso, é afirmar nosso nascimento original, nossa fonte original, movimento, surto de viver. Esse encontro de nossa integridade original é relembrar nossos Eus”.
Na introdução à primeira questão do jornal feminista francês Questions Feministes (1977) – um jornal de teoria feminista radical – as editoras identificam sua perspectiva política como feminista radical, reconhecendo que a luta política que estão envolvidas é contra “a opressão das mulheres pelo sistema social patriarcal” (p. 5). Elas esboçam alguns dos princípios básicos do feminismo radical: a noção de que a existência social dos homens e das mulheres foi criada ao invés de ser parte de sua “natureza”; o direito das mulheres não a serem “diferentes”, mas de serem “autônomas”; e uma abordagem materialista em analisar a opressão das mulheres baseada na premissa de que as mulheres formam uma classe social baseada no sexo. Como Kate Millet (1971) escreveu: “o sexo é uma categoria de status com implicações políticas”.
De que as mulheres formam um grupo, isso pode ser comparado com uma classe social como uma parte inerente da teoria feminista radical. Ti-Grace Atkinson escreveu em 1974 que “a análise começa com a raison d’être feminista de que as mulheres são uma classe, de que essa classe é política por natureza, e de que essa classe política é oprimida. Desse ponto em diante, o feminismo radical se separa do feminismo tradicional” (p. 41). Ela via o “sistema homem/mulher” como “a primeira e mais fundamental instância da opressão humana”, acrescentando que “todos os outros sistemas de classe são construídos em cima dele”. Ela escreve:

As mulheres não serão livres até que todas as outras classes oprimidas estejam livres. Não estou sugerindo que as mulheres trabalhem para libertar as outras classes. No entanto, no caso das mulheres oprimindo outras mulheres, o exercício do privilégio de classe por identificação na realidade encaixa a classe sexual. Ao identificar seu interesse com aquele de qualquer classe de poder, estará desse modo mantendo a posição daquela classe. Tão longo quanto qualquer sistema de classe é deixado em pé, permanece nas costas das mulheres (1974, p. 73).

Na Introdução à Feminist Practice: Notes from the Tenth Year (1979), os princípios do Women’s Liberation foram claramente delineados. Desse manifesto, podemos reunir alguns tópicos comuns: o feminismo radical insiste em que mulheres como uma classe social ou grupo social são oprimidas por homens como um grupo social assim como individualmente por homens que continuam a se beneficiar dessa opressão e não fazem nada para mudar isso; o sistema através do qual os homens fazem isso foi denominado patriarcado; o feminismo radical é centrado na mulher e salienta tanto o pessoal quanto o político e a necessidade pela ação e responsabilidade coletivas; é o “poder” ao invés da “diferença” que determina a relação entre mulheres e homens. E, finalmente, de que “tudo quanto fizermos, que desfrutemos de nós mesmas enquanto isso!”.

Teoria e Prática

Porque a teoria é baseada nas experiências de vidas das mulheres, é parte do sistema de valores do Feminismo Radical que “o pessoal é político”. Nas palavras de Gail Chester (1979, p. 13): “A teoria Feminista Radical é aquela teoria que se segue à prática e é impossível de desenvolver na ausência de prática, porque nossa teoria é aquela prática e nossa prática é nossa teoria”. Mal-entendidos ocorreram porque críticos afirmam que o feminismo radical rejeitou a teoria. Mas ele sempre manteve que nós sim precisamos da teoria para entender as experiências das mulheres, para avaliar as causas da opressão das mulheres e para elaborar estratégias para a ação. Mas nós sim rejeitamos a teoria que é muito esotérica, muito desconectada da realidade das experiências das mulheres, muito inacessível à maioria das mulheres, para quem o feminismo é suposto de servir: teoria que nós, em outro lugar, entitulamos “teoria desengajada”. [2]
Chester argumenta que a teoria feminista radical não foi reconhecida como “uma teoria” porque nem sempre foi escrita (p. 14): “Se sua teoria é encarnada em sua prática, então o modo como você age politicamente tem tanto direito de ser tomado como uma colocação séria de sua posição teórica quanto escrever em um livro que dificilmente alguém lerá de qualquer maneira”.
Charlotte Bunch escreveu que a teoria não é “simplesmente intelectualmente interessante”, mas que é “crucial à sobrevivência do feminismo”. Não é um exercício acadêmico, mas “um processo baseado na compreensão e avanço do movimento ativista” (1983, p. 248). Para este fim, a teoria feminista radical não é um exercício objetivo, desvinculado das mulheres em si mesmas. Uma teoria que começa com as mulheres, coloca as mulheres e suas experiências no centro e nomeia a opressão das mulheres, envolve uma visão holística do mundo, uma análise que sonda cada faceta da existência das mulheres. Não é, como Bunch indica, uma “longa lista das ‘questões das mulheres’”, mas “fornece uma base para entender cada área de nossas vidas… Politica, cultural, economica e espiritualmente” (1983, p. 250).
Bunch adverte feministas radicais contra se tornarem cansadas e sentindo que a teoria feminista é muito lenta em trazer mudança. Nestes momentos, “feministas são tentadas a submergir nossos insights em uma das duas teorias progressivas de realidade e mudança dominantes do século: liberalismo democrático e socialismo Marxista” (p. 250). Bunch argumenta que, enquanto o feminismo pode aprender de ambas as correntes de teoria, ele não deve ser embutido dentro deles ou atado a eles porque nossa visão do mundo é uma visão alternativa que é autônoma e centrada nas mulheres.
Para ela, a teoria “tanto cresce do ativismo e o guia em um processo contínuo, em espiral” (p. 251). Pode estar dividida em quatro partes interrelacionadas: uma descrição do que existe e a nomeação da realidade; uma análise do porquê a realidade existe e a origem da opressão das mulheres; estratégias sobre como mudar essa realidade; e determinar uma visão para o futuro (pp. 251-53).
Um exemplo da coalescência entre a teoria e a prática é o desenvolvimento da ação coletiva. Através do trabalho coletivo, o feminismo radical tentou eliminar o conceito de hierarquia que posiciona o poder nas mãos de uns poucos em cima dos muitos. Trabalhar numa maneira cooperativa para um objetivo comum dá valor para cada mulher, permitindo a ela uma voz, ainda assim, fazendo todos os membros responsáveis coletivamente pela ação.
Um exemplo da fundamentação do ativismo na teoria emerge na análise das questões dolorosas e torpes centrando nas muitas violências contra as mulheres: espancamento, estupro, incesto, violência reprodutiva e feminicídio. Organizações de base no nível da existência e sobrevivência diária de mulheres, por exemplo no interior do Rape Crisis Centre Movement e do Domestic Violence Movement, salientam a luta contínua contra o abuso patriarcal. Também salientam a crença de que em todos os dias de nossas vidas, as mulheres podem contribuir para o desgaste da auto-imagem negativa e o senso de falta de poder que a sociedade dominada pelos homens nos transmite. Assim, a revolução acontece todo dia, não em um futuro imaginado. Nas palavras de Gail Chester:

Porque o Feminismo Radical não reconhece uma divisão entre nossa teoria e prática, somos capazes de dizer que a revolução pode acontecer agora, através de nós tomando ações positivas para mudar nossas vidas… É uma visão muito mais otimista e humana da mudança do que a noção definida pelos homens da construção em direção a uma revolução em algum ponto em um futuro distante, uma vez que todas as preparações foram feitas (1979, pp. 14-15).

Patriarcado

O feminismo radical vê o patriarcado como um sistema de valores universal, embora se mostre em diferentes formas cultural e historicamente. [3] Ruth Bleier o define deste modo:

Por patriarcado, me refiro ao sistema histórico da dominação masculina, um sistema comprometido na manutenção e reforço da hegemonia masculina em todos os aspectos da vida – privilégio e poder pessoal e privado, assim como privilégio e poder público. Suas instituições direcionam e protegem a distribuição de poder e privilégio daqueles que são homens, repartidos, no entanto, de acordo com classe social e econômica e raça. O patriarcado toma diferentes formas e desenvolve específicas instituições de apoio e ideologias durante diferentes períodos históricos e economias políticas (1984, p. 162).

O patriarcado é um sistema de estruturas e instituições criadas por homens de forma a sustentar e recriar o poder masculino e a subordinação feminina. Tais estruturas incluem: instituições tais como a lei, a religião e a família; ideologias que perpetuam a posição “naturalmente” inferior das mulheres; processos de socialização que garantem que as mulheres e homens desenvolvam comportamentos e sistemas de crenças apropriados ao grupo poderoso ou menos poderoso a que pertencem.
As estruturas do patriarcado que foram estabelecidas de forma a manter o poder masculino foram claramente analisadas por feministas radicais. Estruturas econômicas foram tratadas por, por exemplo, Lisa Leghorn e Katherine Parker (1981); Marilyn Waring (1988); Prue Hyman (1994). Hilda Scott (1984) claramente demonstra o aumento da feminilização da pobreza. Estruturas políticas, legais e religiosas são dominadas pelos homens que garantem que eles mantenham essas posições. O direito das mulheres de votar é somente um evento recente historicamente. No interior da profissão legal, poucas mulheres sentam nos bancos mais altos do sistema da corte. No interior do domínio privado da família, do casamento e da reprodução, os homens estruturaram um sistema por meio do qual a capacidade reprodutiva da mulher a deixa vulnerável, explorada domesticamente, e frequentemente aprisionada na dependência econômica.
A ideologia patriarcal mantêm essas estruturas. A família é mantida através do conceito de amor romântico entre homens e mulheres, quando na realidade contratos de casamento tiveram tradicionalmente uma base econômica. O trabalho das mulheres no interior da família, que tem sido não remunerado e não reconhecido, e que inclui prestar serviço emocional aos membros da família, bem como prestar serviço físico, continua a ser definido como um “trabalho de amor”. Homens manejaram a criar uma ideologia que define os homens como donos “naturais” do intelecto, da racionalidade e do poder de governar. Mulheres são “por natureza” submissas, passivas e dispostas a serem chefiadas. Processos tais como a socialização de crianças encorajam que essa situação continue. Assim, por exemplo, em jogos de playground, garotos logo aprendem que eles são para agir e as meninas, para criar “audiência” para as perfomances masculinas.
A construção da família e da dependência econômica das mulheres nos homens também se interrelaciona com a ideologia da realidade hetero [4] e das estruturas da heterossexualidade. Adrienne Rich (1980) analisou a natureza compulsória da heterossexualidade e sua função enquanto uma instituição política. Ela argumenta que os homens temem que as mulheres possam ser indiferentes a eles e de que “os homens poderiam ser autorizados ao acesso emocional – portanto econômico – de mulheres apenas nos termos de mulheres” (p. 643). A natureza compulsória da heterossexualidade define o acesso dos homens às mulheres como natural e de seu direito.
Em uma análise mais ampla, Janice Raymond (1986) criou o termo realidade hetero, que é a crença de que, em nosso mundo, o propósito das mulheres é de ser “para os homens”. A realidade hetero determina que as mulheres solteiras são definidas como “soltas” no sentido promíscuo. Assim, o estado de estar livre e independente em relação a um homem é traduzido como um estado negativo de estar disponível a qualquer homem.
O sistema patriarcal está localizado no interior de um sistema de linguagem e de conhecimento que constrói a masculinidade e a feminilidade em apoio do desequilíbro de poder estabelecido. Dale Spender consignou essas questões através de sua análise da linguagem, mostrando como os homens construíram e controlaram a linguagem de forma a reforçar a posição subordinada das mulheres (Spender: 1980). Ela também reivindica “mulheres de ideias” historicamente e o conhecimento que criaram. Em Women of Ideas e What Men Have Done to Them, ela escreve:

Eu aceitei que uma sociedade patriarcal depende em grande medida das experiências e valores de homens sendo percebidos como o único quadro válido de referência para a sociedade e de que é por isso de interesse do patriarcado prevenir as mulheres de compartilhar, estabelecer e afirmar sua real igualdade, seu válido e diferente quadro de referência, que é o resultado de experiência diferente. (1982, p. 5).

Spender salienta que os homens controlaram o conhecimento e, por isso, tornaram as mulheres invisíveis no mundo das ideias. Estruturas no interior do patriarcado são estabelecidas de forma a manter a visão de que não há qualquer problema com o fato de que homens são mais poderosos que mulheres. Como ela diz (1982, p.7): “O patriarcado requer que qualquer conceptualização do mundo em que os homens e seu poder são um problema central deve se tornar invisível e irreal. Como pode o patriarcado se dar ao luxo de aceitar que os homens são um problema sério?”
O patriarcado também possui uma base material em dois sentidos. Primeiro, os sistemas econômicos são estruturados tais que as mulheres têm dificuldade em obter trabalho remunerado em uma sociedade que valoriza somente o trabalho pago e na qual o dinheiro é a moeda do poder. É extremamente difícil para mulheres sem independência econômica sustentar a si mesmas sem auxílio da família. É difícil deixar um marido brutal, recusar prestação de serviço sexual, emocional e físico aos homens, ter uma opinião desigual em decisões que afetam suas próprias vidas, tais como aonde podem viver. O feminismo radical, portanto, salientou a necessidade para as mulheres de exercer poder econômico em seu próprio direito.
O serviço doméstico não remunerado na casa é primário em apoiar o sistema patriarcal. Christine Delphy, cujo Feminismo Radical deriva de uma base Marxista, argumenta que “o patriarcado é o sistema de subordinação das mulheres aos homens em sociedades industriais contemporâneas, de que esse sistema possui uma base econômica, e de que essa base é o modo de produção doméstico” (1984, p. 18). É também um modo de consumo e de circulação de bens e difere do modo capitalista de produção porque “aqueles explorados pelo modo doméstico de produção não são pagos, mas ao invés disso mantidos. Nesse modo, portanto, o consumo não está separado da produção, e a distribuição desigual de bens não é mediado pelo dinheiro” (1984, p. 18). Delphy argumenta que a análise da opressão das mulheres utilizando uma análise tradicional de classe não é adequada porque não pode explicar a exploração específica de mulheres não remuneradas. Os homens são a classe que oprime e explora as mulheres e que se beneficia de sua exploração.
A segunda base material que o feminismo radical nomeia como crucial para a libertação das mulheres é a do corpo das mulheres em si mesmos. Internacionalmente, é o corpo de uma mulher que é a moeda do patriarcado. Kathleen Barry mostou em Female Sexual Slavery (1979) e em The Prostitution of Sexuality (1995) que o tráfico internacional de mulheres opera consideravelmente para controlar as mulheres socialmente. Mulheres no casamento são vistas como sendo “pertencidas” por seus maridos e não podem alegar um caso civil de estupro em muitos países. Os corpos das mulheres são usados na publicidade e na pornografia de modo semelhante, objetificados e definidos como “outros” e disponíveis para uso masculino. Como Delphy observa, “o feminismo, ao imprimir a palavra opressão no domínio da sexualidade, o anexou ao materialismo” (1984, p. 217). Os homens controlam as leis da reprodução, por exemplo parlamentos masculino-dominados e companhias farmacêuticas masculino-conduzidas determinam as formas de contracepção disponíveis e a extensão de seu uso. [5] Um governo masculino-controlado determina o acesso as mulheres a um aborto seguro. Leis desenvolvidas por homens determinam o poder civil ou falta de poder das mulheres em trazer acusações de estupro ou incesto contra homens.
Homens como um grupo desfrutam dos privilégios do poder. É do melhor interesse dos homens em manter o sistema patriarcal existente, e o mundo foi estruturado de forma a manter esse desequilíbro de poder, por exemplo, em sua estruturação de desigualdade de pagamento, e o mundo do trabalho segregado por sexo. Eles precisam manter o trabalho não remunerado de mulheres; prestação de serviço emocional e físico por mulheres; o senso de estar no poder que eles sentem individual e coletivamente. Homens experienciam tanto o medo e a inveja do poder reprodutivo das mulheres (O’Brien: 1981; Rowland: 1987b). É uma área da vida que pertence ao grupo menos poderoso, as mulheres. De forma a tomar o controle de volta, os homens desenvolvem leis regulando e controlando o aborto e a contracepção. Historicamente, eles combateram parteiras pelo controle do nascimento e, através dos novos desenvolvimentos de tecnologia reprodutiva, buscam controlar a concepção em si (Rowland: 1992/1993).
O poder masculino é mantido e definido através de uma variedade de métodos: através de instituições no interior da sociedade, através da ideologia, através da coerção ou da força, através do controle de recursos e recompensas, através das políticas da intimidade, e através do poder pessoal. A rotulagem simplista de uma análise do patriarcado como uma “teoria da conspiração” convenientemente permite críticos do feminismo radical a demitir essa análise da opressão das mulheres (veja também Chesler: 1994 sobre o patriarcado de uma perspectiva de uma “perita”).

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[1] Veja Dale Spender (1983), para uma compilação de escritos históricos sobre teóricas feministas.
[2] Renate Klein e Robyn Rowland, Feminist Theory into Action: The Politics of Engagement, Australian Women’s Studies Association Annual Conference, University of Sydney, September, 1992 (não publicado).
[3] Para exemplos de sua universalidade, veja Morgan (1984) e Seager e Olson (1986).
[4] No original, hetero-reality. (N. da T.)
[5] Feministas radicais também salientam a importância de aplicar uma análise centrada na mulher às várias formas de controle populacional, dado que oprimem mulheres nos assim chamados países de Terceiro Mundo. Veja, por exemplo, Vimal Balasubrahmanyan (1984) e Viola Roggenkamp (1984) sobre a Índia, e Farida Akhter (1987, 1992) sobre Bangladesh e Betsy Hartmann (1995).

Fonte:
ROWLAND, Robyn; KLEIN, Renate. Radical Feminism: History, Politics, Action. In: Radically Speaking: Feminism Reclaimed. North Melbourne, Victoria: Spinifex Press, 1997. p. 9-17.

Tradução – Introdução de “Radical Feminism Today”

Introdução de “Radical Feminism Today”
Denise Thompson

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A tendência geral dos argumentos nesse livro é a de que o feminismo radical não é uma forma de feminismo entre outros, mas simplesmente feminismo “não modificado” (MacKinnon, 1987: 16), e de que a prática comum de qualificar o feminismo com qualquer das variedades de enquadramentos pré-existentes serve para dissimular o significado central do feminismo. Nos 1970s, esses enquadramentos tendiam a ser resumidos sob os títulos de “feminismo liberal”, “feminismo socialista” e “feminismo radical”; subsequentemente, eles se multiplicaram em uma pletora de “feminismos” que desafiam enumeração. Mas tal caracterização disfarça as relações de poder envolvidas. O que tem acontecido não é uma luta sobre o significado do feminismo entre competidores igualados, mas um fluxo de ataques alimentados por lealdades a variedades do pensamento malestream, contra o que é rotulado como “feminismo radical”. Essa rotulagem serve ao propósito ideológico de abrir espaço no interior do feminismo para outros “feminismos”, deste modo proporcionando uma plataforma para atacá-lo a partir de dentro.
Este presente trabalho é uma investigação de um dos mais influentes lugares do processo de desmantelar o feminismo a partir de dentro, o que eu venho a chamar de “feminismo acadêmico”. Por “feminismo acadêmico” eu não quero dizer tudo que é produzido em universidades sob o título de “feminismo”. Menos ainda quero dizer todo o trabalho feminista que é acadêmico em tom e formato, uma vez que considero meu próprio trabalho como acadêmico nesse sentido. O que estou me referindo é a este trabalho, auto-identificado como “feminista”, que tanto ignora a problemática central do feminismo de oposição à supremacia masculina, ou que critica trabalho feminista genuíno. O significado, valor, verdade e realidade do feminismo, como eu devo estar argumentando ao longo, é sua identificação da supremacia masculina e oposição a ela, e sua luta concomitante por um status humano para as mulheres em ligação com outras mulheres, que não está às custas de ninguém, e que está fora da definição e controle masculinos.
Porque as disciplinas acadêmicas são convencionalmente masculino-identificadas, é dificilmente surpreendente que um feminismo que expõe tais interesses não é permitido um espaço no cânone acadêmico. Que algum trabalho feminista na academia tenha não obstante sido capaz de identificar e resistir às coerções e seduções do pensamento malestream, é um tributo ao compromisso, persistência e dedicação de sua autora. Existem várias feministas no interior da academia cuja política feminista é direta e inequívoca, e que foram bem-sucedidas em transmití-la a seus estudantes, mas elas estão na minoria combatente como feministas radicais em toda parte. Mas em muitos textos auto-identificados feministas emanando da academia, os sinais de suas origens são simplesmente muito evidentes. O chefe desses sinais é a equivocação, ou completa repudiação, da questão da dominação masculina. Enquanto que isso pode ser inadvertido é, não obstante, sistemático. Construções de “feminismo cultural”, “essencialismo”, “puritanismo”, “falso universalismo”, “politicamente correto”, “branco e classe média”, “a-histórico”, etc., são tipicamente direcionadas contra esses escritos feministas que mais claramente identificam a dominação masculina e suas maneiras. [1]
Embora a crítica do feminismo acadêmico seja uma de minhas maiores preocupações, eu não discuto o pós-modernismo em qualquer detalhe. Isso pode parecer uma omissão curiosa à luz da esmagadora influência do pós-modernismo na teorização feminista na academia em anos recentes. A omissão, no entanto, é deliberada. Eu não discuto o pós-modernismo como um quadro identificável porque, assim o fazer, mesmo como crítica, seria reforçar sua posição de preeminência. Focar atenção, mesmo criticamente, no pós-modernismo, seria conceder-lhe credibilidade como um empreendimento feminista, enquanto que, de um ponto de vista feminista, é meramente outro ardil da supremacia masculina. Como Mia Campioni o coloca:

A reação intelectual branca, masculina e classe média a essa revolta [do “outro”] tem sido a de apropriar essa reivindicação à “alteridade” como sua própria experiência reveladora. (…) Como um teórico homem declarou unilateralmente: “nós descobrimos que somos todos outros” (Paul Ricoeur, citado em H. Foster, ed., The Anti-Aesthetic, 1983: 57). Ele esqueceu que estava mais uma vez falando por todos “nós”. Os barulhentos protestos dos outros até agora mudos (ou ignorados/não ouvidos) devem ter vindo como um choque enorme para ele. (…) Ele não podia entender esses protestos de qualquer outro modo se não por assumindo esse “outro” a ser ele de novo, ou para estar de novo ali para ele apropriar para si mesmo. (Campioni, 1991: 49-50 – ênfase dela)

Por outro lado, eu sim consigno muitas das questões que têm sido trazidas sob a bandeira pós-moderna, e muitos dos textos que discuto são explicitamente identificados como “pós-modernos”.
O referente do feminismo que estarei aludindo do começo ao fim deste presente trabalho é aquela “segunda onda” do feminismo, inicialmente conhecido como o Movimento de Libertação das Mulheres, datando do final dos 1960s e início dos 1970s. O feminismo, no sentido de mulheres defendendo seus próprios interesses em face da supremacia masculina, é de duração muito maior do que as últimas três décadas e, por isso, chamar essa manifestação de “segunda onda” faz uma injustiça à longa história das lutas das mulheres em seu próprio nome (Lerner, 1993; Spender, 1982). (Não existe “terceira onda” – o feminismo no momento é uma clarificação e sustentação aos insights e ganhos do Movimento de Libertação das Mulheres em face do backlash supremacista masculino, e daquelas cooptações e recuperações que penetram (trocadilho) no corpo mesmo do próprio feminismo. Menos ainda chegamos a qualquer era “pós-feminista”, pela simples e óbvia razão de que a supremacia masculina ainda existe.) Mas apesar de que o “feminismo” possui conotações históricas maiores do que o atribuo aqui, minha tarefa não é escrever uma história do feminismo ao longo dos tempos; é, de preferência, se engajar na “auto-clarificação das lutas e desejos” da época em que eu mesma vivi (para parafrasear um insight de Marx). [2]
Como mencionei acima, é o feminismo radical que fornece meu ponto de vista e que considero como o feminismo per se. Mas embora estarei argumentando ao longo que muito do que é chamado “feminismo” não é, eu frequentemente permiti manter a designação de “feminismo”, mesmo quando argumento contra ele. Em outras palavras, uso o termo “feminismo” de uma maneira sistematicamente ambígua. Às vezes quero dizer o feminismo per se, isso é, o feminismo radical que identifica e se opõe à supremacia masculina; e às vezes aceito a auto-identificação como “feminismo” mesmo enquanto discordando com isso. Que é o que deve ficar claro a partir do contexto. Eu mantive a ambiguidade no interesse da irrestrição porque isso reside nos textos em discussão. É às vezes o caso de que eu critico um aspecto de um texto que em outras considerações exibe impecáveis credenciais feministas.
Os textos que uso para exemplificar esse tipo de feminismo acadêmico foram selecionados aleatoriamente. Eles são exemplos somente, e não em qualquer sentido principais ofensores nas questões que identifico. Eles se destinam a ilustrar certos temas, e não castigar autores individuais ou pedaços particulares de trabalho. Eu poderia ter escolhido qualquer número de outros textos para ilustrar esses temas, que são endêmicos na teorização feminista acadêmica e não peculiares a particulares autores.
Minha tarefa não é separar quem é feminista de quem não é. A questão de definir o feminismo não é uma questão de quem é (ou não é) uma feminista. Enquanto pode realmente ser o caso de que ninguém tem o direito de dizer a alguém se ela é ou não uma feminista, isso não é o que está envolvido. Ver isso dessa forma pode somente impedir o progresso do feminismo porque ele obstrui o importante projeto de auto-clarificação ao colocar uma proibição em dizer o que o feminismo é. Isso reduz a política a uma questão de preferência pessoal e opinião. A questão crucial não é “quem é uma feminista?”, mas “o que é o feminismo?”. Essa última pergunta só pode ser consignada com referência à lógica da teoria e prática feministas. O significado de “feminismo” precisa ser radicalmente contestado e debatido. Mas isso não pode acontecer tão longo quanto o feminismo continue a ser implicitamente definido somente em termos de qualquer coisa dita ou feita por qualquer uma que se identifique como uma feminista.
Como um exercício na teoria feminista radical, este presente trabalho é um pouco incomum. A escrita feminista radical em seu conjunto não tendeu a se engajar em tentativas de dizer o que o feminismo é. Pois, se o feminismo radical não foi bem recebido na cademia, o sentimento tem sido mútuo – nem esteve o feminismo radical ansioso em se intrometer nos níveis mais misteriosos da teorização. Aparecendo como faz das políticas práticas das vidas e experiências das mulheres, e brotando diretamente da consciência modificada que é o feminismo, a teoria tendeu a mostrar a si mesma nas questões consignadas e nas maneiras nas quais essas questões são interpretadas, em vez de ser dita abertamente.[3] Na maioria dos casos, a teoria feminista é implícita nos textos feministas, em vez de explicitamente decifrada. Em geral, essa tem sido uma estratégia deliberada da parte de teóricas feministas radicais. Isso significou que o feminismo radical permaneceu atado a questões de real interesse das mulheres, em vez de ser atraído pelas seduções da teoria pela teoria (Stanley and Wise, 1993). Na maior parte, o feminismo radical focou em expor os piores excessos do sistema social que é a supremacia masculina. A necessidade de dizer o que o feminismo é, no entanto, se tornou urgente e premente à luz da força e influência do backlash anti-feminista, um backlash que está cada vez mais se mascarando como o “feminismo” em si. Este presente projeto é uma contribuição a esse debate.
[…]

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[1] Para uma crítica do conceito de “essencialismo” e seu uso injustificado contra o feminismo radical, veja Thompson, 1991, capítulos 7 e 10.
[2] “Letter to Ruge”, Kreuznach, setembro de 1843, em Early Writings, Penguin Books, 1975: 209.
[3] A referência é à distinção de Ludwig Wittgenstein entre “mostrar” e “dizer”: “O que pode ser mostrado não pode ser dito” (Wittgenstein, 1951: 4.1212). A distinção pode ser absoluta no caso da lógica. Mas um compromisso político tal como o feminismo deve ser capaz de identificar explicitamente os interesses, significados e valores que determinam tanto o que o feminismo está lutando contra quanto o que está lutando para. Nesse sentido, qualquer distinção entre o que pode ser dito e o que deve simplesmente ser mostrado é provisório. Está atado a certos propósitos e mudanças de acordo com a tarefa em mãos.

Fonte:
THOMPSON, Denise. Introduction. In: Radical Feminism Today. Great Britain: SAGE Publications, 2001. p. 1-4.

Tradução – Lesbianismo Político: A Causa Contra a Heterossexualidade – Primeira Parte

Lesbianismo Político: A Causa Contra a Heterossexualidade – Primeira Parte
Leeds Revolutionary Feminist Group

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“Mas madame, eu sou Adão!” / “… Então vá embora… Sou Eva” / “Folhagem por Constance Spry”.

NOTA:
Este texto não necessariamente expressa as opiniões de quem o traduziu, assim como o resto dos textos aqui contidos. O objetivo do blog “Material Feminista”, como está implícito, é de disponibilizar materiais que possam fomentar o debate.

O texto em questão é muito utilizado para se discutir o tema do “lesbianismo político”. Quer se concorde com o ponto ou não, quer se compreenda o texto como um problema devido a enunciar “lesbianismo político” e na realidade caracterizar “celibato político/feminista”, nenhuma discussão poderá avançar caso não tenhamos em mãos materiais com os quais trabalhar, quer os critiquemos ou os reiteremos.

Sabemos que a questão de se todas as feministas devem ser lésbicas não é nova. Nós tivemos que trabalhar nossas ideias no assunto porque, frequentemente, quando falamos com outras mulheres sobre nossa política e o que significa dizer que homens são o inimigo, somos questionadas se estamos dizendo que todas as feministas devem ser lésbicas.
Compreendemos que o tópico é explosivo. É algo que devemos falar em casa e em grupos fechados e confiáveis de amigos e não fazer colocações políticas a respeito no movimento, para que nossas irmãs heterossexuais não nos acusem de ódio às mulheres. É verdade que devemos esconder nossas fortes crenças políticas sobre o assunto quando conversamos com outras feministas? Gostaríamos de levantar toda a questão para a discussão em um workshop; não só se todas as feministas devem ser lésbicas, mas precisamente porque pensamos que devem e se e como devemos começar a falar sobre isso mais abertamente.
Nós sim pensamos que todas as feministas podem e devem ser lésbicas políticas. Nossa definição de uma lésbica política é uma mulher identificada com a mulher que não fode com homens. Não significa compulsória atividade sexual com outras mulheres. O escrito é dividido em duas partes. A primeira cobre as razões pelas quais pensamos que feministas sérias não possuem escolha a não ser abandonar a heterossexualidade. A segunda é organizada em forma de questões levantadas e comentários feitos a nós sobre o assunto do lesbianismo político e a forma pela qual achamos que elas devem ser respondidas.

(1) O que é a heterossexualidade e por que ela deve ser abandonada

Sexualidade
Que papel a sexualidade desempenha na opressão das mulheres? Somente no sistema de opressão que é a supremacia masculina o opressor efetivamente invade e coloniza o interior do corpo do oprimido. Ligados a todas as formas de comportamento sexual estão significados de dominação e submissão, poder e a falta dele, conquista e humilhação. Existe uma importância muito especial relacionada à sexualidade sob a supremacia masculina quando toda referência sexual, toda piada sexual, toda imagem sexual serve para lembrar a uma mulher de seu centro invadido e a um homem de seu poder. Por que toda essa agitação em nossa cultura sobre o sexo? Porque é especificamente através da sexualidade que a opressão fundamental, aquela dos homens sobre as mulheres, é mantida. (Isso deveria ser um livro, realmente não pode ser desenvolvido agora.)

O casal heterossexual
O casal heterossexual é a unidade básica da estrutura política da supremacia masculina. Nisto, cada mulher individual se mantém sob controle de um homem individual. É de longe mais eficiente do que manter as mulheres em guetos, campos ou mesmo em barracões no fundo do jardim. No casal, o amor e o sexo são usados para obscurecer as realidades da opressão, para previnir as mulheres de se identificarem umas com as outras de forma a se revoltarem e de identificarem “seus” homens como parte do inimigo. Qualquer mulher que toma parte em um casal heterossexual ajuda a assegurar a supremacia masculina por tornar sua fundação mais forte.

Penetração
A penetração (onde quer que for que nos refiramos à penetração, queremos dizer à penetração pelo pênis) não é necessária ao prazer sexual das mulheres e nem mesmo dos homens. Sua performance leva à reprodução de formas fastidiosas/perigosas de contracepção. Por que então ela se assenta no cerne da cultura sexualizada desse estágio particular da supremacia masculina? Por que mais e mais mulheres, de idades mais e mais novas, são encorajadas por psiquiatras, médicos, conselheiros de orientação de casamento, a indústria pornográfica, o movimento de desenvolvimento, esquerdistas e o Masters and Johnson [1] a serem mais e mais fodidas com maior frequência? Porque a forma da opressão das mulheres sob a supremacia masculina está mudando. Assim que mais mulheres são capazes de ganhar um pouco mais de dinheiro e as pressões da reprodução são atenuadas, a manutenção de homens individuais e de homens como uma classe sobre as mulheres está sendo fortalecida através do controle sexual.

A função da penetração
A penetração é um ato de grande significância simbólica pela qual o opressor entra no corpo do oprimido. Mas é mais do que um símbolo, sua função e efeito é a punição e o controle das mulheres. Não é só o estupro que serve a esta função, mas todo ato de penetração, mesmo aquilo que é eufemisticamente descrito como “fazer amor”. Todas ouvimos os homens falando sobre uma mulher insolente: “o que ela precisa é de uma boa foda”. Esta não é uma observação inútil. Todo homem sabe que uma mulher fodida é uma mulher sob o controle dos homens, cujo corpo está aberto aos homens, uma muher que é domesticada e quebrada. Antes da revolução sexual não havia qualquer dúvida sobre a penetração ser para o benefício dos homens. A revolução sexual é um contro do vigário. Serve para dissimular a natureza opressiva da sexualidade masculina e somos ditas que a penetração é para nosso benefício também.
Todo ato de penetação para a mulher é uma invasão que mina sua confiança e esgota sua força. Para um homem é um ato de poder e domínio que o torna mais forte, não somente sobre uma mulher, mas sobre todas as mulheres. Então toda mulher que se engaja na penetração reforça o opressor e reinforça o poder de classe dos homens.

(2) Questões e comentários

(a) Mas parece que você está dizendo que mulheres heterossexuais são o inimigo!
Não. Homens são o inimigo. Mulheres heterossexuais são colaboradoras do inimigo. Todo bom trabalho que nossas irmãs feministas heterossexuais fazem para as mulheres é minado pela atividade contra-revolucionária que se engajam com os homens. Ser uma feminista heterossexual é como estar na resistência na Europa ocupada pelos nazistas onde durante o dia que você explode uma ponte, à tarde você corre para consertá-la. Tome o Women’s Aid como exemplo: mulheres que vivem com os homens não podem falar para mulheres agredidas que a sobrevivência sem os homens é possível vez que elas não estão fazendo isso por si mesmas. Toda mulher que vive ou fode com homens ajuda a manter a opressão de suas irmãs e impede nossa luta.

(b) Mas nós não fazemos penetração, meu namorado e eu.
Se você se engaja em qualquer forma de atividade sexual com um homem você está reforçando o poder de classe dele. Você pode escapar à forma mais extrema de humilhação ritual, mas por causa dos desenvolvimentos emocionais a qualquer forma do comportamento heterossexual, os homens ganham muitas vantagens e as mulheres perdem. Não existe tal coisa como um prazer sexual “puro”. Tal “prazer” é criado na fantasia, memória e experiência. O “prazer” sexual não pode ser separado das emoções que acompanham o exercício do poder e a experiência da falta de poder.
(Se você não faz penetração, por que não tomar uma mulher como amante? Se você tirar um homem de sua capacidade única de humilhar, você fica com uma criatura que é meramente pior em qualquer tipo de atividade sensual do que uma mulher é).

(c) Mas meu namorado não me penetra, eu o enclausuro.
Uma rosa é uma rosa por qualquer outro nome e assim também é a penetração. Ou talvez “você não faz uma bolsa de seda da orelha de um javali” seja uma expressão mais adequada. A interpretação mais amável é dizer que acreditar no enclausuramento é um pensamento desejoso. Seria mais realista dizer que é uma desculpa e uma racionalização para continuar com a atividade. Enclausuramento, aonde uma vagina ativa (auxiliada por exercícios de fortalecimento) suga um pênis poderia somente acontecer onde uma mulher e um homem nascessem inteiramente formados, totalmente inocentes, em uma ilha deserta inabitada (aonde eles poderiam muito bem nunca descobrir foder de qualquer maneira).

(d) Mas eu gosto de foder.
Abandonar a foda para uma feminista é sobre tomar sua política a sério. As mulheres que são socialistas estão preparadas para abandonar muitas coisas que elas possam gostar porque elas veem como essas coisas se relacionam com e apoiam todo o sistema de opressão de classe econômica que elas estão lutando contra. Elas irão resistir comprar maçãs do Cabo porque os lucros vão para a África do Sul. Obviamente é mais difícil para algumas feministas abandonarem a penetração que é tão fundamental ao sistema de opressão que estão lutando contra.

(e) É muito mais fácil para você no gueto lésbico que para mim. Eu tenho que viver as contradições da minha política que é uma dura, implacável e diária luta com o homem que vivo com.
Isso simplesmente não é verdade. Viver sem o privilégio heterossexual é difícil e perigoso. Tente ir a bares com grupos de mulheres ou viver em uma casa de mulheres onde jovens na rua cercam com pedras e assobios.
Os privilégios heterossexuais são a aprovação masculina, mais segurança de ataque físico, maior facilidade em lidar com as autoridades, conseguir consertos, proteção de um telefonema obsceno e assediador, ser capaz de se referir a um homem na fila do ônibus ou no trabalho que traz sorrisos de aprovação de mulheres e homens, sem contar as vantagens financeiras de se estar ligada a um membro da classe dominante masculina que possui grande poder aquisitivo.
Porque escolhemos viver sem esses privilégios nós ressentimos em sermos usadas por feministas heterossexuais como postos de combustível quando elas são desgastadas por suas lutas contra seus homens. Os grupos de libertação das mulheres e as casas de mulheres deveriam ser um refúgio e um apoio para as irmãs heterossexuais em revolver suas contradições por irem embora, mas não deveriam ser usados para apoiar os relacionamentos heterossexuais e, dessa forma, fortalecer a estrutura da supremacia masculina.

(f) Mas os relacionamentos lésbicos são também fodidos por lutas de poder.
Isso é às vezes verdade, mas o poder de uma mulher nunca é encurralado por uma posição de classe de sexo superior. Lutas entre mulheres não fortalecem diretamente a opressão de todas as mulheres ou constroem a força dos homens. A perfeição pessoal nos relacionamentos não é um objetivo realista sob a supremacia masculina. O lesbianismo é uma escolha política necessária, parte das táticas de nossa luta, não um passaporte para o paraíso.

(g) Eu não vou abandonar o que eu tenho a menos que o que você me ofereça é melhor.
Nós nunca lhe prometemos um jardim de rosas. Nós não dizemos que todas as feministas deveriam ser lésbicas porque é maravilhoso. O sonho lésbico do amor de mulheres, de seios nus, as softballers que tocam guitarra, cambalhotando em encostas banhadas pelo sol é mais apropriado à Califórnia, supondo que tenha qualquer semelhança com a realidade, do que com Hackney.
Mas sim, é melhor ser uma lésbica. As vantagens incluem o prazer de saber que você não está diretamente servindo aos homens, viver sem a tensão de uma flagrante contradição em sua vida pessoal, unir o pessoal e o político, amar e colocar suas energias naquelas que estão lutando ao seu lado ao invés de naqueles que você está lutando contra e a possibilidade de uma grande confiança, honestidade e franqueza em sua comunicação com as mulheres.
A comunicação com as mulheres heterossexuais é carregada de dificuldades, com a estática que vem de seus relacionamentos com homens. Os homens distorcem tal comunicação. Uma mulher heterossexual terá uma percepção diferente e uma reação a coisas que você diz; ela pode ficar defensiva e é provável de estar pensando “e o Nigel?”. Quando você fala sobre os interesses e o futuro e a sobrevivência de mulheres, sua imaginação pode estar bloqueada pela preocupação por seu homem e seus irmãos. Você se sente sob pressão para dizer coisas boas que não irão ameaçá-la.

(h) Você está nos culpando.
Não. A culpabilização é usada para impedir que as mulheres falem a verdade como a veem e de falarem sobre realidades políticas difíceis. São vocês, irmãs heterossexuais, que estão nos culpabilizando. É possível parar de colaborar e pedir para vocês fazerem isso não é uma culpabilização.

(i) Todas as feministas lésbicas são lésbicas políticas?
Não. Algumas mulheres que são lésbicas e feministas trabalham de maneira próxima a homens na esquerda masculina (quer em seus grupos ou em grupos de mulheres em seu interior), ou fornecem porta-vozes no interior do movimento de libertação das mulheres para as ideias dos homens mesmo quando não-alinhadas. Pode muito bem ser que essas mulheres percebam como sendo mais difícil ver que homens são o inimigo porque elas são tratadas como substitutas mas homens inferiores por homens da esquerda e são capazes de se sentirem superiores às mulheres heterossexuais que ainda estão lutanto contra a opressão sexual em suas camas. Elas não são identificadas com mulheres e ganham privilégios através de associarem-se com homens e impulsionarem ideias que são só suavemente aceitas à ideologia da esquerda masculina.

(j) Mas você não entende quão difícil é abandonar os homens.
A maioria de nós sabe por experiência pessoal quão praticamente difícil e doloroso é decidir não foder de novo e ir embora do homem que vivemos com e/ou amamos. Só é geralmente feito com o amor, apoio e força de outras mulheres que fizeram essa quebra e cuja crítica e fala direta nos estimularam. Sabemos que, para algumas mulheres, por exemplo, para aquelas com crianças, aquelas com não fácil aceso ao movimento e aquelas sem a experiência de viverem por conta própria, a quebra é mais difícil do que para outras e elas precisam de mais tempo e apoio prático. Sabemos quão difícil é encontrar uma casa de mulheres para morar e como é sentir-se como uma “nova garota” na discoteca de mulheres. Mas parte do apoio deve ser em explicar o mais claro possível as razões políticas para nossa própria escolha e falar honestamente sobre todas as dificuldades com as mulheres que estão fazendo isso.

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[1] Masters and Johnson, grupo de pesquisa sobre o comportamento sexual, o diagnóstico e o tratamento de transtornos e disfunções sexuais, composto por William H. Masters e Virginia E. Johnson. Ativo de 1957 até os 1990s. (N. da T.)

Fonte:
Political Lesbianism: The Case Against Heterosexuality. In: Love Your Enemy? – The Debate Between Heterosexual Feminism and Political Lesbianism. London: Onlywomen Press. p. 5-10.

Tradução – Porque os Espaços de Mulheres São Críticos com Relação à Autonomia Feminista

Porque os Espaços de Mulheres São Críticos com Relação à Autonomia Feminista
Patricia McFadden

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A questão da presença masculina, em termos físicos e ideológicos, no interior do que deveriam ser espaços somente de mulheres, não é simplesmente uma questão de contestação ideológica e de preocupação no interior do movimento de mulheres globalmente; é também uma séria manifestação do backlash contra os esforços das mulheres de se tornarem autônomas dos homens em seus relacionamentos pessoais/políticos e interações. Assim que as sociedades humanas se tornaram mais públicas ao longo das lutas intensificadas pela inclusão de vários grupos de antigos círculos excluídos (o maior do qual é composto de mulheres de diferentes classes, idades, orientações sexuais, habilidades, etnicidades, nacionalidades e locais), então também a luta pela ocupação e definição de espaço tomou uma importância concomitante.
Neste curto artigo, quero explorar algumas das razões pelas quais essa contestação sobre os espaços de mulheres surgiu. Também quero tenazmente argumentar que mulheres não devem permitir homens em seus espaços porque estrategicamente isso seria um erro político grave para o futuro do movimento de mulheres, quer ele esteja localizado e engajado com a hegemonia patriarcal e exclusão. Argumentar pela inclusão dos homens em espaços estruturais e políticos de mulheres é não somente fundamentalmente heterossexista; também serve a uma velha reivindicação nacionalista de que as mulheres devem tomar conta dos homens, não importa aonde eles estejam localizados ou com o que estejam eles engajados. Essa reivindicação é inerentemente pressuposta na suposição de que as mulheres que não estão vinculadas ou associadas com um homem são perigosas, exaltadas mulheres que devem ser interrompidas. Isso é o porquê da afirmação de que as mulheres precisam “levar os homens adiante” sugere não somente uma suposição profundamente patriarcal de que a mobilidade das mulheres requer aprovação masculina: também facilita a transferência de práticas socioculturais no movimento das mulheres que alimentam o privilégio masculino e os mimam em espaços que as mulheres lutaram por séculos para assinalar como seus.
De forma a fazer meus apontamentos, quero me referir brevemente à noção conceitual de espaço e tentar mostrar como o espaço é generizado e altamente politizado como uma fonte social em todas as sociedades. Através da narrativa humana conhecida, certos espaços tem sido culturalmente, religiosamente e politicamente marcados como tanto “masculinos” como “femininos” e sabemos que, em termos dos últimos espaços, estes foram e continuam sendo amplamente relacionados às funções de reprodução e alimentação das mulheres em todas as sociedades humanas, sem exceção. Os espaços que referimos como públicos são adotados como masculinos e, por séculos, os homens excluíram as mulheres do público, onde todas as decisões-chave relacionadas ao poder são deliberadas e implementadas.
Além disso, ao longo da história humana, aqueles espaços que eram feminizados eram também considerados os menos importantes; eram e continuam sendo lugares onde as mulheres funcionavam através da benevolência dos homens, mas que nunca possuíram e com os quais ainda não têm direito sobre se vivem em relações íntimas próximas com homens adultos. Noções “da família” e “do chefe de família” permanecem fundamentalmente masculinos em termos de todas as insituições-chave de nossas sociedades, e as mulheres não podem criar uma família “real”; quando constroem lares, estes se tornam imediatamente feminizados e estigmatizados como outro (feminino-comandado/solteiro-comandado/mulher-comandado, etc.).
Portanto, quando damos uma olhada bem próxima a noções de espaço e sua ocupação em termos de gênero, percebemos o fato chocante de que é somente no século 20 que as mulheres ocuparam espaço limitado nas sociedades patriarcais em seu próprio direito como mulheres e/ou como pessoas. O espaço era e continua sendo largamente definido como uma construção masculina de todas as maneiras imagináveis e, para a maioria das sociedades do Sul, nem sequer se pode referir às mudanças que ocorreram nas sociedades do Norte em torno dessa questão para fazer qualquer generalizações. A maioria das mulheres no Sul existem fora do espaço como um recurso politicamente definido. No principal, e especialmente para mulheres pobres em um continente como a África, o espaço permanece fundamentalmente atrelado às noções arcaicas do privilégio patriarcal e da dominação das mulheres tanto privada quanto publicamente. É por isso que o Movimento das Mulheres, enquanto um espaço político, ideológico, ativista e estrutural, deve permanecer simplesmente isso: um espaço exclusivo de mulheres.
Além disso, é vital para qualquer conversa sobre a presença ou ausência de homens nos espaços de mulheres, localizar a noção de espaço em si mesmo no interior da narrativa política sobre o que o espaço significa em sociedades patriarcais generizadas. O fato que importa é o de que o espaço não é um território neutro; é altamente politizado em termos de classe e localização. Os ricos vivem em certos espaços e os pobres são sistematicamente excluídos desses espaços por arame farpado e cercas elétricas, cachorros viciosos e homens pobres de macacão carregando armas em suas mãos. O espaço é mantido sob escrutínio próximo pelos militares que declaram áreas particulares de um território nacional áreas “não permitidas” ao público, e as próprias classes dominantes constroem todos os tipos de práticas de exclusão e mecanismos que mantêm certos grupos de pessoas fora de “seus” espaços. Colonos brancos usaram o Estado para pôr em prática sistemas de vigilância que excluíam africanos de seus espaços através da institucionalização de “passes” e a extenção da licença de qualquer branco ser capaz de parar qualquer pessoa negra e demandar que eles expliquem sua presença em um lugar particular em qualquer hora do dia ou noite.
E em um daqueles raros momentos reconhecidos de conluio patriarcal entre homens negros e brancos no interior do empreendimento colonial, homens negros são permitidos parar e interrogar qualquer mulher negra que não esteve na presença de um homem adulto fora dos confinamentos das “Áreas Nativas” da África Austral colonial. A mesma prática provavelmente se aplicava em outras partes do continente e do mundo, na medida em que se concerne, em vários momentos no tempo.
No período imediatamente depois da independência nas muitas sociedades do continente, as mulheres que estavam desacompanhadas de um homem adulto e ousavam re-entrar ou permanecer no interior da arena pública depois que o dia de trabalho formal acabava, estavam e ainda estão suscetíveis à prisão e à criminalização como “putas”, que devem ser trancadas para sua própria segurança, porque “boas mulheres” estão em casa alimentando as crianças e servindo às necessidades sexuais de seus maridos depois que o sol se põe.
Esses e muitos dos discursos que definem e marcam o espaço como masculino e generizado, excludente de mulheres como pessoas e como indivíduos a que são atribuídos a mobilidade e a ocupação do espaço em seu próprio direito, devem ser trazidos em foco ao considerar a pressão que os homens e certos grupos de “boas mulheres” estão colocando no resto de nós no interior do Movimento das Mulheres de permitir os homens dentro de nossos limitados espaços políticos.
Minha retaliação é a de que aquelas mulheres que gostam tanto dos homens que não podem passar qualquer tempo durante o dia ou a noite sem a presença masculina podem construir as chamadas organizações “mistas”, que possuem o direito de existir como qualquer das outras estruturas da sociedade civil, que aumentam os desejos e interesses no bem comum; mas não como parte do Movimento das Mulheres. Portanto, insistir que nosso Movimento, que lutamos para estabelecer, frequentemente dando nossas vidas inteiras por sua criação, deva se tornar um “espaço misto de gênero” não é aceitável de forma nenhuma e deve ser vigorosamente contestado.
Basta dizer, então, que o espaço é sempre fortemente contestado e é uma questão política, e as mulheres devem entender e manter isso em mente enquanto nos perguntamos questões com relação à presença dos homens no nosso Movimento. Os espaços nunca são dados como todos os recursos nas nossas sociedades, quer sejam esses espaços materiais, estéticos ou sociais lutados, ocupados e trabalhados, marcados como pertencendo a um grupo particular através das lutas que são basicamente sobre estabelecer posse e usar essa posse para a execução de uma agenda. E o Movimento das Mulheres possui uma agenda claramente estabelecida da emancipação de todas as mulheres da sujeição patriarcal e da exploração. O patriarcado tem efetivamente usado a exclusão como um princípio central para suas alegações ideológicas à hegemonia em todas nossas sociedades, seja quando alguém está olhando para noções de identidade, de direitos e privilégio, de acesso e inclusão em instituições e posições de poder.
Práticas de exclusão utilizam o espaço como um elemento-chave na implementação de uma agenda específica. A alegação de que o lugar das mulheres é “na casa dele” é uma antiga estratégia que mobiliza noções da feminilidade; localiza-as no privado, e impõe uma ideologia de domesticidade através da qual as mulheres são socializadas a acreditarem e aceitarem que os espaços estreitos e com privilégio masculino chamados “casa” são os espaços mais apropriados para que elas gastem suas vidas em, procriando e trabalhando para “ele” e “a família dele”. Essa alegação é tão poderosa que milhões de mulheres continuam a acreditar nisso, mesmo quando tem sido capazes de deixar a casa e adquirir uma educação e habilidades profissionais que pudessem usar para se tornar autônomas. Ainda, elas voltam a esse espaço onde se tornam “verdadeiras” mulheres em termos patriarcais retrógrados; termos que elas às vezes escolhem definirem-se, mas que não têm que se tornar marcadores de todas as mulheres, especialmente no público que é um espaço comum que pertence a todas as mulheres de todas as cidadanias.
Acredito que ninguém pode considerar a questão da intrusão masculina nos espaços políticos de mulheres sem também considerar que esta demanda é sempre feita com o desejo consciente de empreender vigilância sobre o que as mulheres estão pensando, dizendo e fazendo. Sei que algumas de minhas irmãs dirão que eu não posso generalizar porque existem “bons” homens que se nomeiam “feministas” e que estão interessados em assegurar os direitos das mulheres contra a dominação patriarcal. Em um nível, isso pode ser verdade. Existem alguns homens que estão experienciando uma nova consciência política através da associação com as lutas das mulheres por liberdade e autonomia. Mas, em minha opinião, tais homens precisam estar em um movimento político que mobilize mais homens a mudarem a si mesmos, especialmente com relação à masculinidade e à hegemonia que a ideologia patriarcal garante a todos os homens. Neste sentido, estarão mais capazes de apoiar as demandas e os direitos das mulheres por liberdades. Porque enquanto “bons” homens sim apoiam mulheres e “permitem” suas esposas e parceiras de fazerem trabalho ativista, também influenciam as políticas das mulheres quando entram nos espaços de mulheres e interagem com as ideias e o ativismo de mulheres no interior do mesmo quadro.
As mulheres devem ser capazes de formular e expressar suas próprias ideias como mulheres individuais e como um círculo que é afetado pelas leis e práticas patriarcais de maneiras unicamente generizadas – uma experiência a que nenhum homem está aberto e a que não pode experienciar enquanto o patriarcado define relacionamentos generizados do poder e privilégio em sua forma atual. E, quando os homens estão nos espaços de mulheres, as mulheres tendem a reagir à sua presença de maneiras intelectuais e sexuais. Homens tendem a intimidar a maior parte das mulheres; mesmo o homem mais tímido possui um impacto na confiança de algumas mulheres, e isto é um custo que devemos não ter que incorrer em nossos espaços.
Os homens tendem a assumir o controle de dicursos e conduzí-los em direções particulares, frequentemente adotando atitudes defensivas sobre a consciência radical das mulheres e consequentemente neutralizando o senso das mulheres de intitulação de seus direitos. A presença dos homens em qualquer espaço de mulheres possui consequências fundamentais para o senso das mulheres de si mesmas e de suas visões do futuro. Em minha opinião, as mulheres não podem se dispor a serem boas sobre tal ameaça. Na verdade, é através de sua intrusão nos espaços de mulheres que os homens tem sido capazes de redirecionar as políticas do Movimento das Mulheres em muitos países – alterando seu caráter de uma plataforma política radical onde as mulheres experienciam a si mesmas como pessoas autônomas e intituladas, em um movimento bem-estarista que é focado nas velhas noções sexistas de reprodução e custódia cultural em nome dos homens mesmos que afirmam que estão sendo excluídos.
A vigilância da consciência política das mulheres é um objetivo-chave do backlash patriarcal, que se manifesta através das demandas masculinas por inclusão nos espaços de mulheres. Uma pessoa só precisa olhar para todas aquelas organizações que possuem homens em seu interior para ver quão conspiratórias e comprometedoras tais organizações se tornam dentro de um pequeno espaço de tempo. Frequentemente, esses homens assumem o controle sobre os elementos mais críticos no interior da organização, frequentemente o controle sobre as finanças e a seção de publicações, impondo a voz masculina sobre as visões e o conhecimento que as mulheres trazem à público. Sabemos que a voz e a visibilização das experiências de mulheres são alicerces do Movimento de Mulheres dizendo o que sabemos e o que queremos, e isto é central para nossa agenda e nossa liberdade. Por que então estão algumas organizações de mulheres entregando seus boletins de notícia e seções de documentação a homens que, com boa vontade, “falam em seu nome”? Nós não demandamos o direito de falar por nós mesmas e usamos esta facilidade para desmascarar os mitos e estereótipos que ainda caracterizam a mídia masculina? Ainda assim, algumas mulheres não veem qualquer ameaça política em ter um homem, um daqueles “bons”, ocupando o status de processador do conhecimento em suas organizações.
No interior da linguagem do comprometimento, tais organizações estão em conformidade com a “integração de gênero” que basicamente reinforça as tendências bem-estaristas dentro do ativismo das mulheres através da despolitização da agência das mulheres no público.
O gênero se torna uma noção vazia, sem qualquer relação com o poder e a contestação, e as mulheres são ditas a considerarem os interesses de meninos e homens na mesma medida em que se esforçam por colmatar a escancarada lacuna entre si mesmas e os homens através do tempo e espaço. A despolitização das lutas das mulheres reside no coração da demanda por incluir homens nos espaços políticos de mulheres, porque é claro aos homens (assim como às mulheres conservadoras, a maioria da qual predomina no Movimento das Mulheres pelo mundo) que, ao ocupar um espaço político no público no qual as mulheres trabalharam e marcaram como seus, as mulheres se tornam radicais e desenvolvem uma consciência de si mesmas e de seus direitos. Esta é uma ameaça aos privilégios e interesses de homens em todas as sociedades patriarcais.
Para mim, este é o cerne da questão. Quando mulheres ocupam espaços públicos como pessoas que compreendem que por milênios foram negados seus direitos inalienáveis enquanto seres humanos, elas começam a demandar a restituição desses direitos através da criação de estruturas no interior do qual elas situam recursos financeiros, técnicos e intelectuais.
Quando uma mulher se torna articulada sobre quem são sexualmente e rejeitam os velhos mitos patriarcais sobre o que uma mulher pode ser e o que ela não é permitida se tornar, as mulheres se tornam poderosas e adquirem a habilidade de dizer não à violência, não ao trabalho não pago, não à exploração e discriminação em nome da preservação cultural. As mulheres se tornam pessoas que se relacionam com o Estado de maneiras novas e desafiadoras, não mais esperando dos homens no Estado para que distribuam alguns “favores” em nome de uma ditadura benevolente.
Tais mulheres se tornam autônomas e seu Movimento se torna a força para a transformação das relações opressivas de poder tanto na esfera pública quanto privada.
Tais mulheres são um perigo para todos os homens, independentemente de como os homens definem a si mesmos. Por esse motivo, os espaços de mulheres enquanto espaços politizados devem ser ocupados sob o aspecto de “inclusão” e aquelas mulheres que resistem tal vigilância são acusadas de serem odiadoras de homens e de agirem de formas “excludentes”; a mesma velha história que nós ouvimos durante séculos. Quando as mulheres primeiramente demandaram o direito de serem livres, de terem acesso à educação (nem mesmo acessos iguais, somente acesso ao conhecimento coletivo de suas respectivas sociedades), foram acusadas de odiarem os homens. Aquelas de nós que se recusaram a serem ritualizadas e pertencidas por homens através do casamento heterossexual, e que às vezes passaram a amar outras mulheres, foram marcadas como “hereges” e odiadoras de homens. O asfaltamento das mulheres com a escova de vitríolo heterossexista é bastante conhecido e a maioria das mulheres o temem porque esta é uma escova dura e cruel que marca as mulheres pelo resto de suas vidas como as Outras e Perigosas.
Mas nós aprendemos ao longo do extenso caminho de nossa luta pela liberdade que o comprometimento somente nos retrocede ainda mais do que onde iniciamos. Então, devemos nos manter em nossos espaços porque eles são os únicos espaços existentes que temos e podemos ter enquanto mulheres nessas sociedades profundamente odiadoras de mulheres e patriarcais em que continuamos vivendo no tempo presente.
Se os homens querem se engajar em políticas de gênero, deixem que eles formem suas próprias estruturas e criem um novo discurso político sobre a democracia e a igualdade com aqueles que vivem em suas sociedades. Enquanto mulheres politicamente conscientes, bem sabemos que os homens tem muito trabalho a fazer sobre si mesmo. Enquanto uma mãozinha é sempre útil, o antigo provérbio de que “a caridade começa em casa” se aplica ainda mais hoje em dia aos homens do que nunca antes. Os homens devem limpar suas casas patriarcais enquanto homens, primeiro, e obterem-se uma nova identidade que não dependa de possuir mulheres, de comprar e vender mulheres, de estuprar, forçosamente ocupar e pilhar os corpos de mulheres ou de expoliar as mentes das mulheres de modo que possam provar uns aos outros que são homens de verdade. Os homens precisam desenvolver uma ideologia política que não requeira que os homens excluam as mulheres de suas instituições que nós também construímos e que pertence a nós tanto quanto pertencem a todos que vivem em nossas sociedades.
Isso é onde eu me coloco enquanto uma feminista africana radical sobre os espaços sagrados que construímos, frequentemente com nossas vidas mesmas, e não estou preparada para compartilhar com qualquer homem, contanto que os homens continuem a serem privilegiados pelo patriarcado.

Fonte:
MCFADDEN, Patricia. Why Women’s Spaces are Critical to Feminist Autonomy. Disponível em: < http://www.isiswomen.org/index.php?option=com_content&task=view&id=630&Ite>.