Tradução – Introdução de “Unpacking Queer Politics”

Introdução de “Unpacking Queer Politics”
Sheila Jeffreys

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Introdução

Nos 1990s, um fenômeno conhecido como “packing” se desenvolveu no interior dos setores da comunidade lésbica (Volcano e Halberstam 1999). Isso implicava a utilização de um dildo abaixo da perna da calça para sugerir a existência de um pênis. Essa prática assinalava que, para as lésbicas que a adotavam, a veneração da masculinidade havia triunfado sobre o projeto lésbico-feminista de acabar com a hierarquia de gênero. Ao mesmo tempo, um culto ao transsexualismo se desenvolveu entre grupos similares de lésbicas. Algumas das lésbicas que haviam demonstrado seu comprometimento em alcançar o poder e privilégio masculinos por assumirem uma identidade “butch”, por se engajarem no packing e por manterem competições “drag king” para ver quem poderia mais convincentemente se parecer como um homem, e particularmente um homem gay, moveram-se em direção à cirurgia mutiladora e ao consumo de hormônios que prometiam a “autenticidade” de sua busca (Devor 1999). A mudança do auge do feminismo lésbico o qual compreendíamos, como Adrienne Rich disse, como “O significado de nosso amor por mulheres é o que temos de expandir constantemente” (Rich 1979: 230) a uma situação aonde, em algumas partes influentes e muito publicizadas da comunidade lésbica, masculinidade era o santo graal, não poderia ser mais profunda.
Por que isso aconteceu? Eu devo argumentar aqui que a razão mais significativa foi a influência de uma poderosa cultura gay masculina que, do final dos 1970s em diante, rejeitava o projeto da liberação gay de desmantelar a hierarquia de gênero e escolhia a “masculinidade” como seu objetivo. Através do sadomasoquismo, pornografia gay masculina, práticas sexuais de sexo público e prostituição que celebravam o privilégio masculino, áreas dominantes da cultura gay masculina criaram uma hipermasculinidade e disseram que isso era homossexualidade, e isso era bom. Na última década, vários livros estadunidenses escritos por homens gays lançaram críticas abrangentes da agenda de libertação sexual dos homens gays. Essas críticas são inspiradas primariamente por esssa contínua alta taxa de infecção por HIV nos EUA, mas também por uma percepção de que a cultura do sexo comercial gay empobrecia as vidas e os relacionamentos (Rotello 1997; Signorile 1998a). Alguns teóricos gays empregaram compreensões feministas para lançar violentas críticas no culto gay da masculinidade (Stoltenberg 1991; Levine 1998; Kendall 1997; Jensen 1998). Esse trabalho feito por homens gays é o ponto de partida mais útil pelo qual iniciar em um exame lésbico-feminista da cultura gay e queer atualmente. É o reconhecimento do impacto prejudicial da adoração gay da masculinidade nas vidas de lésbicas que me incita a examinar a cultura e a política gay masculina nesse livro.
Às práticas prejudiciais que se desenvolveram nesse período foram dadas todas justificativas teóricas no interior da política e teoria queer. Argumento que quando a política queer nos 1990s atacou os princípios da liberação gay e do feminismo lésbico, que requeriu a transformação da vida pessoal, houve um backlash contra a possibilidade da mudança social radical. A nova política era baseada, muito explicitamente, em um repúdio das ideias lésbicas feministas. A política queer consagrou um culto da masculinidade. Argumento aqui que a agenda política da política queer está danificando os interesses de lésbicas, mulheres no geral, e círculos marginalizados e vulneráveis de homens gays. A noção de que a política queer pode representar os interesses das lésbicas assim como dos homens gays emerge da ideia errônea de que lésbicas e homens gays podem formar um círculo unificado com interesses comuns. O feminismo lésbico foi criado da compreensão feminista de que lésbicas são mulheres, e que os interesses das mulheres em organizações políticas mistas são regularmente excluídos ou inclusive diretamente contrariados. Essa compreensão foi sendo perdida na política queer, e esse livro é escrito para trazer os interesses das mulheres e lésbicas mais uma vez para o primeiro plano da discussão política lésbica e gay.
A acolhida efusão de livros sobre teoria política e legal lésbica e gay dos 1990s parece iniciar da premissa de que lésbicas e homens gays formam uma categoria social unificada que possui uma agenda homogênea para servir interesses unificados (Evans 1993; Wilson 1995; Vaid 1995; Stychin 1995; Bell e Binnie 2000). Muito dessa nova escrita busca integrar lésbicas e gays na teorização da cidadania com a criação de novas categorias de cidadania sexual ou queer. Diane Richardson é uma das poucas vozes pontuando que lésbicas não podem ser simplesmente subordinadas no interior de tal categoria (Richardson 2000a, b). A ausência geral de tal ponto de vista feminista com relação à “cidadania sexual” é um enigma. Livros por teóricas feministas sobre a cidadania das mulheres analisam os interesses contraditórios de mulheres e homens. Elas pontuam que a ideias e a prática da cidadania dos homens foi criada precisamente da subordinação das mulheres (Pateman 1988; Vogel 1994). Mas essa compreensão feminista parece desaparecer na teorização da cidadania “sexual”. De fato, lésbicas e homens gays estão longe de uma categoria unificada com interesses unificados. Lésbicas são mulheres, e teorias lésbicas da cidadania devem continuar a examinar as contradições entre os interesses de mulheres e homens, particularmente com relação às contradições entre os interesses de homens gays e toda a comunidade de mulheres.

Sem Necessária Comunidade de Interesse

Lésbicas feministas, que optaram por se organizarem e viverem suas vidas separadamente dos homens gays, estiveram durante muito tempo sutilmente cientes de que não havia necessária comunidade de interesse entre lésbicas e homens gays. A poeta e escritora Adrienne Rich escreveu no final dos 1970s, quando o feminismo lésbico estava em seu pico, que os interesses de lésbicas eram ameaçados por ambas as culturas heterossexual e de homens gays.

Lésbicas foram forçadas a viverem entre as duas culturas, ambas dominadas pelo masculino, cada uma da qual negou e pôs em perigo nossa existência. Por um lado, existe a cultura patriarcal, heterossexista… Por outro lado, existe a cultura patriarcal homossexual, a cultura criada por homens homossexuais, refletindo tais estereótipos masculinos como dominância e submissão como modelos de relacionamento, e a separação do sexo do envolvimento emocional – uma cultura marcada pelo profundo ódio às mulheres. A cultura masculina “gay” ofereceu às lésbicas a imitação de estereótipos de papel de “butch” e “femme”, “ativa” e “passiva”, cruising e sadomasoquismo, e o violento, auto-destrutivo mundo dos bares “gays”. Nem a cultura heterossexual nem a cultura “gay” ofereceu às lésbicas um espaço no qual descobrir o que significava ser auto-definida, auto-afetuosa, identificada-mulher, nem uma imitação dos homens nem seu oposto objetificado. (Rich 1979: 225)

O feminismo lésbico ofereceu às lésbicas o espaço necessário no qual criar valores feministas lésbicos e expressar seu amor por mulheres. A filósofa lésbica-feminista Marilyn Frye escreveu incisivamente sobre os valores compartilhados que existem entre homens gays e heterossexuais e a necessidade de lésbicas em se separar para criar suas próprias comunidades e política (Frye 1983). A crise da AIDS e o nascimento da política queer levaram muitas lésbicas a se voltarem ao trabalho com homens gays enquanto sepultavam suas aflições sobre os valores da cultura gay masculina dominante. Isso é, apesar do fato de que alguns influentes escritores e ativistas gays não foram tímidos sobre expandir seus hostis sentimentos sobre mulheres e lésbicas. Um bom exemplo disso é a alegria com que alguns homens gays estiveram preparados para falar sobre o “fator eca”.
A existência do que tem sido chamado de “efeito eca” pode muito bem ser considerado a ficar no caminho de qualquer fácil suposição de existir uma categoria lésbica ou gay unificada no interior de uma cidadania pluralista. Esse termo é empregado em escritos gays masculinos para descrever a extrema repulsa experienciada por alguns homens gays no pensar ou ver corpos nus de mulheres. Ele tem sido bastante conhecido uma vez que workshops sobre o tópico têm sido realizados anualmente nas conferências da US National Lesbian and Gay Task Force. Eric Rofes, um membro de liderança do Sex Panic, tem se envolvido em organizar os workshops nos quais lésbicas e homens gays são admitidos a assistir para ouvir o que um acha do outro. Ele explica que é muito identificado com o lésbico – e o feminista –, e que é muito transtornado pelo “efeito eca” que ele experiencia. Ele escreve sobre passar por lésbicas tomando sol numa praia gay que estavam fazendo topless. Ele experimentou grande desconforto: “Quando finalmente atravessamos a seção de mulheres e os torsos de homens apareceram, minha respiração se acalma, minha pele para de suar, e meu coração para de acelerar” (Rofes 1998b: 45). Ele explica sua reação assim:

Eu sou um homem gay com amizades de longo prazo com lésbicas e um forte comprometimento em apoiar a cultura lésbica. Porém, eu sou um dos muitos gays que compartilham o que eu chamo de “o efeito eca” – uma resposta visceral variando da aversão à repugnância quando confrontado com sexo e corpos lésbicos. Ao longo de quase 25 anos de envolvimento nas culturas gays masculinas, eu testemunhei vários homens expressando sua repulsa ao sexo lésbico e aos corpos de mulheres. Eu ouvi inúmeras piadas “de atum”, vi rostos de homens azedarem quando sexo lésbico aparece em filmes, e assiti homens gays amontoados em pequenos grupos expressando desgosto sobre mulheres fazendo topless em manifestações políticas. (p. 46)

Piadas “de atum” surgem do hábito entre homens gays de chamarem mulheres de “peixe” após o que eles consideram ser o cheiro repulsivo de seus genitais. Alguns homens gays não suportam estar perto de lésbicas por causa da maneira como cheiram. Rofes cita um homem dizendo que ele não podia se tornar fisicamente próximo de lésbicas “por causa de seus odores que ele acreditava seus corpos emitiam” (p. 47).
Embora ele não tenha evidência da qual calcular isso, Rofes considera que um terço dos homens gays são assim repelidos. Por um tempo pelo menos, o termo “fator eca” era corrente. Por exemplo, um artigo por um escritor gay estadunidense publicado na revista gay masculina australiana Outrage em 1997 chamado “Entendendo como lidar com o fator eca” descreve homens gays indo para uma festa mista de forma a tentarem superar o se sentir “enojado” sobre genitais femininos. O autor comenta que “o fator eca na cultura gay masculina” “não é incomum entre homens gays” (Strubbe 1997: 44).
O racismo no Reino Unido nos 1960s foi frequentemente focado no suposto cheiro diferente de cidadãos asiático-britânicos. Os sentimentos desses homens gays que acham os corpos de mulheres tão difíceis de lidar lembra-me daquele tipo visceral de racismo. Homens e mulheres, qualquer que seja sua orientação sexual, são criados numa sociedade supremacista masculina que ensina que os corpos de mulheres são nojentos, ao passo que pênis conferem honra e orgulho. A saúde mental de lésbicas que estão procurando se recuperar desse ódio por mulheres de modo que assim possam amar e respeitar os corpos de mulheres pode não ser bem fornecido por qualquer nível de comunidade com homens que nutrem tal profunda misoginia. Rofes se sente culpado, e deseja superar seus sentimentos extraordinariamente negativos sobre mulheres, mas o que é surpreendente é que ele se sente capaz de falar sobre elas tão prontamente, enquanto que sentimentos similares com base em raça provavelmente não seriam considerados tão aceitáveis em relacionar. Em face de tais sentimentos, parece ser despropositado esperar qualquer comunidade direta de interesses entre lésbicas e homens gays.
A fim de que essa imagem da misoginia de homens gays não pareça tão desoladora, é importante pontuar que houve um homem gay na mesma antologia, Opposite Sex, que conteu o artigo sobre o fator “eca” no qual utilizou uma perspectiva lésbico-feminista e mostrou simpatia genuína pela experiência de mulheres. Robert Jensen explica quão solitário é tomar tal posição numa cultura gay sexual-libertária na qual o questionamento político da prática sexual é simplesmente barrado de todos os lados: “Para mim, ser gay significa não só reconhecer o desejo sexual por homens mas também resistir às normas e práticas do patriarcado… Tal comprometimento é difícil de fazer valer num mundo de privilégio masculino, e eu encontrei poucos modelos de como viver eticamente como um homem – hetero ou gay – em um patriarcado” (Jensen 1998: 152).
Jensen utiliza o trabalho de teóricas lésbicas feministas radicais tais como Marilyn Frye para apoiar sua recusa a fazer uma divisão público/privado. Ele não permite uma imunidade para a prática sexual gay masculina da crítica política: “são essas mesmas práticas que mimetizam a heterossexualidade em sua aceitação dos valores sexuais patriarcais: a desconexão do sexo do afeto e interação emocional com um outro, a equação heterossexual do sexo com penetração e dominação e submissão, e a mercantilização do sexo na pornografia” (Jensen 1998: 156). Em oposição direta ao liberalismo da política gay pública, ele considera que “Existem implicações políticas e éticas em todos os aspectos da vida cotidiana… Não existe escapatória do julgamento, nem devemos buscar tal escapatória” (p. 154).

Masculinidade Gay

Uma vez que sugiro neste livro que é a promoção e a celebração da masculinidade gay que cria a diferença de interesse mais fundamental entre a corrente masculina de agenda gay e os interesses de lésbicas e outras mulheres, é importante explicar o que quero dizer por masculinidade. Minha compreensão da masculinidade é que se refere ao comportamento que é construído pela dominação masculina e serve para mantê-la. A masculinidade não é só aquilo que pertence aos homens, uma vez que os homens podem ser vistos, e considerar a si mesmos, como sendo insuficientemente masculinos. Na verdade, isso é precisamente o que os homens gays antes dos 1970s frequentemente se consideravam, e eram considerados por outros. A masculinidade não é, então, um fato biológico, algo relacionado com hormônios específicos ou genes. O comportamento masculino ou a aparência ou os artefatos e o design significam a “masculinidade” como uma categoria política e não biológica. Nessa compreensão, a masculinidade não pode existir sem seu suposto oposto, a feminilidade, que diz respeito à subordinação feminina. Nem a masculinidade nem a feminilidade fazem sentido ou podem existir sem os outros como um ponto de referência (Connell 1995).
Embora escritores sobre a masculinidade como Robert Connell tendam, atualmente, a usar o termo “masculinidade” com um “s” – ou seja, masculinidades -, eu intencionalmente assim não o faço. Eu reconheço que a forma tomada pelo comportamento masculino dominante, a masculinidade, pode variar consideravelmente, e é influenciado pela classe, raça e muitos outros fatores. O uso do plural, no entanto, sugere que nem todas as variedades da masculinidade são problemáticas, e que algumas podem ser salvas. Vez que defino a masculinidade como o comportamento da dominação masculina, estou interessada em eliminá-la ao invés de salvar qualquer de sua variedade e, portanto, não usar o termo “masculinidades”. À medida que os homens gays como grupo buscam proteger politicamente sua prática da masculinidade, eles podem ser vistos como agindo da direção contrária aos interesses de mulheres, e de lésbicas como uma categoria de mulheres. Eles não podem, afinal de contas, ter sua masculinidade (em qualquer forma) para fazer com que se sintam melhores, sem a existência de uma classe substancial de pessoas subordinadas representando a feminilidade, e essa é atualmente mulher.
Os escritos críticos de Martin Levine sobre a masculinidade gay foram publicados postumamente por seu editor literário, Michal Kimmel (Levine 1998). Eles fornecem uma profunda análise do problema. Ele explica que, em uma liberação pós-gay, homens gays apropriaram a masculinidade como uma compensação pelos estereótipos femininos que foram forçados neles em períodos anteriores.

Eu argumento que homens gays ordenaram a sexualidade hipermasculina como uma forma de desafiar sua estigmatização como homens que falharam, como “maricas”, e que muitas das instituições que se desenvolveram no mundo gay masculino dos 1970s e início dos 1980s apoiavam e atendiam a esse código sexual hipermasculino – desde as lojas de roupa e butiques sexuais, a bares, balneários e ginásticas onipresentes. (Levine 1998: 5)

Uma masculinidade exagerada se tornou o estilo dominante na cultura gay e, como Levine pontua, através da influência de designers gays e da discoteca gay, ajudaram a criar a moda para tal masculinidade exagerada na cultura heterossexual fashion também. Em Unpacking Queer Politics, analisarei as práticas da masculinidade que moldam as áreas da cultura sexual gay masculina e a agenda política queer uma vez que se relaciona com a prática sexual. Vou olhar para o efeito que possui sobre lésbicas, homens gays em uma cultura gay mista que celebra e erotiza a masculinidade como o bem mais elevado.
Examinarei as demandas políticas de alguns ativistas gays, em grupos como Outrage no Reino Unido e Sex Panic nos EUA, para libertação sexual nas áreas de sexo público, pornografia e sadomasoquismo, e argumentar que eles são baseados em uma agenda tradicionalmente patriarcal. Tais ativistas tendem a dizer que são desafiadores na distinção público/privado na qual a atividade sexual é usualmente confinada à espera privada. No entanto, as campanhas para ampliar o sexo “privado” no domínio público são baseadas na noção de que sexo deve continuar a ser reconhecido como “privado” – ou seja, protegido da crítica política e digno de respeito como um exercício da liberdade individual mesmo se executado em um parque público. A agenda lésbico-feminista é similar à manifestação de mulheres em desafiarem a distinção público/privado na qual compreensões comuns da política são baseadas. Lésbicas feministas querem uma democracia política dentro e fora de casa, sem distinção que proteja uma escravidão privada de exploração sexual e violação.
O projeto lésbico-feminista em criar a igualdade no mundo privado do sexo e relacionamentos, baseado na compreensão de que o pessoal é político, pode ser a base de criar um mundo público que é saudável para mulheres viverem. Lésbicas feministas que vivem agora de acordo com esses princípios, aquelas que são ridicularizadas na mídia e em fóruns queer como politicamente corretas, fascistas “sexo-fóbicas”, devem talvez ser entendidas como a vanguarda da mudança social radical.

Tradução – Uma Crítica Feminista ao “Cisgênero”

Uma Crítica Feminista ao “Cisgênero”
Elizabeth Hungerford

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Coerente com o uso comum do termo “cisgênero”, o gráfico a seguir explica que “… se você se identifica com o gênero que a você foi atribuído ao nascimento, você é cis.”

Na imagem: “É uma menina” / “O que é cisgênero???” / “Uma explicação simples é a de que se você se identifica com o gênero que a você foi atribuído ao nascimento, você é cis.” / “Cis vem do latim e significa ‘deste lado’. Por exemplo: Cis-Atlântico – Este lado do Atlântico. Cis é também usado em química.” / “Ao usar o cisgênero para descrever o gênero daqueles que não são trans* nós quebramos estruturas que colocam indivíduos cis como ‘normais’, quando nenhum é mais ‘normal’ que o outro.”

Outro Trans 101: a webpage cisgênero descreve cis dessa forma: “Por exemplo, se um médico disse ‘é um menino!’ quando você nasceu, e você se identifica como um homem, então você poderia ser descrito como cisgênero.” [1] Do mesmo modo, pessoas nascidas meninas que se identificam como mulheres também são consideradas cisgênero. MNM [2] são cis.
Enquadrar o gênero como uma atribuição medicamente determinada pode parecer um bom começo para explicar a opressão generizada porque pretende fazer uma distinção entre o sexo físico e o gênero. O feminismo similarmente compreende a masculinidade e a feminilidade (por exemplo, gênero) como constructos sociais estritamente aplicados, nenhum dos quais são o “normal” ou o resultado inevitável dos órgãos reprodutivos de alguém. O feminismo e a teoria trans concordam que as atribuições coercitivas de gênero são uma fonte significativa de opressão.
Em um exame mais próximo do conceito “cisgênero”, no entanto, o feminismo e a teoria trans rapidamente divergem. O feminismo não acredita que perguntar se um indivíduo se identifica com as características sociais particulares e expectativas atribuídas a ele de nascimento é uma forma policiamente útil de analisar e compreender o gênero. Eliminar atribuições de gênero, por permitir que indivíduos escolham um dos dois modelos de gênero pré-existentes, enquanto continuar a celebrar a existência e o naturalismo do gênero em si, é um objetivo social não-progressista que irá desenvolver a libertação das mulheres. O feminismo reivindica que o gênero é um fenômeno social muito mais complicado (e sinistro) do que esse binário popular cis/trans possui qualquer esperança de capturar.
Primeiro, “maculinidade” e “feminilidade” não são conceitos monolíticos e estáticos que são inteiramente abraçados ou inteiramente descartados. Papéis de gênero atribuídos socialmente abrangem completamente vidas dignas de comportamentos e expectativas, do berço ao túmulo. A identificação com o “gênero” da maior parte das pessoas não é um simples sim/não. Alguém pode ser esteticamente conformativo com o gênero mas, ao mesmo tempo, comportamentalmente não-conformativo. Ou vice-versa. Ou uma combinação de ambos. A maior parte de nós não está andando, falando estereótipos. Não é usual para uma pessoa tanto aparentar como se comportar em identificação inalterada com seu gênero atribuído de nascimento. Por exemplo, uma pessoa nascida mulher pode usar vestidos cor-de-rosa e montes de maquiagem, mas comportar-se de uma maneira assertiva, imparcial e muito intelectual. Ou uma pessoa nascida mulher pode aparentar muito andrógina, sem nenhum acessório feminino, mas se expressar gentil e calmamente, e com graciosa preocupação com aqueles ao seu lado. E que tal uma mulher que é agressiva e competitiva em sua vida profissional, mas submissa e emocional em sua vida pessoal? Quem decide se um indivíduo é suficientemente identificado com para ser considerado “cis”? Ou suficientemente não-identificado para ser “trans”? “Cis” e “trans” não descrevem classes sociais distintas da qual a análise política pode ser extrapolada.
Além disso, a identificação de alguém com seu “gênero” pode mudar ao longo do tempo. O gênero não é uma característica imutável. Enquanto algumas pessoas argumentam que sua “identidade de gênero” é sentida profundamente, uma qualidade pessoal imutável [3]; a existência e proeminência de pessoas trans que demoraram para fazer a transição [4] coloca essa reivindicação em um território questionável. Alguém pode se conformar com seu gênero por muitos anos e, então, vagarosamente ou rapidamente rejeitar as características de seu gênero atribuído. Como um indivíduo se identifica com relação a seu gênero, quer seja ele masculino ou feminino, não é necessariamente estável, nem deve assim ser.
O binário cis/trans não faz (e não pode fazer) uma acontabilidade pelas experiências das pessoas com “identidades de gênero” complicadas, mescladas ou alternantes; nem consigna as pessoas com relações hostis com o gênero em geral. Como uma mulher-nascida-mulher que rejeita a feminilidade enquanto o destino das fêmeas, certamente não me identifico com meu gênero assignado da meneira que “cis” descreve. De fato, ninguém que mantém visões feministas radicais/anti-essencialistas sobre o gênero pode ser considerado “cis” porque, pela definição dessas visões, rejeitamos o gênero enquanto uma categoria social natural que toda pessoa se identifica com. Feministas não acreditam que todo mundo tem uma “identidade de gênero” ou que todos possuímos algum tipo de compasso interno direcionando nossa identificação com o “gênero”.
Identificar-se com algo é uma experiência interna e subjetiva. Auto-avaliações do gênero não são iguais a auto-consciência, nem proporcionam compreensão a como a opressão generizada opera na esfera social ampla e externa.

Ao usar o cisgênero para descrever o gênero daqueles que não são trans* nós quebramos estruturas que colocam indivíduos cis como “normais”, quando nenhum é mais “normal” que o outro.

Veja o gráfico acima. O binário cis/trans* não quebra qualquer estrutura de normalidade porque não descreve como tais sistemas operam. Não explica como uma pessoa será tratada pela sociedade ou que tipo(s) de poder mantém com relação a outros. Observadores externos não podem de maneira confiável determinar se alguém se considera “cis” ou “trans”; simplesmente fazem julgamento ao categorizar expressões superficiais da masculinidade ou feminilidade como apropriado ou inapropriado. Na realidade, qualquer pessoa que significativamente desafia as normas de gênero por seu sexo aparente será sujeitada ao tratamento social negativo por causa de sua não-complacência. Isso irá ocorrer independentemente do fato de se o indivíduo aplica o rótulo “trans” a si mesmo ou não. Debaixo de quase todas as circustâncias, pessoas trans reservadas serão tratadas pela sociedade como se fossem cis; e as pessoas cis sem conformidade de gênero que não negam seu sexo reprodutivo – incluindo lésbicas butch e homens femininos – serão tratados pela sociedade como se fossem “trans”*. Enquadrar as políticas de gênero como uma questão de auto-percepção ao invés de uma percepção social escapa ao questionamento político feminista com relação ao porquê do gênero existir em primeiro lugar e como essa dinâmica de gênero opera, e tem operado, por centenas de anos.
“É UMA GAROTA!” (veja o gráfico acima) significa algo com relação a vida desse bebê. Isso é, supondo que ela chegue à vida adulta. [5]

Para “É uma garota!” fazer sentido, isso deve se referir a um longo contínuo de palavras generizadas que ajudam a comunidade entender o que é esperado de bebês chamados “garotas”.

A expressão isolada “É uma garota!” não faz um bebê menina. O drama do gênero é uma performance repetida – deve ser reencenada continuamente para formar um padrão. Butler escreve “o corpo se torna seu gênero através de uma série de atos que são renovados, revisados e consolidados através do tempo”. 273 Ela explica, “essa repetição é, imediatamente, uma reencenação e uma reexperienciação de uma série de significados já socialmente estabelecidos… [6]

O padrão do gênero, constituído através da repetida performance de gênero no estágio da vida, demonstra que homens e a masculinidade são institucionalmente dominantes sobre mulheres e a feminilidade. O gênero não é simplesmente um jogo divertido de vestir que indivíduos meramente se identificam com, em isolamento de todo significado contextual e histórico, mas a ferramenta mais poderosa da opressão estrutural já criada por seres humanos.
Não obstante as variações causadas por fatores interseccionais como classe econômica, jurisdição nacional e diferenças culturais, a localização social feminina coletiva é consistentemente menor que similares homens situados em termos de: (i) recursos materiais recebidos enquanto bebê ou criança, (ii) respeito, atenção e encorajamento intelectual recebido enquanto bebê ou criança, (iii) risco de ser sexualmente explorado ou vitimizado, (iv) papel no interior da unidade familiar hetero, (v) representação e poder no governo, (vi) acesso à educação, trabalhos e promoções na força de trabalho, (vii) posse de propriedade e dominação sobre o espaço. [7]
Reconhecendo isso, o feminismo compreende que o gênero é uma poderosa – mas não inevitável – ferramenta de organizar relações sociais e distribuir poder, incluindo recursos físicos, entre os sexos. A quase universal qualidade de disparidades de vida enumeradas acima são criadas, forçadas e reproduzidas através da obrigação da diferença generizada e os significados assignados a essas diferenças. Nascer com genitais aparentes femininos e, como um resultado direto, ser coercivamente assignada com o gênero feminino de nascimento, não é claramente um privilégio cis, nem é socialmente equivalente à designação de gênero masculino aos homens. Pessoas com corpos de mulheres e corpos de homens não são pessoas similarmente situadas em consideração ao gênero baseado na opressão. O gênero não é simplesmente um binário neutro. Mais importante, é uma hierarquia.

Privilégio Cis Não Existe, Privilégio Masculino Sim

A conformidade de gênero feminino à la “cis” não protege as mulheres (trans ou não) da opressão de gênero. Enquanto a conformidade de gênero de um homem com a masculinidade – tanto estetica quanto comportamentalmente – irá substancialmente isolá-lo da opressão motivada de sexo e gênero e da violência, uma conformidade apropriada de uma mulher à feminilidade estereotipada não. A campanha da SlutWalk de 2011 (esperançosamente) serviu como um sombrio lembrete de que a culpabilização da vítima, a retórica de culpabilização da mulher está viva e bem no discurso social mainstream. A percepção de que mulheres “trazem isso a si mesmas” ou “pedem por isso” quando nos vestimos de certas maneiras inegavelmente femininas é muito errada, mas também muito real. Alguns predadores são inclusive documentados como especificamente fazendo alvo convencionalmente a mulheres “atrativas”.

A primeira mulher bonita que eu ver hoje à noite irá morrer.
(Edward Kemper, serial killer) [8]

Enquanto a feminilidade estereotipada continua sendo o padrão controlador da beleza para mulheres, mulheres aparentando femininas (trans ou não) serão alvos aos olhos da violência misógina por causa de sua notada “beleza”. Em outras palavras, porque são conformativas com o feminino.
Além disso, comportamentos femininos socialmente definidos como hospitalidade, cuidado e um desejo socialmente estruturado pela atenção sexual masculina contribuem para a vulnerabilidade das mulheres à exploração. Quando a performance social de uma mulher (trans ou não) é coerente com a subordinação feminina à autoridade masculina, estupradores e outros abusadores poderão fazer alvo dessas mulheres como vítimas fáceis na suposição de que serão menos prováveis de resistir a avanços não desejados.
Estupradores frequentemente selecionam vítimas em potencial utilizando o pressentimento. Sutis tentativas de invadir seu espaço pessoal e a forçar conversação com nós são testes de nossas barreiras usadas por estupradores para afirmar seu pressentimento. Enviamos uma forte mensagem quando reforçamos nossos limites e preferências para o toque, revelando informação pessoal e sentimentos, e tendo as pessoas no espaço que nos rodeia. [9]
A socialização feminina condiciona as mulheres a serem acomodadas aos outros, ouvir educadamente e atentamente, e expressar preocupação emocional por aqueles que parecem diminuídos. Como um resultado, as mulheres ainda perfazem a maioria dos trabalhadores em mal-pagas “profissões cuidadoras” como trabalho social, educação e enfermagem. Essa tendência em direção ao altruísmo e fornecimento de confiança permite que pessoas que se comportam de maneira feminina sejam aproveitadas por aqueles que reconhecem isso como uma oportunidade de manobrar sua generosidade “feminina” para ganho pessoal.
Enquanto que a feminilidade estereotipada permaneça o padrão controlador de comportamento apropriado para mulheres (trans ou não), continuaremos a lutar não somente com definir limites contra as intenções predatórias e/ou exploradoras de outros, mas também estamos condenados ir ladeira acima contra o duplo padrão profissional reconhecido na inovadora decisão Price Waterhouse v. Hopkins da Suprema Corte dos EUA.

Um empregador que objetiva a agressividade nas mulheres mas cujas posições requerem esse traço posiciona as mulheres em uma intolerável e inadmissível Catch-22: fora de um trabalho se se comportam agressivamente e fora dele se não. [10]

As características comportamentais da feminilidade são economica e intelectualmente desvalorizadas se comparadas com os traços da masculinidade. O poder é generizado. Como um resultado, homens continuam controlando quase todos os recursos do mundo e poder, incluindo posições de autoridade institucional necessárias à reforma social direta. No interior desse contexto patriarcal, a condescendência das mulheres com as normas comportamentais femininas simplesmente não resultam em empoderamento social. Não podem. E não irão. Porque o “gênero” não é designado para trabalhar desta forma.
Eliminar as atribuições de gênero baseadas no sexo, enquanto deixar os hegemônicos masculino e feminino intactos, não irá corrigir esse desequilíbrio. O binário cis/trans* é uma simplificação grosseira das dinâmicas generizadas que estruturam as relações sociais em favor de pessoas nascidas homens. O gênero é uma hierarquia de poder socialmente construída que deve ser destruída, não reinterpretada como consensual, empoderadora, “identidades de gênero” individualizadas que estão magicamente divorciadas de todo significado contextual e histórico. Tal concepção invisibiliza a opressão feminina e de mulheres por falsamente situar homens-nascidos-homens e mulheres-nascidas-mulheres como iguais generizados com relação a pessoas trans-identificadas. Embora possivelmente não intencional, o “cis” agora funciona como uma barreira significativa à habilidade do feminimo em articular a opressão causada pela diferenciação de gênero socialmente construída que autoriza a supremacia masculina/de homens. Cis é um conceito politicamente inútil porque falha em iluminar os mecanismos da opressão generizada. Na realidade, só tem servido para deixar as coisas mais confusas.
Eu convido teóricos trans*, ativistas e apoiadores que parem de promover o binário cis/trans e, ao invés disso, incorporar as objeções feministas com relação ao gênero-enquanto-hierarquia [11] e a glorificação extraviada da masculinidade e feminilidade no contexto da supremacia masculina em suas explicações do “gênero”.

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[1] http://www.basicrights.org/uncategorized/trans-101-cisgender/
[2] MNM: Mulheres Nascidas Mulheres. No original, WBW (Women Born Women). (N. da T.)
[3] Levi, Jennifer L., The Interplay Between Disability and Sexuality: Clothes Don’t Make the Man (or Woman), but Gender Identity Might. 15 Colum. J. Gender & L. 90 (2006).
[4] http://ensuringfairness.wordpress.com/statistics/
[5] O feminicídio é real. http://www.webster.edu/~woolflm/femaleinfanticide.html
[6] Clarke, Jessica A., Adverse Possession of Identity: Radical Theory, Conventional Practice. Oregon Law Review, Vol. 84, No. 2, 2005.
[7] Agradecimentos especiais à Virginia Brown por ter articulado essas disparidades.
[8] http://www.examiner.com/true-crime-in-los-angeles/the-cold-blooded-killer-part-2-serial-killers
[9] http://www.portlandonline.com/police/index.cfm?a=61860&c=35911
[10] Price Waterhouse v. Hopkins (490 U.S. 228, 251).
[11] Aqui está um exemplo de uma mulher trans ouvindo, compreendendo e incorporando a crítica feminista do gênero em seu trabalho. É possível.

Fonte:
HUNGERFORD, Elizabeth. A Feminist Critique of “Cingender”. Disponível em: < http://liberationcollective.files.wordpress.com/2012/06/a-feminist-critique-of-cisgender1.pdf>.

Tradução – Uma Conversa Sobre a Questão Trans

Uma Conversa Sobre a Questão Trans

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A:

Sobre o que faz uma mulher: eu digo que não é precisamente biológico – uma vez que mulheres não são todas férteis e não têm biologias idênticas – mas, obviamente, não se pode escapar desse ponto uma vez que a capacidade reprodutiva de mulheres tem sido utilizada para nos oprimir e manter várias classes opressivas.
Assim, eu remeteria ao marxismo e relembrar-me-ia que o ponto das categorias sociais não é para afirmar que todos nela estão absolutamente em uma situação idêntica, mas para compreender amplas dinâmicas sociais e como esses antagonismos e interrelações entre diferentes grupos de interesse funcionam.

O papel de vida desse grupo social, a psicologia e as necessidades são determinados por:

1. Suas socializações. – Como são ensinados a se comportar; a psicologia que é formada neles na maneira com que são tratados.
2. O grau com que o indivíduo luta contra (1), e o grau com que são auxiliados nessa luta pelo feminismo.

Mas é ainda um agrupamento socialmente formado, não alguém cuja psicologia e necessidades políticas são determinadas pela biologia.
Como isso se encaixa na teoria de “gênero”? O gênero, eu tenho notado, é simultaneamente visto como idêntico à biologia (ou o comportamento que os conservadores pensam ser causado pela biologia), e como não-biológico e um resultado do condicionamento social. E como capaz de não ter nada a ver com o condicionamento social e tratamento, mas com uma construção individual. E como uma essência inata (o que certamente sugere que existem essências inatas masculina e feminina, ou seja, masculinidade e feminilidade não são um produto da sociedade, mas da biologia).
O gênero parece ser muito flexível, mas não necessariamente útil politicamente…

B:

Concordo. Mas para expandir sobre gênero… Eu acredito que o gênero é uma hierarquia socialmente construída baseada na dominação (masculinidade) e submissão (feminilidade). Ambas são construções masculinas. Também não podem ser libertadoras.

A:

Não posso responder por B, mas como eu vejo, gênero é uma construção social e ninguém pode ter um gênero individual. Alguém pode acolher conceitos de gênero (agindo de acordo com ordens sociais e aceitando suposições baseadas em gênero sobre outros), mas, na realidade, eu penso que é nonsense dizer “meu gênero é X”.
E que droga isso significaria de qualquer maneira? Se nós estamos dizendo que isso não é idêntico ao sexo biológico (como os teóricos queer/pomo protestam, embora quando venha deles não seja muito convincente de qualquer forma), então você está dizendo que suas ações, maneirismos, psicologia, etc. são todos dessa construção social.
Então mulheres de qualquer parte do mundo, não importando quanto ou quão pouco ajam “femininamente”, não importando como elas vivem suas vidas e quais suas ocupações e interesses são, são todas consideradas como tendo o mesmo gênero enquanto que não se considerem trans.
E homens que gostam de rosa e de dançar e não se “identificam” como homens podem se considerar realmente “mulheres” (de acordo com alguns teóricos trans), apesar do fato de que em um período histórico diferente ou numa sociedade diferente, e dependendo de qual classe eles pertenciam, essas atividades podem ter sido favoravelmente consideradas dentro dos papéis de homens (de fato, em sociedades da Antiga Europa, rosa costumava ser considerado masculino).
Como eu dizia anteriormente, eu realmente penso que mulheres são um agrupamento *social*, cujos interesses, necessidades e psicologia são formados por nosso tratamento pela sociedade (sempre com os fatores de como mulheres individuais respondem a isso, é claro; e quanto o movimento de libertação das mulheres luta de volta).
A “identidade” influencia dentro disto, mas é complexa e, em alguma medida, é sobre se indivíduos, homens ou mulheres, respondem a essa situação ao tentar lutar pela libertação das mulheres, ou somente tentar trocar “gêneros”, ao fazer disso sobre qual “gênero” eles se identificam com. O que é problemático, uma vez que ambos os gêneros masculino e feminino são, como B aponta, baseados na dominação e submissão. Ainda: sendo largamente determinados pelos homens. [Ainda que eu e B diferimos, eu acho que nisso eu vejo a classe social como a base material que tem suportado essa ideologia, ainda que eu concorde que várias classes sociais têm se beneficiado do papel de desenvolver essas ideologias de “gênero” sendo efetivamente atribuídas aos homens.]
Eu digo, realmente, se as pessoas se “identificam” com mulheres como um agrupamento social subordinado, isso é ótimo. Mas isso é principalmente útil se eles utilizarem essa identificação para realmente tentar entender a opressão das mulheres e buscar compreender como a sua realidade conduz a várias táticas e estretégias, ao invés de se focar em demandar que todas nós concordemos com uma noção essencialista de gênero que vê quaisquer feministas que discordam sendo difamadas como “transfóbicas”.
Considerando que as feministas sejam as menos prováveis a se importar quando as pessoas não se vestem e agem de acordo com seu “gênero”, e são particularmente prováveis de ficarem horrorizadas com espancamentos transfóbicos e, na verdade, identificam-se com sua situação (uma vez que mulheres militantes são particularmente prováveis de atrair punições sociais por não serem complacentes o suficiente com ordens de gênero), chamar mulheres que não acreditam que o gênero seja nada mais que uma construção social de “transfóbicas” é de fato um ataque às feministas.
De qualquer maneira, somente para sublinhar a diferença entre a versão queer de “gênero” como uma construção social e o que eu vejo como uma versão materialista de como o gênero é construído:
Eu vejo-o como sendo baseado na realidade material do capitalismo e da opressão das mulheres. Isso é, “gênero” é parte da ideologia que é necessária para manter a opressão das mulheres. Qualquer opressão material sempre requer uma ideologia de suporte para convencer todos os grupos sociais, incluindo de forma relevante aquele que é oprimido, para que prossiga com isso. Então marxistas pensam que o pré-requisito material para livrar-se das ideologias sexistas é livrando-se das forças de classe que se beneficiam da opressão das mulheres. [O que não é dizer que somos tão doidas a ponto de acreditar que instantaneamente resolveria o problema, ou que o sexismo arraigado desapareceria em questão de poucos anos, o que claramente não é o caso. Mas livrar-se do capitalismo ao menos significa que você possui a habilidade para realmente combater a opressão das mulheres e a ideologia sexista sem as forças poderosas do capitalismo e um Estado que depende do sexismo combatendo de volta.]
A teoria queer tende a ver o gênero como um “pegue e escolha”. Ela certamente não parece ver os papéis de gênero socializados como decorrentes da realidade material da opressão das mulheres. Por exemplo, a psicologia das mulheres é poderosamente determinada pelas diárias, por vezes horárias, negociações de ser tratada de uma maneira sexista. Não é sobre receber sinais de rádio sobre ser “feminina”, como a teoria queer sustentaria, que de alguma forma entra em seu cérebro; e aqueles criados como garotos às vezes “pegariam” e “se identificariam com”. A psicologia das mulheres, necessidades e interesses são largamente determinados por suas experiências dessas negociações/submissões/brigas, não por mais abstratos e menos impactantes sinais de rádio/“mensagens” pelas quais elas ou qualquer outra pessoa poderia pegar.
Eu acho que é por causa dessa visão do gênero que os teóricos queer dizem que indivíduos podem ter um gênero. No entanto, é muito não-imaginativo vez que isso depende em escolher entre, ou escolher alguma combinação de, esses papéis de gênero socializados.
Então porque a teoria queer depende de pegar e escolher entre esses gêneros construídos ao invés de combater a ideologia sexista, ela aprisiona muitos dos proponentes do ativismo preferencialmente numa contradição. Eles tendem sim a serem contra a opressão homofóbica e transfóbica, mas eles tendem também a ser absortos sobre essas opressões como sendo parte da ideologia que sustenta a opressão das mulheres. Como tal, eles podem ser também um tanto sexistas e endossam a opressão das mulheres na realidade, embora eles não tenham a intenção de fazer isso absolutamente.
Finalmente, dizer que o “real gênero” de um indivíduo precisa ser reconhecido é essencializar o gênero. Pessoalmente, eu prefiro me referir às pessoas pelos seus próprios pronomes preferidos, vez que para mim isso não importa e, dessa forma, evita-se levantar uma obstrução para a discussão e a colaboração ao enfrentar-lhes com o que eles veem como um desafio imediato para alguma coisa que eles guardam afetuosamente.
Isso não significa que eu pense que exista tal coisa como um “homem de verdade” ou uma “mulher de verdade”, vez que a realidade de todos nós é socialmente determinada.
E somente mais uma observação sobre a teoria queer: ela tende a fazer parte de uma teoria interseccional que vê pessoas não-incapacitadas como oprimindo as incapacitadas, não-trans como oprimindo trans, homens como oprimindo mulheres, etc.
Então ela ignora a base material para todas as opressões que é a classe social (e, nessa instância, o capitalismo). A opressão das mulheres é vital para como o capitalismo funciona. As mulheres realizam trabalho doméstico não remunerado que alivia a pressão da demanda para promover a criação de crianças, mais assistência médica, criação da nova geração de produtores (trabalhadores), mais socialmente. Então a classe capitalista começa a manter mais de sua riqueza roubada (lucros), e o sistema movimenta-se em alguma medida nas costas das mulheres. A união da família hetero não somente “naturaliza” essa opressão das mulheres, mas ela também socializa seus novos membros em aceitar as hierarquias como normais. E a ideologia que justifica isso – o sexismo (a visão das mulheres como menos) – também ajuda a justificar a opressão das mulheres dentro da força de trabalho – menor salário, menos oportunidades de promoções, piores condições. Numerosas indústrias, como a indústria do sexo, alimentam-se da opressão das mulheres.
Então o capitalismo envolve a opressão das mulheres porque ele prospera com isso, ao invés de porque o capitalismo é simplesmente confuso e pode ser consertado. Similarmente, os capitalistas não odeiam os incapacitados, mas retêm financiamentos para ajudá-los e, assim, mais riqueza permanece no bolso de poucos.
Muito diferente da ideologia liberal/intereseccionalista que, em contrapartida, afirma que não existe qualquer base material para essas opressões, somente aqueles que não sofrem com elas estão levantando-se para oprimir aquele que sim!!
Claro, o capitalismo sim se esforça para recrutar quantas pessoas mais ele puder para prosseguir com essas formas de opressão, e isso não é somente via ideologias específicas que justificam essas opressões. É também via dar privilégio a esses outros grupos, o que os dá um interesse a mais em manter o status quo. As mais óbvias sendo a opressão das mulheres e a opressão racista. Trabalhadores brancos em países imperialistas ganham sim benefícios materiais com a super-exploração dos trabalhadores do terceiro mundo – o nosso padrão de vida realmente está em suas costas, via a riqueza roubada deles. E todo os tipos de ideologia racista (aceitação da demonização dos refúgios, aceitação de ocupações em afegãos inocentes, aceitação da despropriação de pessoas indígenas) nos ajudam a identificar-nos mais com a classe capitalista na nossa nação do que agir em solidariedade com os trabalhadores do mundo, incluindo as pessoas indígenas de nosso país.
Não acredito que eu realmente precise soletrar aqui quais privilégios os homens obtêm da opressão das mulheres que os torna propensos a continuarem com isso.

B:

Obrigada por reenergizar a discussão. Eu acho que suas perspectivas são interessantes e eu concordo com sua análise das políticas queer e inclusive muito com sua análise da opressão das mulheres e concordo que uma análise materialista é muito importante, mas, como você sabe, eu sim difiro um pouco na minha análise de classe e a opressão de classe final. Eu acredito que a opressão de classe econômica resultou do patriarcado, em oposição à outra maneira e esse fundamental controle dos homens sobre as mulheres é a opressão dominante. Mas, de qualquer forma, no que diz respeito ao “gênero”, eu acho que sua análise é precisa. Com relação a trans e “supremacia cissexista”, isso é simplesmente uma lógica distorcida – que a classe subordinada possa se tornar a classe dominante por causa de – e vice-versa baseada em – lutas identitárias internas.

A:

Eu acho – embora seja um pouco difícil de dizer – que a “supremacia cis-sexista” significa que ambos “cis-mulher” e “cis-homem” (ou seja, presumivelmente todos que não se identificam como trans) oprimem todos aqueles que sim. Mas uma vez que os requerimentos para ser trans não parecem envolvem nada em particular que não a auto-identificação, parece uma conveniente maneira para alguns declararem que todos os outros estão os oprimindo.
O que, é claro, realmente não ajuda a combater a transfobia uma vez que isso é uma coisa bem real, parte do reforço dos papéis de gênero onde alguns decidem fazer valer com violência, bullying e discriminação, diretamente contra alguém, não somente aqueles que se identificam como trans, que são percebidos como violando a heteronormatividade (o que, é claro, também inclui os papéis de gênero socializados). Mas confundir essa questão ao estar fodendo com as feministas (que é o que as alegações de “supremacia cis-sexista” geralmente parecem envolver na prática) é realmente estúpido.

B:

Transfobia é misoginia, assim como homofobia. O ódio é perpetuado rotineiramente contra as mulheres (mulheres que sim ajustam-se com a feminilidade e aquelas que não), e também homens que são percebidos como sendo feminilizados de alguma forma. É tudo sobre estar perpetuando ódio contra a classe feminina. Mas só porque alguns homens recebem o ódio misógino de outros homens não significa que eles são mulheres e não significa que eles não são criados e internalizados com privilégio de classe masculino. Homens feminilizados ainda possuem maior poder, com relação às relações de poder da classe sexual, que qualquer outra mulher.

C:

O que me incomoda sobre essa afirmação é que os escritores/ativistas por detrás disso estão indo além da demanda por inclusão em geral e pedindo que qualquer grupo que é somente de “nascidas mulheres” seja banido/bloqueado. Essa jogada anula completamente a dissidência. Sei que a maioria dos grupos de mulheres no Occupy Wall Street são trans-inclusivos, então por que não podem dois grupos dentre tantos ter um espaço para nascidas mulheres somente? Não existe qualquer paralelo entre a exclusão de trans de tais grupos e a exclusão de outros grupos sociais. A exclusão de trans não é baseada no desprezo por trans, não é baseada no ódio social, não é baseada em pensar em trans como inferiores. É baseada em argumentos que têm a ver com a história partilhada de mulheres “nascidas mulheres” como vivendo em corpos femininos e, assim, com uma história particular da sexualização desse corpo feminino. Esse não é o lugar para entrar no argumento aqui, mas para assinalar que existe um argumento que tem a ver com ideologia, história, e o que significa partilhar com outras mulheres a experiência vivida de um corpo feminino desde a infância para diante. Em outras palavras, espaços de somente mulheres são baseados em políticas examinadas baseadas no feminismo. Independentemente de você discordar das políticas ou não, é simplesmente injusto e anti-democrático clamar que as políticas desse feminismo particular sejam banidas. É claro que algumas políticas são odiosas e devem ser banidas, mas o ônus reside naqueles excludentes que primeiro dialoguem com argumentos sustentados pelo grupo que eles querem bloquear antes de clamar definitivamente pelo banimento. Quais os argumentos dos grupos de afinidade da Women Occupying Nations e da Strong Women? Vocês não acham que os leitores devem saber esses argumentos antes de assentir um banimento nesses grupos?
Sobre outra observação: se vocês alterarem a palavra “marginalização” para “opressão” ou, melhor, “exploração”, eu acredito que vocês terão uma ideia melhor do problema enfrentado pela vasta maioria de mulheres desse mundo – além de violência sexual, existe uma magnitude de trabalho não remunerado (50% do PIB do mundo). Dependendo de como você enquadra a questão, a noção de que mulheres trans são mais “marginalizadas” do que a vasta maioria de mulheres no mundo se torna absurda.
Primeiro de tudo, estou dizendo que é anti-democrático clamar pelo bloqueio de grupos de mulheres somente quando existem dois entre tantos que incluem pessoas trans, e porque esses grupos têm sólidas razões políticas para querer um espaço de somente mulheres baseado na “história” de se viver em um corpo feminino – onde você é preparada desde o primeiro dia a ser sexualmente acessível para os homens como a definição de “se tornar mulher”. É claro que pessoas trans experienciam sexualização e marginalização que é baseada, em última análise, em misoginia. Marginalização, no entanto, é um tipo de estigmatização que não é necessariamente a mesma que a exploração sistêmica por meio da qual grupos de elite obtêm mais-valia por terem acesso ao uso de corpos de grupos estigmatizados. Isso diz respeito à discriminação mas não à opressão estrutural, sistêmica. Como um grupo, mulheres trans não são de uma classe social que tem sido sistemicamente explorada – a maneira na qual as mulheres do mundo todo têm – de maneiras institucionais específicas, que começam com o processo de sexualização/socialização. A “inclusão” não é uma palavra rica o suficiente para representar os bens/objetivos políticos e necessidades a serem elaboradas em… A inclusão não é um bem em si mesma, e a exclusão não é sempre ruim – nós queremos excluir nazistas, certo? Para usar um extremo… O ponto central aqui é que precisa haver um compromisso com as reais posições políticas nos quais os extremamente raros grupos de somente mulheres querem que eles se mantenham enquanto um espaço para mulheres com uma história de viver em um corpo feminino. Por que pessoas trans não vão atrás dos enclaves dos homens com a mesma veemência que vão atrás de espaços de mulheres? Essa precisa ser uma pergunta política. Eu estou chamando para o debate antes de banir, o que seria extremamente anti-democrático.
O fato de certa pessoa trans “não se importar” mostra que não está disposta a empreender-se no debate político. A “inclusão” não é boa em si mesma, é? Mulheres trans não são as mais marginalizadas das mulheres – isso é um absurdo. O que querem dizer com marginalização? Olhe para as estatísticas da exploração das mulheres e opressão ao redor do mundo: violência doméstica, estupro, assédio sexual, trabalho não remunerado, trabalho traficado, sexualidade traficada, etc. – e a marginalização não é, na realidade, uma garantia de inclusão em qualquer espaço que qualquer grupo de indivíduos demanda inclusão em.
As motivações mudam a natureza da ação: nós excluímos nazistas por exemplo por diferentes motivações de excluir racializados ou outras mulheres que, como grupo, a propósito estão sendo excluídas realmente pela dominação masculina/branca das assembleias e pelo assédio sexual de todos os dias, etc. – como os novos grupos de mulheres estão mostrando.
Nós não podemos ter uma democracia até que nós estejamos abertas para a dissidência e o debate sobre essas questões. Ponto final.

A:

Entre tudo, existe de novo uma suposição de que “mulheres nascidas mulheres” são “cis privilegiadas” sem uma obrigação de demonstrar como isso as faz opressoras de ou obrigadas a se organizarem com mulheres trans… Bom, mulheres trans têm o privilégio de terem sido criadas como homens. E sim, independentemente se ou não alguém se identifica com ou gosta de um privilégio, isso ainda é um privilégio. Pessoas brancas possuem o privilégio de serem criadas brancas, independentemente se ou não elas se irritam com essa disposição.
E, por favor, parem com essas alegações de que espaços de “mulheres nascidas mulheres” envolvem “policiamento dos corpos das outras pessoas”. Eu tenho ouvido essa alegação histérica muitas vezes e, enquanto eu, pessoalmente, favoreço a organização feminista que inclua mulheres trans, eu tenho que dizer que feministas radicais que eu conheço abominam o policiamento de gênero e o policiamento dos corpos das pessoas. Grupos que excluem homens não são chamados por “policiamento de gênero”, assim que é entendido ser uma política sobre agrupamentos sociais, não decisões pessoais sobre gestão de corpos ou quão femininas/masculinas as pessoas são. Isso é o mesmo. Mulheres não são um grupo de gênero, nós somos um agrupamento social – nossos papéis de vida, experiências e necessidades políticas determinadas pela opressão das mulheres.
Nossa capacidade reprodutiva é aproveitada para esse fim, mas isso acontece embora algumas de nós tendo uma biologia um pouco diferente. O ponto em comum está sendo atribuído fêmea por nascimento, não nossa biologia.
Para assinalar o óbvio, espaços de mulheres nacidas mulheres – quer seja sua praia ou não – são sobre organizar-se com aquelas que cresceram sob condições opressivas similares, sendo tratadas como um membro de um agrupamento social oprimido. Elas não são sobre “gênero”. Gênero diz respeito às visões sexistas socialmente determinadas na qual os sexos deveriam/estão a se comportar e quais direitos eles deveriam ter. Os melhores grupos feministas condenam o gênero.
O acima dito está para mostrar a importância da colocação de C sobre a importância do diálogo com grupos antes de clamar pela remoção de seus direitos. Como você pode estar certo que eles não possuem uma razão para se organizar como fazem? E, como ela diz, dado que existem uma série de grupos feministas que incluem mulheres trans, por que grupos para mulheres nascidas mulheres não são permitidos se quer a um pouco de seus próprios grupos? E ainda, devem grupos socialistas ateístas ser forçados a incluir Falun Gong se eles querem manter seus privilégios democráticos? O capitalismo já remove os nossos direitos democráticos. Em se organizar contra isso, estejamos certas em mantermos nosso objtivo de um sistema social que promova às pessoas igual acesso às necessidades materiais e direitos (ou seja, Estado, economia e direitos legais), e não falhar na armadilha de pensar que podemos retificar essa situação através de reduzir ainda mais a autonomia pessoal dos oprimidos, nesse caso, o direito das mulheres em discutir, associar-se e organizar-se conforme acharmos conveniente.

D:

Não é um “privilégio” para uma pessoa com corpo de mulher que tenham acesso a banheiros somente de mulheres. (Eles são separados por SEXO, não gênero, só para lembrar) Só porque você QUER algo que um outro tenha, não quer automaticamente dizer que aquele algo é o privilégio de um outro alguém. Acessar o banheiro das mulheres não cria qualquer tipo de BENEFÍCIO estrutural ou econômico que acostuma-se a mim. Não é um privilégio. Não é também uma FORMA DE OPRESSÃO. Não podemos banalizar a REAL opressão. O tipo que tem impacto em OPORTUNIDADES DE VIDA em uma ampla escala. Devemos obter alguma perspectiva e parar de aplicar a palavra “privilégio” de maneiras que não fazem sentido.
“Mulher” é um termo nomeado para seres humanos com corpo de fêmeas pelo PATRIARCADO para diferenciar-nos dos “homens” em uma hierarquia baseada em SEXO. Mulheres são DEFINIDAS e VALORIZADAS em termos de nossa utilidade para homens DESDE A INFÂNCIA: “Aqui, menina, brinque com essa bonequinha e aprenda a ser uma boa mamãe!”. Essa acusação de “privilégio cis” não é completamente irracional, mas ela propositadamente apaga, desconsidera e minimiza a REALIDADE de ser uma fêmea-nomeada-por-nascimento. Então eu suponho que a MISOGINIA é OK nesses espaços? Eu digo, sério.

A:

Seria bom se a crítica perguntasse às feministas o que suas atividades envolvem, e realmente tentassem entendê-las, antes de fazer essas estranhas alegações pomo.
Grupos feministas de mulheres nascidas mulheres não concordam com gênero absolutamente. A última coisa que estão fazendo é “essencializando”-o. Também tendem a ser as pessoas que são mais contra a feminilidade (o que é um conceito que dizem ser imposto pelo patriarcado, ao invés de um que ocorre “naturalmente” em conjunto com a genética XX). Existe um problema maior aqui quando os grupos que estão mais em desacordo com amarrar a feminilidade às mulheres são, de forma bizarra, acusados de patrocinar esses meios da opressão das mulheres.
Certamente, a mulheres trans deve ser dada a opção de celas longe dos homens caso presas. Se não são, isso não tem nada a ver com se ou não existem um ou dois grupos de afinidades de mulheres nascidas mulheres que não as incluem. Na verdade, isso é algo bizarro de se colocar. [Eu espero que as pessoas estejam se lembrando aqui que feministas radicais têm estado entre aqueles que pressionam o Estado por políticas não-discriminatórias para pessoas trans em habitação e emprego.] Mas isso enfatiza a loucura de atacar grupos de mulheres nascidas mulheres pela sua organização autônoma quando existem sérias questões de falta de fornecimento de segurança a trans pelo Estado. Isso não vale mais a pena ser focado? Não? Prefere atacar grupos de mulheres nascidas mulheres do que o Estado?
A capacidade de chamar alguém um membro de um grupo oprimido não é um “privilégio”. Misturar associação de um grupo oprimido com não somente “privilégio”, mas também com “cis-sexismo”, “cis-supremacia” e “gênero” é, na verdade, endossar a ideologia misógina que é utilizada para oprimir as mulheres. Se estão dizendo que o “gênero” é o mesmo que a associação do grupo oprimido “mulheres”, então estão concordando com a ideologia usada para nos oprimir. Estão concordando que mulheres são naturalmente fracas, femininas, inadequadas para funções de liderança, inadequadas para as esferas “racionais”, mais adequadas a cuidar e dar.
Chamar mulheres de “cis-supremacistas” se elas não concordam com essa “criatividade” pós-moderna [regurgitação da ideologia conservadora em uma nova forma] é completamente ignorar de onde a transfobia vem. Transfobia não é preferência de organizações de mulheres nascidas mulheres devido a experiências compartilhadas daquelas no grupo de mulheres nascidas mulheres, ou ser clara sobre a diferença entre “gênero” e o grupo social oprimido de mulheres. É atacar pessoas quando elas não parecem se adaptar a expectativas de gênero. Feministas radicais são particularmente claras sobre isso assim que elas também experienciam violência e discriminação devido a não se conformar suficientemente. Porque o lugar que toda violência e discriminação devido a violar as expectativas da heteronormatividade (transfobia, homofobia, etc.) vem, é da misoginia. O ponto de todas essas ideologias é de manter apoio à opressão das mulheres, assim, nos mantemos oprimidas dentro da união da família heterossexual, escravas domésticas, e permanecemos força de trabalho barata fora disso, e os meios para os grandes lucros da indústria do sexo. É por isso que o conceito “cis-supremacia” é nonsense – porque isso emplica que todos que não são identificados “trans” oprimem aqueles que sim. Isso ignora completamente de onde a transfobia vem. E se não permitem àquelas no grupo social oprimido de mulheres, que são moldadas pelo seu tratamento crescendo e sendo ensinadas que seus relacionamentos e corpos são propriedade social, a habilidade de decidir como e com quem querem se organizar, não estão em qualquer posição de chamá-las “privilegiadas”. Estão ocupados tentando tirar ainda mais de suas escassas habilidades de fazer decisões sobre suas próprias vidas.
A homofobia e a transfobia são todas efeitos colaterais da opressão das mulheres. Mulheres nascidas mulheres experienciam elas todas. Não é uma experiência que pessoas trans descobriram, embora a tenham experienciado desproporcionalmente e isso é ultrajante, e nós precisamos nos organizar contra isso. Mas misturando o agrupamento social oprimido de mulheres com “gênero” não é uma forma de fazer isso.

C:

Isso não é a Olimpíada das Opressões, gente! Eu digo, baluartes de trans. Superem-se e parem de dar um one-up em todo mundo. É realmente imaturo e auto-centrado. Não estamos em uma competição sobre o relativo nível de “opressão” e melancolia pessoal que todos nós enfrentamos.
Primeiro, existe uma diferença experimental objetiva entre indivíduos involuntariamente atribuídos como o gênero feminino no nascimento, e aqueles que conscientemente ESCOLHEM serem tratados como “mulheres” DEPOIS de entender o que o gênero significa. Essa diferença é medida pela experiência da infância de alguém e não é uma particularmente complicada distinção de compreender. Como B tem pacientemente apontado, não precisam concordar, mas devem RESPEITAR que algumas de nós estão profundamente AFETADAS pelas nossas experiências como garotas. Quem está de fato odiando agora?
Segundo: vamos consignar o SEXO. Um artigo ilusoriamente declara que “Sexo e gênero são categorias socialmente construídas; não existe nada inerentemente macho sobre nenhum tipo de corpo”. Isso é ridículo. O “sexo” se refere à capacidade REPRODUTIVA. Se qualquer corpo que tenha um pênis destila esperma, ele é MACHO. Se um corpo possui um útero e pode ser FECUNDADO, é um corpo de fêmea. NÃO SABEM COMO OS BEBÊS SÃO FEITOS?? É um caso de órgãos reprodutivos e isso é RELEVANTE. Eu posso ser forçadamente fecundada. Homens não. É DIFERENTE. De novo, B explicou o problema: “Como um grupo, mulheres trans não são de uma classe social que tem sido sistemicamente explorada – a maneira na qual as mulheres do mundo todo têm – de maneiras institucionais específicas, que começam com o processo de sexualização/socialização.” Globalmente e historicamente, corpos femininos (e nossas crianças) têm sido literalmente PERTENCIDOS pela autoridade masculina. Isso é diferente do que pessoas trans experienciam. Parem de posicionar vocês como MAAAIS oprimidos. Só RESPEITEM a diferença.
Vocês são aqueles que estão criando a divisão e emitindo ultimatos. Não nós.

E:

Eu concordo com a C e outras que logicamente apontaram que mulheres nascidas mulheres possuem uma experiência única de enfrentar a misoginia desde seu primeiro fôlego. Isso não nega a marginalização, violência e ódio que mulheres trans enfrentam, mas dizer que são o mesmo é minimizar e destituir a experiência de mulheres nascidas mulheres. Isso sequer seria uma questão se se dissesse que as mulheres em questão eram de cor e queriam um espaço onde pudessem se reunir e partilhar suas experiências comuns livres da influência daqueles com privilégio da pele branca? Não, isso nem sequer seria um debate. Porque espaço exclusivo é às vezes necessário. Ainda existem uma série de espaços comuns onde todos podem se reunir, se juntar e apoiar uns aos outros. Não é divisivo para mulheres nascidas mulheres buscar espaço para chamar de seu, mas isso parece ameaçador por alguma razão. Talvez porque mulheres trans carregam o ímpeto de terem sido criadas como homens e, assim, sentem que ainda merecem independentemente acesso a mulheres.

A:

Perguntam-nos se não lemos nada sobre os tipos de violência sistemática que mulheres trans enfrentam. Deve estar confundindo “sistemático” com “sistêmico”. A opressão das mulheres, na verdade, ampara o capitalismo misógino. A ideologia apoiando a opressão das mulheres requer que a união familiar seja “naturalizada” e as expectativas heteronormativas, naturalizadas. Por isso, a homofobia e transfobia sendo efeitos colaterais da opressão das mulheres. Mas a opressão das lésbicas, bissexuais e homens gays e pessoas trans não sustenta o capitalismo da mesma forma que a opressão das mulheres faz. Enquanto a homofobia e a transfobia servem para o propósito de reforçar a ideologia misógina, a opressão das mulheres, no interior da união familiar, na verdade, sustenta o capitalismo estruturalmente. A escravidão doméstica das mulheres alivia os capitalistas e o Estado capitalista em fornecer serviços básicos. A união familiar heterossexual que oprime mulheres ensina os mais novos a aceitarem as hierarquias sociais e assegura que as mulheres façam a maior parte do trabalho em criar as próximas gerações de trabalhadores/consumidores.
A opressão das mulheres sustenta inúmeras indústrias, especialmente a indústria do sexo. Ela promove uma fonte de mão-de-obra barata para os capitalistas em vários campos.
Nada disso é para minimizar a violência que pessoas trans experienciam. É importante estar claro sobre o que está ocorrendo com a opressão das mulheres, todavia.
Já foi alegado que existia algo particularmente vil sobre mulheres com privilégio cisgênero não verificado como nós, alegando falar por todas as mulheres, enquanto policiamos quem é permitido alegar essa condição baseada em suposições sobre o corpo de outras pessoas e seus relacionamentos com esses corpos. Essa deve ser a coisa mais hipócrita que eu já li. O ponto da questão original era tornar grupos feministas no Occupy Wall Street sem voz se não concordassem em chamar mulheres trans “mulheres”.
Se esforçar-se para negar os direitos de um grupo oprimido de se organizar em solidariedade com outros e participar de amplas reuniões se eles não prosseguem com particulares alegações de “mulher” não é policiamento, então eu não sei o que é.
Eu espero que empenhem-se com as questões levantadas aqui sobre como a opressão das mulheres acontece, como a socialização de garotos e garotas ocorre desde a juventude e afeta profundamente, e como tentar forçar as feministas a aceitar a fusão do grupo oprimido de mulheres e o “gênero” é profundamente debilitador para a habilidade das mulheres de livremente discutir e organizar-se contra a opressão das mulheres.

E:

O que cis gênero significa?

A:

Significa que seu gênero é congruente com seu sexo de nascença. Então isso basicamente encoraja a ideia de que a masculinidade (comportamento socialmente determinado por homens) vai junto com XY e a feminilidade vai junto com o XX. Então isso coloca fora de existência aquelas mulheres não-trans que não agem de maneiras esterotipadas de gênero.
Isso é o que eu tenho visto feministas contestando – isso basicamente endossa os gêneros como natural.
Eu pego essa coisa do “esquema” e, por um momento, é por isso que eu o usava também. Simplesmente por simpatia aos sentimentos trans mas, realmente, a ideologia por trás disso é algo que não posso aceitar.

C:

“Trans” é uma categoria identitária histórica específica que é o efeito das instituições/tecnologias médicas modernas em sua reprodução da sexologia binária de gênero; uma produção de políticas identitárias baseadas na noção individualista-neoliberal que existe uma a) “identidade pessoal” e b) “atribuição de gênero” e então essa “identidade pessoal” é individual e um espaço para a livre expressão individual do gênero que pode ir contra a semente da “atribuição de gênero”. A colocação de “mulheres” de mulheres-somente, para mim, não é biológica, mas enraizada na experiência de ser marcada – e, assim, socializada – como fêmea/feminina desde o primeiro dia da infância. Não importa qual variação de fêmea alguém é, em vários tipo de classe/raça/situações culturais, um corpo feminino é marcado como sendo-sexualizado-por-homens e como vasos reprodutivos em potencial, como apropriáveis para homens em termos de cuidado emocional e uso sexual. Nenhuma butch escapa disso, por mais diferente que seja sua experiência de um corpo feminino. No entanto, uma trans feminina não tem essa experiência compartilhada da sexualização e a marcação sexual, mesmo que, como uma trans feminina, ela é agora considerada estuprável pelos homens de várias maneiras. O que eu mais contesto – ou a maior contestação – é a insistência que todos e quaisquer espaços de mulheres incluam mulheres trans. Todos e quaisquer. Isso eu acho muito suspeito. Não é suficiente ter a maior parte dos espaços até esse ponto trans-inclusivos; todo espaço que é para mulheres deve ser trans-inclusivo. Isso para mim cheira ao que Moses citou como a “apropriação final”.
Para esclarecer: eu estou criticando essa noção individualista do gênero – ou um espaço sexualmente neutro de identidade pessoal, esse espaço de escolha individual – como uma construção neoliberal: desenvolvimento do individualismo liberal em um patriarcado capitalista. É um mito ideológico que obscurece as relações sociais/de poder. Não existe qualquer “identidade pessoal” que pode ficar para trás de como o corpo é sexuado/generizado e historiciado, etc. e escolher quais desses aspectos a aceitar/rejeitar.

A:

Sobre a transfobia e os casos de violência. Isso não é o mesmo que “sofrer como mulher”, mas é assim mesmo horrível. Absolutamente horrível.
Apontamos a diferença entre analisar mulheres como uma classe social/agrupamento oprimido, e mulheres como um “gênero”. Eu não direi com qual gênero pessoas trans devem se identificar, porque isso é com eles. Mas isso não os faz parte do agrupamento social oprimido mulher, que é sobre como a sociedade trata as mulheres – oprimindo-as pelo bem do capitalismo. Pessoas são feitas mulheres por fazerem parte desse agrupamento oprimido – nossa “identidade” (ou, mais utilmente, nossas necessidades políticas) é definida por essa experiência, não por como nós nos subjetivamente nos “identificamos”. Claro, nós somos socializados a pensar que nós precisamos cumprir essas ideias socialmente impostas de masculinidade ou feminilidade de forma a ser completamente humanos. Fêmeas mulheres sentem isso tanto quanto. Então nós precisamos rejeitar essa socialização, ao invés de culpabilizar fêmeas mulheres que querem organizar-se enquanto uma classe oprimida, ao invés de basear-nos numa identificação subjetiva com essa classe oprimida.
Parte da opressão das mulheres é a de que a nós é dito que não temos o direito de parar com que os outros nos usurpem – sobre os nossos corpos, nossa sexualidade, nosso espaço individual, nossos relacionamentos. É por isso que é vital para as mulheres que, organizando-se contra nossa opressão, sejam capazes de decidir por si mesmas quais formas organizacionais isso implica.
Sendo realista aqui, a presença de alguns grupos feministas de mulheres nascidas mulheres não interrompe a organização de trans enquanto feministas com outras mulheres. Estão realçando seus sentimentos de serem ditos que estão “errados” e utilizando-os para encobrir o que está acontecendo aqui – o ultrajante bullying por não só outros grupos feministas, mas também por grupos não-feministas de forma a falsamente desenhar grupos de mulheres nascidas mulheres como tão fanáticos que devem ser excluídos dos fóruns de tomada de decisão do Occupy Wall Street. Isso é incrivelmente anti-mulher.
E, embora os autores dessa afirmação parecem se esquecer disso, essa jogada atravessa a alegação de que “é essencial que apoiemos a auto-determinação de todas as pessoas oprimidas pelas atribuições de gênero coercitivas e não-consensuais”.
Bom, o maior grupo pelo qual isso se aplica são as mulheres! Mas essa ameaça de bloquear mulheres que preferem se organizar com outras que experienciam o mesmo tipo de opressão estrututal é uma tentativa ultrajante de impedir a sua auto-determinação!
Concordo que devemos ser bem cuidadosos sobre como tentamos cooptar os outros. Ainda, não parece ser uma posição monolítica entre transexuais (pós-operados) que sua própria cirurgia foi uma “emergência”. Colocando isso de lado, eu tendo a tomar a posição de que tal cirurgia não deve ser completamente banida (para aqueles em idade suficiente para consentir), nem ficar livre de críticas. Apesar disso parecer um comentário óbvio, vez que a maioria das feministas radicais também parecem tomar essa posição. E uma vez que é uma grande cirurgia de mudança de vida, é certamente a única resposta possível entre pessoas pensantes.
Eu acho que um problema nesses fios de discussão é que discutimos uma série de posições relacionadas. Estão levantando se pode haver uma base biológica para o gênero identificado de (uma proporção não identificada de) pessoas trans. Isso também enlaça debates sobre se o transgenerismo é todo um movimento político, ou se existe uma base biológica para isso. Certamente, discussões de estudos biológicos são relevantes para essas perguntas, embora fora dos concretos sobre quais estudos e suas conclusões, nós não podemos ir mais longe com isso aqui.
Mas a discussão primária que algumas de nós estamos tendo é a questão de mulheres como não sendo uma categoria auto-identificada, mas uma social. Eu acredito que isso é parecido com o ponto de que, na verdade, não existem quaisquer raças humanas biológicas. Raças existem, mas são, na verdade, categorias sociais de pessoas que têm partilhado interesses políticos com base na forma em que são socialmente tratados.
Similarmente, mulheres são uma categoria social cujas habilidades reprodutivas são exploradas para oprimir-nos em benefício das elites das sociedades, e o fato de não termos idênticas habilidades reprodutivas não altera nossos interesses comuns. Assim, se nós formos negar a existência de categorias socialmente oprimidas com base em diferenças entre essas categorias, nós nunca poderíamos dizer que tais categorias existem. Mas o ponto da análise social certamente não é analisar aonde cada indivíduo se encaixa em cada categoria social, mas analisar amplas dinâmicas sociais.
E até mulheres inférteis tendem a ser tratadas como mulheres – mantidas na mesma classe social/agrupamento oprimido, e certamente criadas como mulheres crescendo. E ainda mais prováveis de serem tratadas como mulheres na vida adulta do que a maioria daqueles que não foram criados como mulheres.
Então eu não acho que leves variações na biologia ou na capacidade reprodutiva devem ser usadas aqui para cegar-nos nas básicas dinâmicas sociais da opressão das mulheres ou experiência compartilhada.
E eu digo isso como alguém que, no passado, concordou em envolver mulheres trans em organizações exclusivamente de mulheres. Mas, sim, eu não acho que isso seja a razão para basicamente aderir à visão burguesa que as categorias sociais oprimidas são, na verdade, sobre diferenças ou semelhanças biológicas.

C:

A, muito boa sua distinção entre auto-identificado e social. Eu somente discordaria com a colocação de que a exploração da capacidade reprodutiva das mulheres é a base para a categorização patriarcal das mulheres. Veja aquele artigo da Guillaumin. Eu concordo com ela que a exploração é mais ampla – ou seja, é a apropriação dos corpos das mulheres, e a reprodução cai dentro disso. Mas isso não tira nada do seu ótimo argumento.

A:

Concordo com muitas das colocações que a Guillaumin está fazendo – meu partido político sempre tomou a posição de que, sob o capitalismo, a opressão das mulheres dentro da união familiar é vital para sustentar o capitalismo que envolve a criação da nova geração de trabalhadores/consumidores (obviamente relacionados), outras tarefas domésticas (o que mesmo em sociedades anteriores ao surgimento das classes costumava ser realizado por grupos mais amplos de parentesco, ao invés das mulheres na união familiar hetero), mão-de-obra barata e, como a base para numerosas indústrias, particularmente a indústria do sexo (claro que os exemplos da Guillaumin de inúmeros tipos de apropriação são muito úteis).
Mas eu também devo me questionar porque mulheres são oprimidas dessa forma, assim que não poderiam os homens, como um agrupamento social, também jogar nesses papéis? Então por isso eu disse que acredito que a capacidade reprodutiva das mulheres é usada para oprimir e explorar-nos; eu não tinha a intenção de reduzir a questão a isso e, embora eu acredite que foi uma motivação mais primária em estabelecer as sociedades patriarcais (usando o conceito na histórica compreensão antropológica aqui), eu concordo que, sob o capitalismo, isso é mais complexo.
De qualquer forma, eu achei o ensaio muito interessante e gostaria de lê-lo de uma maneira mais considerada (devo admitir que eu somente o li superficialmente até agora), assim que parece que é menos diferente da análise feminista marxista do que eu achei em algumas análises do feminismo radical. Eu notei alguma diferenciação entre as análises marxistas e feministas radicais com a anterior aparentando a localizar a opressão das mulheres como sendo centrada na – no entanto, obviamente, não limitado a – união familiar hetero, e a última, aparentando colocá-la como sendo mais sobre o sexo hetero.

Tradução – Falando Sobre Gênero

Falando Sobre Gênero

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Na London Feminist Network’s “Feminar” em maio de 2010, Debbie Cameron e Joan Scanlon falaram sobre gênero e o que isso significava para o feminismo radical. O que segue é uma cópia editada de seus comentários.

Debbie Cameron:

O propósito da discussão de hoje é tentar destrinchar a confusão teórica e política que agora ronda o conceito de gênero, e é provavelmente útil iniciar se perguntando o que está causando essa confusão.
Conversas sobre “gênero” hoje em dia frequentemente levam a problemas porque as pessoas estão utilizando a mesma palavra para querer dizer mais ou menos a mesma coisa mas, num exame mais apurado, elas não estão falando sobre o mesmo conjunto de coisas do mesmo ponto de vista. Por exemplo, quando lançamos o T&S Reader na feira de livros radicais de Edinburgh, algumas estudantes vieram depois dizer que estavam contentes que produzimos o livro, mas surpresas que ele não falava muito sobre gênero. Na realidade, é tudo sobre gênero no sentido feminista radical – relações de poder entre mulheres e homens -, então esse comentário não fazia muito sentido para nós. De início, Joan ficou completamente perplexa com isso; eu entendi o que elas deveriam estar compreendendo somente porque eu ainda sou uma acadêmica, e na academia você ouve “gênero” sendo muito utilizado dessa forma.
O que está acontecendo é que durante os 1990s, teóricos e ativistas queer desenvolveram uma nova maneira de falar sobre o gênero: ele possuía pontos de coincidência com a forma do feminismo antigo falar, mas a ênfase era diferente, a teoria por trás dele era diferente (basicamente era a teoria pós-moderna de identidade associada à filósofa Judith Butler, embora eu não acredite que Butler em si mesma diria que feministas não tinham análise crítica do gênero), e a política que surgiu disso foi muito diferente. Para as pessoas cujas ideias eram formadas seja pelo encontro com a teoria feminista acadêmica ou pelo envolvimento na política e ativismo queer, esse se tornou o significado de “gênero”. Elas acreditavam o que lhes tinha sido dito, que feministas nos 70s e 80s não possuíam uma análise crítica do gênero, ou que possuíam a análise errada porque suas ideias sobre gênero eram “essencialistas” ao invés de “construcionistas sociais”.
Não acreditamos nisso, e em um minuto explicaremos o porquê. Mas primeiro vale a pena fazer um “compare e contraste” geral sobre a “antiga” visão feminista do gênero e a nova versão que saiu da política/teoria queer dos 1990s.

Existem tanto similaridades quanto diferenças entre as duas versões. Para ambas, o gênero está conectado ao sexo mas não é o mesmo que ele; para ambos, o gênero como o conhecemos é um sistema binário (existem, basicamente, dois gêneros); e ambas abordagens provavelmente concordariam que o gênero é sobre poder E identidade, mas suas ênfases em um ou outro diferem. Elas também diferem porque os que sustentam a teoria queer não pensam em termos de homens oprimindo mulheres, eles pensam as normas de gênero como tais como mais opressivas do que a hierarquia de poder, ou querem “mais” gênero ao invés de menos ou nenhum.
Para realizar um entendimento dessas ideias e decidir o que você pensa delas, é útil entender um pouco de história – a história das ideias radicais sexuais e feministas. Existem três perguntas principais que pensamos valerem a pena de serem desenvolvidas com maiores detalhes:
1. É verdade que o feminismo radical é/foi “essencialista” em sua visão do gênero?
2. O que é, e o que foi, a relação entre as políticas de gênero e sexualidade?
3. O que o feminismo radical e queer ou a política “genderqueer” têm em comum, e quais são as diferenças básicas, e quais são seus respectivos objetivos políticos?

É/Foi o Feminismo Radical Essencialista?

Vamos tirar algo do caminho: existem variedades essencialistas do feminismo, correntes de pensamento no qual, por exemplo, poderes místicos são atribuídos ao corpo feminino ou acredita-se que os homens são naturalmente maus, e algumas das mulheres que aderem a essas ideias podem usar ou serem dadas o rótulo de “feminista radical”. Mas se considerarmos o feminismo radical como uma tradição política que produziu, entre outras coisas, um corpo de textos feministas que vieram a ser considerados como “clássicos”, é surpreendente (dada quão frequente tem sido feita a acusação de essencialismo) quão consistentemente não-essencialista sua visão de gênero tem sido.
Como forma de ilustrar isso, juntei algumas citações dos escritos de mulheres que são geralmente consideradas como feministas radicais arquetípicas – juntamente com Simone de Beauvoir, frequentemente considerada como a fundadora antepassada da moderna “segunda onda” feminista, cujo livro O Segundo Sexo (publicado pela primeira vez na França em 1949) é anterior em 20 anos. Beauvoir não era essencialista e, apesar de que ela não usou um termo equivalente a gênero (isso ainda não é comum em francês), ela faz muitos comentários que dependem em distinguir o biológico dos aspectos sociais de ser uma mulher. Um dos meus favoritos, por causa de seu tom sarcástico seco, é esse: “Todo ser humano fêmea não é necessariamente uma mulher; para ser assim considerada ela deve participar dessa realidade misteriosa e ameaçada conhecida como feminilidade”.
Uma pioneira feminista de segunda onda que tem sido frequentemente castigada por essencialismo (porque ela sugeriu que a subordinação das mulheres deve originalmente ter ocorrido devido a seu papel na reprodução e nutrição) é Shulamith Firestone, autora de The Dialectic of Sex (1970). Mas, na verdade, Firestone não via a hierarquia social construída na diferença sexual como natural e inevitável. Ao contrário, ela declara no Dialectic que

assim como o objetivo final da revolução socialista seria não somente a eliminação do privilégio de classe econômica mas a distinção da classe econômica em si mesma, assim também o objetivo final da revolução feminista deve ser (…) não somente a eliminação do privilégio masculino mas a distinção de sexo em si mesma: diferenças genitais entre seres humanos não mais importariam culturalmente.

Pouco depois, no escrito da feminista materialista radical francesa Christine Delphy, o gênero é teorizado como nada mais que o produto das relações de poder hierárquicas; não é uma diferença pré-existente na qual essas relações são então sobrepostas. A visão de Delphy é uma na qual menos pensadores radicais veem como extrema, mas o que quer que pensem, isso dificilmente poderia ser menos essencialista. Como Delphy mesma diz:

Não sabemos com o quê os valores, os traços de personalidade individual ou a cultura de uma sociedade não-hierárquica se pareceriam, e temos grande dificuldade de imaginar isso. (…) Talvez só seremos capazes de pensar sobre o gênero no dia em que pudermos imaginar um não-gênero.

Todas as escritoras que eu acabei de citar são mulheres que “podem imaginar um não-gênero (e assim o fazem)”. Essa boa vontade de pensar seriamente sobre o que, para a maioria das pessoas, incluindo muitas feministas, é impensável – que um mundo verdadeiramente feminista não somente operaria sem as desigualdades de gênero mas efetivamente sem distinções de gênero -, é, nós argumentaríamos, uma das marcas do feminismo radical, uma das maneiras que ele se supõe como “radical”.
Outra coisa que faz o feminismo radical se destacar é a maneira pela qual ele relaciona o gênero com a sexualidade e, ambos, com o poder. Os escritos de Catharine MacKinnon fazem essa relação particularmente forte, como na seguinte passagem tomada de Feminism Unmodified (1987):

A teoria feminista do poder é a de que a sexualidade é “generizada” e o gênero é sexualizado. Em outras palavras, o feminismo é uma teoria de como a erotização da dominação e submissão cria o gênero, cria mulheres e homens na forma social na qual nós os conhecemos. Portanto, a diferença de sexo e a dinâmica dominação-submissão definem uma à outra. O erótico é o que define o sexo como desigualdade e, por isso, como uma diferença significativa. Isso é, na minha visão, o significado social da sexualidade, e a consideração distintamente feminista da desigualdade de gênero.

Isso mostra que algumas célebres feministas radicais tomaram uma visão não-essencialista da sexualidade assim como do gênero. De fato, uma das considerações mais radicalmente não- ou anti-essencialistas da sexualidade que pudermos pensar – tão radical quanto qualquer trabalho de teóricos queer em rejeitar a ideia de identidades sexuais fixadas e finitas – vem da feminista radical Susanne Kappeler em seu livro The Pornography of Representation (1986):

Numa perspectiva política, a sexualidade, como a linguagem, pode cair na categoria das relações intersubjetivas: intercâmbio e comunicação. As relações sexuais – o diálogo entre dois sujeitos – determinariam, articulariam, uma sexualidade dos sujeitos como a interação do discurso geraria papéis comunicativos nos interlocutores. A sexualidade não mais nos falaria muito sobre a questão da identidade, de um papel fixo na ausência de uma praxis, mas a possibilidade com o potencial de diversidade e intercambialidade, e a possibilidade crucialmente dependente de um interlocutor e codeterminada por ele, outro sujeito.

Mais tarde explicaremos porquê pensamos que essas ideias feministas radicais sobre gênero, sexualidade, identidade e poder, na realidade, emitem um desafio muito mais radical ao status quo do que as ideias da política queer.

Joan Scanlon:

Como a Debbie disse anteriormente, fiquei completamente aturdida quando as duas jovens em Edinburgh perguntaram porque não havia mais sobre gênero no The Trouble & Strife Reader (2009). Liguei para Su Kappeler (veja a citação dela acima) e ela disse: “O negócio é o seguinte, Joan: é como o que Roland Barthes escreveu em algum lugar, que se você tem um guia da Itália, você não vai encontrar “Itália” no índice – você vai encontrar Milão, Nápoles ou o Vaticano…” Então eu pensei sobre isso, e percebi que, enquanto isso era certamente verdadeiro, havia algo a mais acontecendo: é como se o mapa da Itália tivesse desaparecido (bastante útil como uma forma de relacionar Milão, Nápoles e o Vaticano) e, ao invés disso, a realidade geográfica, política e econômica da Itália fora substituída por um espaço virtual no qual a Itália poderia ser um baile de máscaras, uma bandeira tricolor, um salão de sorvete – ou qualquer combinação de flutuantes significantes livres. E, assim, retornando ao conceito de gênero, compreendi que precisamos reconstruir o mapa, e que precisávamos olhar historicamente para a pergunta para dar sentido a essa mudança de significado.
É claro que os mapas mudam, assim como as fronteiras políticas mudam – mas você não vai longe sem uns ou outros. Precisamos, portanto, examinar o porquê das feministas terem adotado o termo gênero para descrever a realidade material – o cumprimento sistemático do poder masculino – e como uma ferramenta para a mudança política. Eu vou começar com algumas definições e então falar brevemente sobre a história da sexualidade, a relação entre gênero e sexualidade, e como essa relação entre essas duas construções mudou desde o início do século passado. Também vou examinar brevemente no que o feminismo tem em comum com a política queer, e aonde residem suas diferenças fundamentais.

Definições: Feminismo, Gênero, Sexualidade

Quando eu estava escrevendo uma coisa com Liz Kelly no final dos 1980s, nós decidimos que, com a proliferação dos “feminismos”, nós precisávamos afirmar que o termo feminismo não possuía sentido se ele somente significasse o que qualquer indivíduo quisesse que ele significasse. Em outras palavras: você não pode ter um plural sem um singular – então nós definimos o feminismo simplesmente como “um reconhecimento de que mulheres são oprimidas, e um comprometimento em mudar isso”. Além disso, você pode ter qualquer número de diferenças de opinião sobre porquê as mulheres são oprimidas e um número de diferenças sobre estratégias de mudar isso.
Em 1993, na nossa 10ª edição de aniversário do T&S, nós então pedimos a várias mulheres para que definissem o feminismo radical. As definições que todas tinham em comum eram: elas tomam como central que o gênero é um sistema de opressão, e que homens e mulheres são dois grupos socialmente construídos que existem precisamente por causa da relação de poder desigual entre eles. Ainda, todas elas afirmam que o feminismo radical é radical porque ele questiona todas as relações de poder, incluindo formas extremas como violência masculina e a indústria do sexo (algo que sempre tem sido extremamente controverso no interior do movimento das mulheres e uma questão extremamente impopular de se fazer campanha contra). Ao invés de mexer nas bordas da questão do gênero, o feminismo radical consigna o problema estrutural que subjaz a ele.
Para definir gênero, portanto, parece ser um passo necessário a compreensão da proliferação dos significados que surgiram em seu uso plural de agora. O gênero, como feministas radicais sempre o compreenderam, é um termo que descreve a opressão sistemática de mulheres, como um grupo subordinado, pelo benefício do grupo dominante, os homens. Este não é um conceito abstrato – ele descreve as circunstâncias materiais da opressão, incluindo o poder masculino institucionalizado e o poder no interior das relações pessoais – por exemplo, a divisão desigual de trabalho, o sistema de justiça criminal, a maternidade, a família, a violência sexual… E assim por diante. Aqui eu devo dizer que poucas feministas argumentariam que o gênero não é socialmente construído; acredito que o feminismo radical só é acusado de essencialismo biológico porque ele tem sido central na campanha contra a violência masculina e, por alguma razão, nós somos portanto acusadas de pensar que todos os homens são violentos de maneira inata – o que eu nunca entendi. Se você está envolvido numa política de mudança, seria completamente sem sentido pensar que qualquer coisa que você busca mudar é inato ou imutável.
Se o gênero é visto, no patrtiarcado, como emanando do sexo biológico – a sexualidade é essencializada se alguma coisa ainda mais –, é visto como emanando da nossa própria natureza, de desejos e sentimentos que estão consideravelmente fora de nosso controle, mesmo se o nosso comportamento sexual pode ser regulado por códigos morais e sociais. E, para concluir com as definições, pegarei emprestado a definição de sexualidade de Catherine MacKinnon como um “processo social que cria, organiza, direciona e expressa desejo”. Além de pontuar que isso claramente indica que feministas radicais compreendem a sexualidade como sendo socialmente construída, não vou destrinchar mais isso aqui, assim como espero que tenha ficado claro a partir do que vou dizer.

Uma Breve História da Sexualidade

É somente a partir de cerca de 1870 em diante que o discurso médico, científico e legal começou a classificar e categorizar indivíduos por seu tipo sexual – e produziu o que historiadores agora reconhecem como uma específica identidade homossexual ou lésbica. Antes do final do século XIX, o comportamento sexual foi concebido em termos de pecado e crime – em termos de atos sexuais e não identidades sexuais. No Reino Unido, a homossexualidade masculina foi criminalizada até 1967, e a lesbianidade, apesar de nunca ilegal, foi reprimida de outras formas; não era uma opção econômica para mais do que um pequeno número de mulheres privilegiadas com recursos independentes até depois da Segunda Guerra Mundial. A sexualidade feminina sempre foi controlada por coerção física, por dependência econômica dos homens, e não menos pela ideologia – o ensaio de Adrienne Rich “Heterossexualidade Compulsória e Existência Lésbica” (1979) mostra a variedade e inventividade desses meios de controle.
O gênero é uma das formas nas quais a sexualidade é mais efetivamente policiada: dado o constante reforço do sistema binário de gênero como uma forma de controle social, se você pisa fora do seu papel de gênero imposto, você é provável de ser estigmatizado como homossexual, e vice-versa. Em outras palavras, se você se abstém das recompensas da feminilidade – através, por exemplo, de se tornar uma encanadora, não raspar suas pernas, dizer para um homem se foder se ele está te assediando – você é provável de ser acusada de ser lésbica. (Um homem que não se conforma com as convenções da masculinidade, e é visto empurrando um carrinho de bebê, vestindo rosa, ou que não gosta de futebol, é igualmente provável de ser acusado de ser gay.) E, similarmente, se você é mesmo lésbica, você é provável de ser esperada de agir como um homem, de exibir desejo masculino – e mulheres heterossexuais são prováveis de se preocuparem se você gosta delas, e são encorajadas a evitar espaços exclusivos de mulheres no caso de que existe o risco de ser atacada (isso pode ser menos verdadeiro agora, mas sempre foi uma questão considerando-se os eventos exclusivos de mulheres quando eu primeiro me envolvi com o feminismo – ou seja, que mulheres heterossexuais pensavam que “mulheres somente” significava lésbico e que, por isso, presumiam que tais espaço/eventos seriam sexualizados.) De qualquer forma, isso é parte do que Catherine MacKinnon quis dizer quando ela disse que “o gênero é sexualizado, e a sexualidade é ‘generizada’” – em outras palavras, a diferença de poder entre homens e mulheres é erotizada, e não reconheceríamos algo como sexual se isso não fosse sobre poder. Então qualquer coisa que é percebida como sexual – tal como a identidade gay e lésbica – é lida através dessas lentes e, assim, “generizada”.
Os primeiros sexólogos tiveram papel significativo em criar e consolidar esse mito de que lésbicas eram inerentemente mulheres masculinizadas, e que homens homossexuais eram inerentemente femininos. Está também no trabalho de, por exemplo, Richard von Krafft Ebing, que você primeiro encontra a ideia de um homem nascido no interior do corpo de uma mulher e vice-versa. Apesar dos primeiros sexólogos dissiparem muitos outros mitos sobre o comportamento sexual, e contribuírem para desafiar a criminalização da homossexualidade por apresentá-la como “natural” e inata, ao assim fazer, também afirmavam a ideia de que a sexualidade era uma parte essencial da natureza humana que era também perigosa e precisava ser controlada pela intervenção médica, ou uma força positiva que precisava ser liberada das restrições repressivas da civilização. Eles frequentemente discordavam entre si, e contradiziam a si mesmos, mas coletivamente eles criaram e confirmaram o mito de que todos temos uma “identidade sexual verdadeira”, que a ciência da sexualidade pode ajudar a revelar. Alguns de seus escritos parecem agora como completo nonsense, mas é impossível subestimar a importância desses textos na literatura e na imaginação popular da época.
Só para dar-lhes um exemplo: Richard von Krafft Ebing (de cujos estudos de caso Radclyffe Hall baseou seus personagens no Well of Loneliness) argumentou que homossexuais não eram nem doentes mentalmente nem depravados moralmente – vez que eles sofreram uma inversão congênita do cérebro durante a gestação do embrião. Além disso, ele estava convencido de que você poderia encontrar evidência de masculinidade em mulheres “invertidas” (homossexuais) para confirmar a causa genética de sua condição. Havelock Ellis, que escreveu o prefácio para Well, concordou com essa posição, e continuou a argumentar que você poderia distinguir entre verdadeiras mulheres “invertidas” cuja natureza era permanente e inata, e aquelas mulheres que eram atraídas a “invertidas” porque, apesar de elas serem mais femininas, elas “não estavam bem adaptadas para a criação de filhos” e, por isso, não serviam para o sexo heterossexual procriativo. Uma visão mais clara foi articulada por Edward Carpenter, reformista socialista e filósofo utópico: Carpenter, que usou o termo Urano (dos céus) para descrever indivíduos que eram atraídos por outros do mesmo sexo, tinha uma visão mais mística e lírica do sujeito completo (ele é facilmente ridicularizado porque ele tinha uma espécie de comitiva de culto e não somente fez suas próprias sandálias como também as fez para o resto de sua comunidade, que vivia em uma comuna perto de Sheffield), mas ele é, em muitos sentidos, o mais radical de todos eles. Ele era muito mais interessado em temperamento e sensibilidade que em sinais exteriores (biológicos) de desvio das convenções da masculinidade e feminilidade, e ele também acreditava que aqueles que pertenciam ao “sexo intermediário” poderiam construir diferenças de classe e raça, e serem intérpretes entre homens e mulheres, vez que compartilhavam das características de ambos. Economistas e políticos do movimento pensaram as visões de Carpenter como um nonsense sentimental, mas ele se torna próximo de todos os sexólogos dizendo que o gênero em si é o problema, e que extremos do sistema binário de gênero são prejudiciais ao tipo de sociedade ideal que ele imagina.
Não vou desenvolver meu caminho através de todos os sexólogos do século XX – sem dúvidas que vocês estejam mais familiarizados com os experimentos de laboratório dos Masters e Johnson, e as célebres pesquisas em comportamento sexual por Alfred Kinsey e Shere Hite dos 1950s e 1980s respectivamente, que abalaram o establishment ao mostrar, dentre outras coisas, a diversidade do comportamento sexual e o predomínio do desejo homossexual entre a população heterossexual em geral nos EUA. A questão principal sobre os primeiros sexólogos, o que eles têm em comum, é que eles fizeram do sexo o sujeito do estudo científico, e muitos poucos deles olharam para o gênero per se, ou para o contexto social e significado da sexualidade.
A relação do gênero com a sexualidade mudou no final dos 60s e 1970s, em grande medida por causa da emergência do movimento de mulheres o o movimento de liberação gay. Com a ascensão do feminismo e a publicação de inúmeros textos-chave tais como Política Sexual (1970) de Kate Millet, a lesbianidade não era mais vista como uma subcategoria da homossexualidade masculina, e não somente como uma identidade sexual, mas como uma identidade política, dentro do contexto das relações de poder “generizadas” – em outras palavras, foi possível poder ver ser uma lésbica como ser uma mulher, desafiar a heterossexualidade como uma instituição, e desafiar o poder no interior de relações pessoais. Eu penso que sou extraordinariamente sortuda por ter encontrado o feminismo no final dos 1970s (quando eu estava em meus iniciais 20s) – vez que eu seria, do contrário, completamente persuadida de que eu era uma “inversão” ou, deus me livre, uma Urano, ou o quer que seja, se eu tivesse nascido numa época anterior. O movimento de mulheres do final dos 60s e 70s ofereceram a várias mulheres uma oportunidade sem precedente para fazer sentido de suas experiências como mulheres, teorizar sobre, e fazer algo sobre.
Nós frequentemente esquecemos que pensadores no interior do movimento de liberação gay na atualidade tinham muito em comum com o feminismo: desconstruir a masculinidade, questionar a família nuclear, desafiar a misoginia e buscar uma sexualidade da igualdade. Apesar de que feministas continuaram a trabalhar muito em parceria com homens gays, contra uma opressão comum – a heterossexualidade institucionalizada – nós também vimos que nosso foco na construção social da sexualidade estava em desacordo com a visão predominante no movimento gay de que a sexualidade era inata. Por exemplo, no final dos 1980s, durante a campanha contra o artigo 28 do projeto de lei do governo local (que proibiu autoridades locais de “promover” a homossexualidade e “simulou”, isto é, famílias de mesmo sexo, nas escolas), o principal argumento dentro do movimento gay era de que você não poderia fazer alguém gay, que gays somente representavam 10% da população, que você nascia gay e, por isso, não representava nenhuma ameaça ao establishment. E, é claro, como feministas, estávamos argumentando o oposto, de que você poderia de fato mudar sua sexualidade, e que certamente buscávamos ser uma ameaça ao establishment. A epidemia da AIDS politizou grandes números de homens gays ao redor da sexualidade, defendendo a liberdade sexual individual contra as políticas repressivas da extrema direita mas, ao recorrer novamente ao apelo pela tolerância do mundo heterossexual, e um pedido pela inclusão no privilégio heterossexual (uniões civis, etc.) – que foram estrategicamente bem-sucedidos em obter tais objetivos precisamente porque não eram vistos como ameaçando o establishmente liberal – é possível que esse movimento tenha pavimentado o caminho para uma política que não somente questionava o comportamento heterossexual, mas buscava criar um espaço para essas vítimas do gênero que se encontravam fora do sistema binário de gênero e fora de uma concepção binária paralela da sexualidade. Você pode muito bem dizer que o feminismo parecia oferecer tal política e tal espaço, então é importante olhar, portanto, para as diferenças entre o feminismo e a política queer.

O que o feminismo radical tem em comum com a política queer é:
– Uma compreensão de que o gênero e a sexualidade são socialmente construídos.
– Um reconhecimento de que os papéis de gênero binários são opressivos.
– Uma compreensão de que os papéis de gênero são produzidos através da performance, e confirmados pela sua constante re-atuação.
– Um comprometimento em desafiar as suposições e práticas heteronormativas.

As diferenças entre o feminismo radical e a política queer são:
– O feminismo radical é uma análise materialista que argumenta que o gênero não é produzido meramente através do discurso e performance, mas é um sistema no interior do qual um gênero (masculino) tem poder econômico e político, e o outro (feminino) não tem – e o grupo dominante tem um investimento em manter isto dessa forma.
– O feminismo radical envolve uma compreensão de que você não pode produzir (ou questionar) o sistema de gênero através do discurso ou da performance individual – ao adotar certas roupas, linguagem, ou mesmo desafiando seu corpo anatômico. Fora de certos contextos limitados, a cultura dominante ainda vai interpretar esses gestos de acordo com os códigos sociais dominantes, e tentar te categorizar como homem ou mulher. (Em outras palavras, no metrô, no supermercado, no trabalho, esses gestos individuais ou afirmações performativas serão ininteligíveis, e bastante ineficazes como um desafio ao sistema de gênero.)
– Judith Butler argumenta que o feminismo, ao afirmar que mulheres são um grupo com características e interesses comuns, tem reforçado a visão binário do gênero, no qual os gêneros masculino e feminino são construídos em corpo masculinos e femininos. Feministas de fato argumentam que mulheres tem um interesse político comum (em vez de exibirem características comuns), e que mulheres sofrem de uma opressão comum (na qual experienciam de diferentes formas de acordo com outras formas de relações de poder, incluindo raça e classe), e que os corpos de mulheres são o local para muito dessa opressão, mas isso não é argumentar que a categoria mulher é uma categoria indiferenciada. É somente argumentar que tão logo mulheres são oprimidas como mulheres, existe a necessidade de uma identidade política comum, de forma a se organizarem efetivamente para resistir a essa opressão.
– O feminismo radical é comprometido em mudar o sistema de gênero, em desafiar a opressão em todas as suas formas. Nós, portanto, não temos nenhum investimento em sermos fora-da-lei, que vem de uma noção romantizada da opressão. Além disso, se sentir oprimido não é o mesmo que ser oprimido. De forma a celebrar sua identidade como um fora-da-lei, você deve ter um investimento no sistema que faz com que você seja um fora-da-lei. O queer me parece abranger as mais extremas vítimas do sistema de gênero, e criar um guarda-chuva que cobre aqueles que são relutantes foras-da-lei sociais (usualmente dos grupos mais pobres e privados de direitos da sociedade, com nenhum amortecedor contra o preconceito social – ou seja, aqueles que são foras-da-lei sem escolha) e aqueles para o qual brincar de ser um fora-da-lei é um jogo de privilégio intelectual ao invés de realidade duramente vivida.
– O queer é, por sua própria definição, tudo o que está em desacordo com o normal, o legítimo, o dominante. O queer, então, demarca “não uma positividade, mas um posicionado vis-à-vis ao normativo”. Segue-se a isso que a política queer não tem objetivos políticos particulares, à parte de desafiar os discursos normativos dominantes e, se eles mudam, a política queer deve então ter que mudar sua posição em oposição ao que quer que seja atualmente normativo. Não está claro para mim, então, quais são seus objetivos políticos específicos.
– O queer abrange uma ampla matriz de identidade e práticas sexuais não-normativas, incluindo algumas que são heterossexuais: “Sadismo e masoquismo, prostituição, inversão sexual, transgeneridade, bissexualidade, assexualidade, intersexualidade são vistos pelos teóricos queer como oportunidades de investigação entre as diferenças de classe, raça e etnicidade, e como oportuniddes de reconfigurar compreensões do prazer e desejo.” Por exemplo, Pat Califia, em Feminism and Sadomasochism, escreve sobre como o sadomasoquismo encoraja à fluidez, e questiona a naturalidade das dicotomias binárias da sociedade:

A dinâmica entre o superior e o inferior é bastante diferente da dinâmica entre homens e mulheres, negros e brancos ou pessoas da classe alta e trabalhadora. Este sistema é injusto porque ele designa privilégio baseado em raça, gênero e classe social. Durante um encontro sadomasoquista, papéis são adquiridos e usados de formas muito diferentes. Se você não gosta de ser um superior ou um inferior, você muda. Tente fazer isto com seu sexo biológico ou raça ou seu status socioeconômico.

– Esse ponto de vista posiciona esses estudiosos da teoria queer em conflito com a visão feminista radical de que sadomasoquismo, prostituição e pornografia são todas práticas opressivas.
– O feminismo radical argumenta que todas as diferenças de poder são sexualizadas, incluindo aquelas construídas através de raça e etnicidade, classe e incapacidade, e que a pornografia e a indústria do sexo como um todo é uma das manifestações mais claras e mais perniciosas disso – diferença de poder erotizado é o negócio da pornografia, e isso é feito em corpos reais, não na imaginação do consumidor. Além disso, devemos ser claros sobre o prazer e desejo de quem estamos falando – em uma indústria baseada na exploração sexual e abuso. O sadomasoquismo foi sujeito de muitos debates acalourados no interior do feminismo nos 1980s e, aqui, novamente, o feminismo radical não viu nada de novo ou radical sobre recriar a dinâmica de dominação e subordinação – já prevalecente dentro da heterossexualidade – no interior de relações não-heteronormativas. Todo esse fenômeno, adotado como anti-heteronormativo (pela política queer), já está incluído pelo patriarcado, então não existe grande revolução aqui. Feministas radicais buscam não meramente desafiar, mas desmantelar as estruturas do patriarcado; o desafio que o queer oferece à cultura normativa é uma provocação sem nenhum objetivo político em desmantelar o normativo, do qual, por sua própria definição, dele depende para sua existência como uma posição oposta. Parece que o queer não está, assim, tentando buscar a libertação do sistema de diferença de gênero, mas simplesmente buscando tomar liberdades com ele.
– De forma a mudar o sistema social que cria a diferença de gênero como nós conhecemos, você deve consignar as estruturas subjacentes que produzem e sustentam a diferença de gênero – e você deve buscar erradicar o próprio gênero.
– Sem o gênero, sem a diferença de poder, a sexualidade pode ser simplesmente a expressão de desejo entre sujeitos iguais. (Veja a citação de Sue no folheto.)
– No início desta conversa, Debbie citou Shulamith Firestone e, por isso, parece totalmente apropriado para mim concluir retornando ao argumento central do “The Dialectic of Sex”, um que encapsula a abordagem feminista radical do gênero: “A tarefa intelectual e teórica do feminismo é compreender o gênero como um sistema de cria e mantém a desigualdade. A tarefa política do feminismo é erradicar o gênero.”

Fonte:
CAMERON, Debbie; SCANLON, Joan. Talking about gender. Trouble & Strife. Disponível em: <http://www.troubleandstrife.org/new-articles/talking-about-gender>.