Escrito – Comportamentos e Atitudes Racistas

Comportamentos e Atitudes Racistas
Joan Olsson

· Escrito

– Não enxergo cor
– O Indivíduo Batalhador e a Teoria da Força de Vontade
– Racismo Inverso
– Coloque a Culpa na Vítima
– Inocência por Associação
– O Cavalheiro Branco ou @ missionári@ branc@
– A Isenção Branca
– Eu Fui um Índio Numa Vida Passada
– O Isolacionista
– Desdobrar-se Para Concordar
– Mas E Eu?
– Ensine-me, Por Favor
– Branco Sobre Outro Branco, E Com Tom Moralista
– O “Certificado de Inocência”
– Estratégias Para Disfarce

Tradução – Sexo Não é Trabalho e Nossos Corpos Não Estão à Venda

Sexo Não é Trabalho e Nossos Corpos Não Estão à Venda
Ruchira Gupta

· Versão original
· Arquivo PDF

Esse discurso foi proferido por Ruchira Gupta em 1º de julho de 2010 no 4º “World Forum on Human Rights” em Nantes, França. Ruchira Gupta é a fundadora e presidenta da “Apne Aap Women Worldwide”, uma organização de base que ela fundou em 2002, que trabalha na questão do tráfico humano e os direitos das mulheres. Gupta trabalhou por 25 anos pelos direitos de mulheres e garotas, especialmente para a abolição da prostituição e tráfico sexual. Hoje, Apne Aap tem impacto na vida e nos meios de subsistência de milhares de mulheres e crianças. Participe e apóie os empenhos da Apne Aap. Contato: Apne Aap International, 250 West 57th St., Suíte 1527, New York, NY 10107, 646-233-3064 ou D-56, terceiro piso, Anand Niketan, New Delhi-110021, Índia, fone: +91 11 24110056/ 46015940, e-mail: contact@apneaap.org, www.apneaap.org.

“A prostituição não é trabalho.”

Namaste. Eu trago saudações de 10 mil e 72 garotas e mulheres que são membras da minha organização, Apne Aap, na Índia. Muitas delas são vítimas e sobreviventes da prostituição. Eu trago uma mensagem delas para a conferência, visto que debatemos o reforço do direito do trabalho num período de crise econômica.
As mulheres da Apne Aap solicitam a todos/as os/as ativistas pelos direitos humanos a não aceitar sua exploração como trabalho. Elas solicitam a nós a rejeitarmos a normalização de sua exploração sexual por aqueles que dizem que isso é uma escolha. Elas dizem que sua prostituição e seu tráfico sexual não são uma escolha, mas uma falta de escolha. Elas não escolheram terem nascido pobres, de casta baixa ou mulheres. Membras da Apne Aap decidiram utilizar o termo “mulheres na prostituição” para adultas e o termo “crianças prostituídas” ao invés de “crianças prostitutas ou crianças trabalhadoras do sexo” para garotas e garotos.
Membras da Apne Aap sentem que:

1. O termo “trabalhadora do sexo” esteriliza a inerente natureza exploradora da prostituição e invalida as experiências traumáticas das mulheres de subjugação, degradação e dor.
2. O termo “trabalhadora do sexo” naturaliza e torna aceitável na sociedade a exploração de mulheres ou crianças.
3. O termo “trabalhadora do sexo” torna conveniente para diferentes Estados e governos a ignorarem as políticas estruturais, sociais, econômicas e políticas que forçam as mulheres à prostituição.
4. Muitas vezes, governos, legisladores e consumidores de sexo prostituído argumentam que as mulheres escolhem a prostituição como uma escolha de ocupação ao invés de trabalharem em fábricas, servidão doméstica ou outras formas de trabalho rígido ou mal pago. Eles esquecem, ou escolhem tornar invisível, que, para mulheres, outras opções foram limitadas em termos de empregos altamente remunerados (especialmente quando falta educação superior ou maridos/pais decidem ter controle sobre o tempo de uma mulher), e a prostituição e a pornografia restam enquanto ocupações altamente remuneradas disponíveis para mulheres. Eles recusam-se a olhar ou reexaminar o fato de que as políticas econômicas e sociais tornam indisponíveis para mulheres outros empregos lucrativos e que a discriminação de gênero e a segregação ocupacional direcionam as mulheres para determinados empregos.
5. O termo “trabalhadora do sexo” categoriza a prostituição como um tipo de trabalho. Elas dizem que a prostituição não pode ser categorizada como trabalho (mesmo trabalho exploratório em fábricas ou servidão doméstica) porque dissocia a própria pessoa da atividade. Ela sempre envolve penetração do corpo ou invasão dele. Para lidar com a experiência, muitas membras da Apne Aap separam-se emocionalmente de seus corpos – efetivamente segmentando a si mesmas, ou entrando em experiências extracorpóreas. Portanto, além de se arriscarem com doença ou morte, elas sofrem do profundo trauma psicológico da alienação de seus próprios corpos.

Enquanto movimentos trabalhistas podem e efetivamente garantem determinados critérios e condições mínimas para trabalhadores, fornecendo energia e tempo necessário para o trabalhador ser um ser humano realizado, a prostituição inerentemente não pode assim ser. Eu mencionarei quatro pontos aqui:

a. Todos os movimentos trabalhistas lutam por salários mínimos. Na prostituição não existem salários mínimos garantidos, pois o preço de uma mulher diminui com a idade e tempo de noite e, às vezes, localização. Além disso, no sexo estabelecido no bordel não existem tais coisas como salários mínimos. Durante os primeiros 5 anos, o dono do bordel possui a mulher ou criança e a mantém como uma cativa escrava. Durante os próximos 5 anos, ela pode dar metade do que ela ganha e, mais tarde, ela é permitida a manter tudo o que ela ganhar, mas sua capacidade de obter diminui.
b. Todos os movimentos trabalhistas aspiram por certas condições mínimas de trabalho. Na prostituição, todas as mulheres enfrentam violência que não pode ser legislada, porque estão, em última instância, sozinhas com o comprador do sexo prostituído. Em um legalizado bordel de luxo na Austrália, por exemplo, os quartos estão equipados com botões de pânico, mas um fanfarrão relata que as chamadas de mulheres por ajuda nunca podem ser respondidas rápido o suficiente para prevenir violência por homens que buscam sexo prostituído, que ocorrem regularmente. Tanto na prostituição de bordéis quando na ausência dele, as mulheres são forçadas a acelerar o processo de ganhar mais dinheiro ao prestar serviço e aumentar o número de compradores, às vezes até 20. Ainda, elas são forçadas a providenciar todos os tipos de serviços e atividades de alto risco como sexo sem proteção, porque, na maioria das vezes, elas não estão em qualquer posição em que possam negociar. Elas são mantidas presas em bordéis, não têm acesso a assistência médica ou educação e frequentemente são vendidas quando ainda crianças. Suas crianças brincam no chão enquato elas prestam serviços a seus compradores. Elas vivem em quartos pequenos com janelas gradeadas, terminam com insônia, abortos repetidos, icterícia, queimaduras de cigarro, HIV, AIDS e trauma. E enquanto algumas dessas condições podem ser reguladas no sexo estabelecido em bordéis, elas não podem ser reguladas no sexo de rua, absolutamente. Taxas de mortalidade na prostituição são altas devido à violência sexual, doenças sexualmente transmissíveis como HIV e AIDS, abortos repetidos e tentativas de suicídio relacionados ao trauma psicossocial. A idade média de uma mulher na prostituição na Índia é agora de 35 anos.
Em Kolkata, eu conversei com um grupo de mulheres que tinha pedido pela sindicalização da prostituição para garantir direitos das trabalhadoras. Todas as membras que eu entrevistei admitiram enfrentar violência quando estão sozinhas com o cliente. “A cama estava coberta de sangue.” “Ele apagou as pontas dos cigarros nos meus seios.” “Eles pagaram por isso, nós não podemos parar.” Um médico trabalhando para este grupo disse-me que ele partiu depois de ter que costurar a vagina de uma garota nepalesa de quinze anos pela terceira vez.
c. Todos os movimentos trabalhistas trabalham para garantir direitos de aposentadoria como uma pensão de velhice. A prostituição não pode garantir benefícios de velhice porque como não há nenhum empregador definido na prostituição de rua e bordéis, a mulher e a criança é frequentemente vendida de novo e de novo de um dono de bordel para outro. Na prostituição, quanto mais velha fica uma mulher, menos ela é capaz de adquirir um salário e, muitas vezes, acaba nas ruas, sem salário, com uma doença instalada em seu corpo e com algumas crianças. Na Alemanha e em uma área perto de Las Vegas nos EUA onde a prostituição foi legalizada e as agências do governo tentaram realizar requerentes a benefícios de desemprego, mostram que elas tinham tentado encontrar “trabalho” na assim chamada “indústria da hospitalidade” da prostituição a fim de se tornarem elegíveis a tais benefícios.
d. Definitivamente e mais importante para os movimentos trabalhistas é a questão da dignidade do trabalhador. Movimentos trabalhistas têm assegurado que mineiros não tenham que rastejar em minas, mas andar eretos. No entanto, na prostituição, a mulher ou a criança é constantemente humilhada fisicamente, emocionalmente e psicologicamente. Seu preço é constantemente negociado com a chegada da noite ou à medida que ela fica mais velha. Ela é forçada a sexualizar seu corpo por um período de tempo e então desexualizá-lo novamente em outro momento.

O termo “trabalhadora do sexo” dá a falsa impressão de agência e escolha exercitada pela mulher e a criança na prostituição. As experiências de vida das membras da Apne Aap revelam que a escolha e a agência na prostituição, referida em alguns círculos políticos, é a escolha permitida pelo explorador em uma situação exploratória como nos tempos da escravidão. Nós podemos examinar o exercício da escolha no círculo de vida de uma mulher na prostituição durante um período de 20 anos de quando ela tem 15 anos até quando ela tem 35. Essa é uma projeção esperançosa, dado que a maior parte das membras da Apne Aap diz que o período de tempo normal que o corpo de uma mulher pode lidar com a prostituição é não mais que dez anos.
– Os primeiros cinco anos (15-20): Nesse período, garotas sequestradas, roubadas, enganadas, vendidas e atraídas são trancadas em pequenos quartos com janelas gradeadas, somente levadas para fora pela dona do bordel para que sirva até 15-20 compradores de sexo prostituído toda noite. A elas é servida somente uma refeição ao dia, fornecidas algumas roupas e artigos de higiene pessoal, mas a elas não é dado nenhum dinheiro que o comprador paga por elas. Elas se encontram em condições análogas à escravidão e não possuem escolha. Em toda conversa com elas, elas falam sobre querer voltar para casa.
– Os segundos cinco anos (20-25): Existe um período de socialização no interior dos bordéis e às mulheres lhes é ensinado a serem dependentes de drogas e álcool. As donas dos bordéis igualmente se certificam de que elas tenham uma ou duas crianças para que, assim, a mulher não pense em voltar para casa nunca mais. Nesse período, a mulher é permitida pela dona do bordel a manter metade do que elas ganham. As memórias de casa se tornam vagas devido à violência repetida e o trauma psicológico, e elas passam a sofrer da Síndrome de Estocolmo, onde as pequenas misericórdias dispensadas pelo sequestrador pareçam de grande importância. Com crianças, sofrendo de depressão e doenças, elas não enxergam uma maneira de sair. Nesse período, ao serem perguntadas, as mulheres dirão que querem permanecer nos bordéis e não querem ir para casa.
– Os terceiros cinco anos (25-30): Depois de dez anos de abuso físico, desnutrição e dependência de drogas e álcool, a capacidade de ganho da mulher reduz. Compradores de sexo prostituído procuram por meninas mais jovens. A elas lhes são permitidas manter todos os seus ganhos, mas esses ganhos são reduzidos e as necessidades das crianças aumentam. Nesse período, elas querem largar a prostituição, mas não possuem as habilidades de vida ou a saúde física para assim fazer. Elas não possuem escolha.
– Os quartos cinco anos (30-35): Nesse período, a mulher não tem compradores de sexo prostituído, nenhuma renda; possuem duas ou três crianças e doenças instaladas em seus corpos. Elas são jogadas para fora dos bordéis e terminam na calçada. Elas não conseguem dispor de sequer uma refeição ou até mesmo acesso a um banheiro. Elas não possuem opções e são forçadas a morrer nas ruas. Num período de 20 anos, mulheres falam sobre quererem exercitar a escolha de permanecer na prostituição por pelo menos cinco anos. E mesmo esse exercício de escolha ou agência é numa situação na qual mulheres sentem que não possuem outras opções e tentam fazer o melhor do que há.

Portanto, membras da Apne Aap não utilizam o termo “trabalhadora do sexo”. Elas estão em meio à uma heróica luta com nosso governo e algumas fundações internacionais para alterar a lei anti-tráfico indiana para punir aqueles que as exploram e remover todos os artigos na lei que punam vítimas sob acusação de aliciamento.
Na execução desta campanha, a Apne Aap Women Worldwide deparou-se com alguns interesses instalados. Ironicamente, essa oposição tem incluído muitos projetos de administração financiados por fundações internacionais que trabalham em áreas de prostituição e contratam cafetões e organizadores de bordéis como “educadores pareados” para obterem fácil acesso aos bórdeis com o propósito de distribuir preservativos. Eles fecham os olhos para as meninas pequenas e mulheres adultas mantidas em um sistema de escravidão e controle, que não podem dizer não para o sexo indesejado e muito menos sexo desprotegido. Eles estão mais interessados em proteger compradores masculinos de sexo prostituído de doenças do que proteger mulheres e garotas dos compradores. Essas são as mesmas soluções que as potências colonialistas usaram para controlar a sífilis nos séculos XVIII e XIX.
Os novos desafios colocados pela crise econômica num período de crescente neoliberalismo são os de que nós estamos sendo convidadas a aceitar mais uma vez a legitimidade da exploração como trabalho. Nós somos informadas que, se escolhemos por sermos exploradas, então não estamos sendo exploradas. Nós nunca fomos ditas que uma escolha deve ao menos possuir duas opções. Nós então somos convidadas a reconhecer e nos sentirmos empoderadas ao encontrar a “agência” no interior da exploração. Nós somos ditas que a prostituição é inevitável e nós devemos aceitá-la e negociar para mitigar suas circunstâncias.
Quando um problema é muito grande e lucra um grupo poderoso, existe uma honrada tentação de varrê-lo para debaixo do tapete ao supor que ele é inevitável. Isso é verdadeiro na escravidão até o movimento abolicionista do século XIX e do colonialismo até o contágio dos movimentos de independência no século XX.
Agora, essas mesmas forças estão no trabalho de atitudes em direção às realidades globais e nacionais da escravidão sexual. O maior normalizador de lucrar com o arrendamento, venda e invasão de corpos humanos é a ideia de que ele é muito grande para combater, que sempre existiu e que pode ser varrido para debaixo do tapete legalizando-o e simplesmente o aceitando. Aqueles que lucram – nesse caso, a rede global de traficantes do sexo, operadores de turismo sexual e donos de bordéis – são a maior força por trás do argumento de legalizar e aumentar os lucros que já competem com aqueles do tráfico global de armas e de drogas. Como com a escravidão e o colonialismo do passado, esse argumento possui força com aqueles que, no poder, estão tão distantes da realidade que eles não sabem as consequências, assim como aqueles mesmos que lucram com isso, quer seja economicamente, politicamente, ou como homens viciados em domínio.
O que irá diminuir e encerrar essa injustiça? Expor sua realidade: a falta de alternativas para aquelas que são prostituídas; o vício e a incapacidade de empatia em meio àqueles que criam a demanda e os resultados uniformemente desastrosos, quer a venda ou o arrendamento de seres humanos para propósitos sexuais tenha sido legalizada e normalizada.
Obrigada.

Fonte:
GUPTA, Ruchira. Sex is Not Work and Our Bodies Are Not for Sale. Disponível em: < http://www.rainandthunder.org/RuchiraGuptaSpeech.pdf>.

Tradução – É Como se Você Assinasse um Contrato Para ser Estuprada

É Como se Você Assinasse um Contrato Para ser Estuprada
Julie Bindel

· Versão original
· Arquivo PDF

Se você acreditar nas Relações Públicas deles, os bordéis legalizados de Nevada são seguros, saudáveis – até mesmo divertidos – lugares nos quais trabalhar. Por que então tantas prostitutas contam tais horríveis histórias de abuso? Julie Bindel conta.

Existe somente um lugar nos EUA onde bordéis são legalizados, e este lugar é Nevada – um estado no qual a prostituição tem sido considerada uma necessária indústria de serviços desde o tempo em que o local era povoado apenas por prospectores. Existem pelo menos 20 bordéis legais em atividade no momento. Não muitos, você pode pensar, mas essas operações sancionadas pelo estado pungem mais do que pode-se esperar em termos de Relações Públicas.
Tome a famosa série de documentário da HBO, Cathouse, que apresenta o mais famoso dos bordéis de Nevada, o Moonlight Bunny Ranch. Sintonize e você seria perdoado/a por pensar que todas as prostitutas em Nevada estão em um bom negócio. As mulheres falam timidamente sobre amar seus trabalhos, seus clientes, seus patrões. “A série lança luz não somente nos inúmeros desafios e alegrias de trabalhar num bordel legal”, diz o website da HBO, “mas nos benefícios terapêuticos que os clientes levam consigo depois de uma temporada no Ranch”.
Dada tão grande Relação Pública, um novo livro – Prostitution and Trafficking in Nevada: Making the Connections – faz-se uma interessante leitura. Durante uma investigação de dois anos, a autora, Melissa Farley, visitou oito bordéis legais em Nevada, entrevistando 45 mulheres e uma série de donos de bordéis. Longe de desfrutar de melhores condições do que aquelas que trabalham ilegalmente, as prostitutas com quem ela fala são frequentemente sujeitas a condições análogas à escravidão.
Descritas como “penitenciárias de buceta” por uma pessoa entrevistada, os bordéis tendem a se localizar no meio do nada, longe da vista de ordinários/as habitantes de Nevada. (Bordéis são oficialmente permitidos somente em municípios com populações inferiores a 400.000, então a prostituição permanece um ilegal – embora vasto – tráfico em conurbações como Las Vegas) As prostitutas de bordel frequentemente vivem em condições semelhantes à de uma prisão, trancadas ou proibidas de saírem.
“A aparência física desses prédios é chocante”, diz Farley. “Eles se parecem com grandes trailers com arame farpado ao seu redor – pequenas prisões”. Todos os quartos possuem botões de pânico, mas muitas mulheres disseram a ela que elas tiveram experimentado abuso violento e sexual dos clientes e dos proxenetas.
“Eu vi uma porta de ferro gradeada em um bordel”, diz Farley. “A comida das mulheres era empurrada através das barras de aço da porta entre a cozinha e a área do bordel. Um proxeneta fez passar fome uma mulher que considerava muito gorda. Ela fez uma amizade fora do bordel e essa pessoa atiraria comida por cima da cerca para ela”. Outro proxeneta contou a Farley com naturalidade que muitas mulheres trabalhando para ele tinham histórias de abuso sexual e doenças mentais. “A maioria”, disse ele, “foram abusadas sexualmente quando crianças. Algumas são bipolares, outras são esquizofrênicas”.
Então existe o fato de que prostitutas legais parecem perder os direitos que cidadãos normais desfrutam. A partir de 1987, prostitutas em Nevada têm sido legalmente requeridas a serem testadas uma vez por semana por doenças sexualmente transmissíveis e mensalmente por HIV. Clientes não são requeridos a serem testados. As mulheres devem apresentar seu apuramento médico à delegacia de polícia e terem tiradas suas digitais, apesar de tal registro ser danoso: se uma mulher é reconhecida por trabalhar como prostituta, ela pode ter o seguro de saúde negado, enfrentar discriminação em obter uma habitação ou em um futuro emprego, ou suportar acusações de ser imprópria à maternidade. Em adição, existem países que não irão permitir prostitutas registradas a se assentarem, logo, seus movimentos são severamente restringidos.
Aqueles que apóiam o sistema alegam que as regulações podem ajudar a prevenir a cafetinagem, o que eles vêem como uma pior forma de exploração àquela na qual ocorre em bordéis. De acordo com a pesquisa de Farley, porém, a maior parte das mulheres em bordéis legais possui proxenetas fora, sejam eles maridos ou namorados. E, como Chong Kim, uma sobrevivente da prostituição que tem trabalhado com Farley, disse, alguns dos donos dos bordéis legais “são piores do que qualquer proxeneta. Eles abusam e aprisionam mulheres e estão inteiramente protegidos pelo Estado”.
Esperam que as mulheres vivam nos bordéis e trabalhem em turnos de 12 a 14 horas. Mary, uma prostituta em um bordel legal por três anos, delineia as restrições. “Você não é permitida a ter seu próprio carro”, observa ela. “É como [os proxenetas] possuírem uma pequena posição de polícia”. Quando um cliente chega, um sino toca, e as mulheres imediatamente devem se apresentar em ordem, para que ele possa escolher quem comprar.
Xerifes em alguns municípios de Nevada ainda aplicam práticas que são ilegais. Em uma cidade, por exemplo, prostitutas não são permitidas a deixarem o bordel depois de 5 da tarde, não são permitidas em bares, e, se entrarem em um restaurante, devem usar a porta dos fundos e ser acompanhada por um homem. Então como Farley obteve acesso a suas entrevistadas? Aqueles no controle das mulheres estavam confiantes que elas não seriam honestas sobre suas condições, ela diz. “Proxenetas adoram se vangloriar, e eu sei como ouvir”, ela adiciona. Mesmo deixada sozinha com as mulheres durante as entrevistas, Farley notou que elas estavam todas muito nervosas, constantemente em busca dos proprietários dos bordéis.
Investigar a indústria do sexo – mesmo a parte legal – pode ser perigoso. Durante uma visita a um bordel, Farley perguntou a um proprietário o que as mulheres pensavam sobre seu trabalho. “Eu fui educada”, escreve ela em seu livro, “enquanto que ele explicou de forma condescendente quão satisfatório e lucrativo o negócio da prostituição era para suas ‘moças’. Eu tentei manter meus músculos faciais inexpressíveis, mas eu não obtive sucesso. Ele sacou um revólver de sua cinta, apontou-a para a minha cabeça e disse: ‘Você não sabe de nada sobre a prostituição em Nevada, moça. Você nem sabe sequer se eu irei assassiná-la nos próximos cinco minutos’”.
Farley descobriu que os proprietários dos bordéis tipicamente apropriam-se de metade dos ganhos das mulheres. Adicionalmente, as mulheres devem pagar gorjetas e outras taxas aos funcionários do bordel, assim como taxas de corretagem aos motoristas de táxi que trazem os clientes. Espera-se também que elas paguem por seus próprios preservativos, lenços úmidos e a utilização de lençóis e toalhas. É raro, as mulheres disseram a Farley, recusar um cliente. Um antigo funcionário de bordel em Nevada escreveu em um website: “Depois de bilhetes de avião, vestuário, bebidas a preço integral e outras diversas taxas você sai com pouco. Ainda por cima, você está… Multada por quase tudo. Adormeça em seu turno de 14 horas e ganhe uma multa de $100 [£50], atrasada para se apresentar em sequência, $100-500 em multas”. (As mulheres geralmente negociam diretamente com o homem sobre o dinheiro; o que elas ganham depende da qualidade do bordel. Pode ser qualquer coisa desde $50 por sexo oral a $1.000 pela noite, mas isso não tem em conta o corte do bordel)
Farley encontrou uma “chocante” carência de serviços para as mulheres querendo sair da prostituição em Nevada. “Quando a prostituição é considerada um trabalho legal ao invés de uma violação aos direitos humanos”, diz Farley, “por que deveria o Estado oferecer serviços para escapar?”. Mais de 80% daquelas entrevistadas disseram a Farley que elas queriam largar a prostituição.
O efeito disso tudo nas mulheres dos bordéis é “negativo e profundo”, de acordo com Farley. “Muitas estavam sofrendo o que eu descreveria como os efeitos traumáticos do abuso sexual em curso, e aquelas que estiveram em bordéis por algum tempo foram institucionalizadas. Isso é, elas eram passivas, tímidas, complacentes e profundamente resignadas”.
“Ninguém realmente aprecia ser vendido/a”, diz Angie, a quem Farley entrevistou. “É como se você assinasse um contrato para ser estuprada”.
Enquanto isso, bordéis ilegais estão em crescimento em Nevada, como eles estão em outras partes do mundo onde bordéis são legalizados. A indústria da prostituição ilegal de Nevada já é nove vezes maior que os bordéis legais do estado. “Legalizar esta indústria não resulta no fechamento de estabelecimentos sexuais ilegais”, diz Farley, “meramente os dá permissão adicional para existirem”.
Farley encontrou evidência, por exemplo, que a existência de bordéis sancionados pelo estado pode ter um efeito direto em atitudes às mulheres e à violência sexual. Sua pesquisa com 131 homens jovens na Universidade de Nevada constatou que a maioria via a prostituição como normal, presumido que não era possível estuprar uma prostituta, e eram mais prováveis que homens jovens de outros estados a usar mulheres tanto na prostituição legal quanto ilegal.
A solução, acredita Farley, é educar as pessoas sobre as realidades do abuso legalizado de mulheres. “Uma vez que as pessoas aprenderem sobre o sofrimento [de prostitutas] e a angústia emocional, e a falta delas de direitos humanos, elas, como eu, serão persuadidas de que a prostituição legal é uma instituição que não pode ser somente ajustada ou ser feita de uma melhor forma. Ela deve ser abolida”. A atitude prevalecente em Nevada, embora, permanece como era há alguns séculos – que os homens têm “necessidades” sexuais que eles têm o direito de realizar. Fora de um dos bordéis legais, pode ser visto em um letreiro: “Aquele que hesita, se masturba”.

– Alguns nomes foram alterados.

Fonte:
BINDEL, Julie. It’s like you sign a contract to be raped. The Guardian, 2007. Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/2007/sep/07/usa.gender>.

Escrito – Dez Razões Para a Prostituição Não Ser Legalizada

Dez Razões Para a Prostituição Não Ser Legalizada
Janice G. Raymond

· Escrito

1. A legalização/descriminalização da prostituição é um presente aos proxenetas, traficantes e à indústria do sexo.
2. A legalização/descriminalização da prostituição e a indústria do sexo promovem o tráfico sexual.
3. A legalização/descriminalização da prostituição não controla a indústria do sexo. Ela a expande.
4. A legalização/descriminalização da prostituição aumenta a prostituição clandestina, oculta, ilegal e de rua.
5. A legalização da prostituição e a descriminalização da indústria do sexo aumentam a prostituição infantil.
6. A legalização/descriminalização da prostituição não protege a mulher na prostituição.
7. A legalização/descriminalização da prostituição aumenta a demanda por prostituição. Ela impulsiona a motivação dos homens em comprar mulheres por sexo em uma escala muito mais ampla e permissiva de definições socialmente aceitáveis.
8. A legalização/descriminalização da prostituição não promove a saúde das mulheres.
9. A legalização/descriminalização da prostituição não aumenta a escolha das mulheres.
10. Mulheres no sistema da prostituição não querem a indústria do sexo legalizada ou descriminalizada.

Tradução – Liberalismo Sexual e Reprodutivo

Liberalismo Sexual e Reprodutivo
Janice G. Raymond

· Versão original
· Arquivo PDF

Era uma vez, no início desta onda do feminismo, existia um consenso de que as escolhas das mulheres eram construídas, sobrecarregadas, emolduradas, debilitadas, constrangidas, limitadas, coagidas, formatadas, etc. pelo patriarcado. Ninguém propôs que isso significasse que as escolhas das mulheres são determinadas, ou que as mulheres eram passivas ou vítimas desamparadas do patriarcado. Isso era porque muitas mulheres acreditavam no poder do feminismo para mudar as vidas das mulheres e, obviamente, as mulheres não poderiam mudar se elas fossem socialmente determinadas nos papéis ou fossem massas maleáveis nas mãos dos patriarcas. Nós até falamos sobre maternidade compulsória e, sim, heterossexualidade compulsória! Nós falamos sobre as maneiras nas quais mulheres e jovens garotas eram calejadas na prostituição, acomodando a si mesmas no espancamento masculino, e eram canalizadas em empregos mal pagos e sem saída. E a mais moderada entre nós falou sobre a socialização do papel sexual. As mais radicais escreveram manifestos detalhando a construção patriarcal da opressão das mulheres. Mas a maioria de nós concordava que, chameo-o como quiser, as mulheres não estavam simplesmente “livres para ser eu e você”.
O tempo passou, e veio acoplada essa visão mais “matizada” do feminismo. Ela nos disse para prestarmos atenção à nossa linguagem de mulheres como vítimas. Mais mulheres foram para escolas profissionais e de graduação, tornarnaram-se “mais inteligentes”, foram recebidas no tribunal, foram para a academia, e se tornaram especialistas em indispostos tipos de campos. Elas compartilharam do poder que os deuses masculinos tinham criado e “viram que isso era bom”. Elas começaram a dizer coisas como “… Um grande cuidado necessita ser tomado para não retratar mulheres como incapazes de decisões responsáveis” (Andrews, 1987: 46).
Algumas mulheres acreditaram serem estas palavras familiares, que elas haviam as ouvido antes, mas as analistas do discurso feminista não pareciam particularmente interessadas em registrar o retorno ao que as feministas “antiquadas” classificaram como o discurso liberal patriarcal. Elas disseram que isso era chato e fora de moda e, além do mais, as mulheres já ouviram o suficiente disso, e era depressivo. Não vamos ser simplistas e culpar os homens, elas disseram, uma vez que essa análise “oferece tão poucos pontos de alavancagem para a ação, tão poucos pontos de entrada imaginativos por visões de mudança” (Snitow e outro/as, 1983: 30). Ao invés dsso, elas começaram a falar sobre as “Reprodutoras Felizes”, as “Prostitutas Felizes”, as “mulheres que amavam isso” e aquelas que amariam isso se elas pudessem somente ter “a liberdade e o espaço socialmente reconhecido para apropriar para si mesmas a robustez do que tradicionalmente tem sido linguagem masculina” (FACT. 1985:31).
Isso era familiar também, mas então algo de estranho aconteceu. Aquelas mulheres que haviam notado o fio de continuidade entre o discurso liberal patriarcal e o feminismo FACT [1], por exemplo, começaram a notar que, ao invés de mulheres imitando o discurso masculino, os homens começaram a imitar as mulheres. Gary Skoloff, o advogado de Bill Stern em Nova Jersey no caso da maternidade por substituição, resumiu seu argumento de tribunal dizendo: “Se você prevenir as mulheres de se tornarem mães de aluguel e negar-lhes a liberdade de decidir… Você está dizendo que elas não têm a habilidade de fazer suas próprias decisões… Tem sido injustamente paternalista e é um insulto à população feminina dessa nação” (Snyder. 1987). Algumas mulheres sentiram isso. “A imitação é a mais sincera das lisonjas”. Elas começaram a depor em favor de coisas como pornografia e maternidade por substituição para que então pudessem imitar todos os homens que as imitavam. Ficou difícil dizer quem estava imitando quem.
E os legisladores do Estado começaram a apresentar projetos de lei advogando contratos de aluguel, com regulações devidas, é claro, que em sua maior parte protegiam o doador de esperma e as agências corretoras, porque o feminismo era de melhor interesse dos homens e, finalmente, os homens se deram conta disso. É como os humanistas feministas tiveram sempre dito: que a libertação das mulheres significa a libertação dos homens.
Harvey Sorkow, o deslocamento na decisão inicial do “Bebê M”, viu que Bill Stern, o doador de esperma, foi dominado com o “intenso desejo” de procriar e até mesmo disse que isso estava “no interior da alma”. Ele disse que o argumento feminista que um “grupo de pessoas superiores da elite econômica irá usar o grupo econômico inferior de mulheres para ‘fazer seus bebês’” era “insensível e ofensivo” para os Bill Sterns deste mundo. Um próprio homem de sentimento, ele disse que Mary Beth Whitehead era uma “mulher sem empatia”. Ele estava muito preocupado que o Sr. Stern experimentasse seu “cumprimento” enquanto pai, e então ele deu-lhe a Bebê Sara, que o Sr. Stern chamou de Bebê Melissa (“In the Matter of Baby ‘M’”, 1987: 72, 73, 72, 106, 96).
Pouco antes disso, o Procurador-Geral convocou uma Comissão Sobre Pornografia que ouviu um depoimento de mulheres que tiveram sido abusadas na pornografia – “… Uma exibição de vítimas auto-descritas que contam suas tristes histórias por trás de uma tela opaca… Muitos especialistas em ambos os lados da questão dizem que tais contos anedóticos de infortúnio não provam nada sobre o efeito de materiais sexualmente explícitos” (Kurtz, 1985: A4, grifo meu). Isso foi relatado por Howard Kurtz do Washington Post, outro homem de sentimento. Para não ser ultrapassada em sentimento, Carol Vance verteu desdém no testemunho dessas mesmas mulheres ao citar com louvor um homem repórter que iria deslocá-la durante as audiências e dizer “falso testemunho” (Coveney e Kay. 1987: 12).
Vítimas de pornografia escolhem suas próprias camas nas quais deitar. Mary Beth Whitehead escolheu assinar o contrato. Todos/as os homens e as mulheres de sentimento acreditam nisso. É o nosso direito de escolher, o que está em jogo. Poronografia e maternidade por substituição protegem aquele direiro de escolha. Feminismo é FACT; feminismo é a “liberdade procriativa”. Liberdade é liberalismo.

*

Com a “vinda da idade” desta onda particular do feminismo, nós temos visto um deslocamento do radicalismo feminista ao liberalismo feminista. Esse liberalismo feminista é tanto causa quanto efeito da chamada pró-pornografia feminista e dos movimentos libertários sexuais feministas. O liberalismo sexual que tem vindo a ser definido como “feminismo”, nós estamos agora testemunhando novamente na esfera reprodutiva. Existem várias comparações que podem ser feitas entre liberais sexuais e reprodutivos, especialmente em suas reinvindicações da pornografia e das novas tecnologias reprodutivas. Eu quero iluminar uma dessas comparações aqui, especificamente como ambos os grupos utilizam a retórica do “direito à escolha” da mulher. Ambos liberais sexuais e reprodutivos têm investido em um antigo discurso liberal sobre a escolha com um conteúdo novo e supostamente feminista.
Os liberais sexuais estão inconfortáveis em focar as mulheres como objetos e vítimas da supremacia masculina. Eles invocam uma linguagem de ir “além” das maneiras nas quais os homens objetificam, exploram e vitimizam mulheres (não a qualquer realidade de como mulheres sobrevivem por causa de suas ligações com outras mulheres, no entanto). Eles teriam-nos a tomar um “grande passo a frente” nas formas pelas quais as mulheres são agentes de, por exemplo, seus status na pornografia ou seus papéis enquanto representantes de reprodução. Raciocinando que porque as mulheres escolhem a pornografia ou a maternidade por substituição, eles argumentam que as mulheres precisam dessas “escolhas” para serem livres.
O liberalismo feminista sexual e reprodutivo clama por uma visão mais “matizada” das mulheres e do mundo. Esse é um feminismo que representa muitas mulheres como “escolhendo” a prostituição e a maternidade por substituição, enquanto presta uma perfunctória atenção nas formas pelas quais essas “escolhas” são sobrecarregadas pela construção masculina da realidade das mulheres. Além disso, os liberais mantêm isso porque as mulheres supostamente escolhem o acima citado; as feministas deveriam reconsiderar as meneiras pelas quais a prostituição, pornografia e maternidade por substituição não são monoliticamente opressivas, mas podem ser libertadoras para as mulheres. Enquanto o discurso liberal fala da boca pra fora sobre a vitimização das mulheres pela supremacia masculina, ele é “ligado” pela fantasia de que as mulheres agenciam, ou ao menos mediam, a cultura da supremacia masculina. Constante foco nas maneiras pelas quais essa cultura usa e explora mulheres, eles dizem, perpetua uma visão das mulheres incapazes de fazer escolhas.
Nós todos sabemos que, porque as mulheres têm sido constrangidas e influenciadas por um contexto social que promove a pornografia, prostituição e a maternidade por substituição, isso não significa que as mulheres são determinadas por esse contexto social. Mas os liberais sexuais caricaturam as feministas anti-pornografia e anti-maternidade por substituição como subscrevendo uma marca de determinismo social. Os liberais teriam que alguém não pode mais falar sobre constrangimentos ou influências sem cair no determinismo. Esse é um reducionismo conveniente alcançado pelo discurso liberal pelo propósito de valorizar ambos tráfico de corpos de mulheres e troca sexual e reprodutiva.
Lori Andrews soa como o novo/velho discurso liberal da escolha em seus escritos para ambos Associação Americana de Fertilidade [2], em seu relatório recomendando a maternidade por substituição como um “tratamento” para a infertilidade; e em sua política de recomendações e proposta legislativa sobre maternidade de substituição para as “Leis Reprodutivas para os 1990s” para o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres do Rutgers [3]. Note que há um evidente conflito de interesses aqui. Na elaboração do caso em favor da maternidade por substituição para a Associação Americana de Fertilidade, Lori Andrews tem justificado os interesses internos de um grupo médico que promove as novas tecnologias reprodutivas como parte de sua pesquisa e manutenção. Ao escrever para o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres e dos Direitos Reprodutivos, ela está representando um grupo de mulheres que deve abordar preocupações feministas não afetadas pelas prioridades do establishment médico.
Este conluio e conflito de interesses não são surpreendentes, no entanto, quando nós notamos que o maior autor da causa FACT, que opunha-se à determinação anti-pronografia e, na verdade, apoiou a pornografia como necessária à libertação sexual das mulheres, trabalha para a ACLU [4]. Hugh Hefner é um dos maiores contribuidores da ACLU. À medida que as forças pró-pornografia eram financiadas com o dinheiro da pornografia, assim também parece que alguns daqueles que representam a política dos “direitos das mulheres” em defesa das novas tecnologias reprodutivas, especialmente a maternidade por substituição, têm o mesmo status de agentes duplos.
Quanto à retória da escolha, a posição de Lori Andrews nos ensaios do Rutgers soa o tema de que “um grande cuidado necessita ser tomado para não retratar mulheres como incapazes de decisões responsáveis” (Andrews, 1987: 46). Sua ênfase imita a noção de “liberdade procriativa” do jurista John Robertson. Ela caricatura o príncipo básico do feminismo radical em que a escolha ocorre no contexto de uma sociedade onde existem sérias diferenças de poder entre homens e mulheres como “uma presumida incapacidade das mulheres de fazer decisões” (Andrews, 1987:14). Em constraste, Andrews promove uma “tomada de decisão reforçada” para assegurar que as mulheres façam “escolhas informadas e voluntárias para usar as tecnologias reprodutivas”, e uma “participação reforçada das mulheres no desenvolvimento e implementação das tecnologias reprodutivas…” (Andrews, 1987:14). Em uma frase, ela tem deixado as novas tecnologias reprodutivas (NTRs [5]) na porta social como necessárias para uma melhor tomada de decisão. Com mulheres participando no desenvolvimento e implementação das NTRs, com maior acesso à informação e recursos, e com maior controle sobre o uso dessas tecnologias, o objetivo da plena liberdade reprodutiva pode se alcançado, ela diz.
Essa retória da escolha soa familiar, isso é, nós ouvimos isso antes na causa FACT que foi escrita especificamente para opor a lei anti-pornografia de Dworkin-MacKinnon. Por exemplo, a causa ataca a determinação anti-pornografia, porque “isso implica em que mulheres individuais são incapazes de escolher por si mesmas o que elas consideram ser um material sexualmente aprazível sem ser degradada ou humilhada” (FACT, 1985: 4). Ela continua a dizer que a determinação anti-pornografia, porque “isso implica em que mulheres individuais são incapazes de escolher por si mesmas o que elas consideram ser um material sexualmente aprazível sem ser degradada ou humilhada” (FACT, 1985: 4). Ela continua a dizer que a determinação anti-pornografia “perpetua crenças que minam o princípio de que as mulheres são plenas, iguais e ativas em todas as esferas da vida, incluindo a sexual” (FACT, 1985: 18). Portanto, ela ataca a primeira definição legal da pornografia que foi desenvolvida especificamente para abordar as verdadeiras formas nas quais a pornografia prejudica as mulheres. Ela o faz com base em que a definição proposta de pornografia prejudica mulheres mais do que a pornografia em si mesma porque ela implica em que as mulheres são incapazes de escolha.
Em seu papel de informações sobre a maternidade por substituição, Lori Andrews ecoa o mesmo tema. Ela carticatura feministas que apontam para “pressões da sociedade” que constrangem a assim chamada escolha das mulheres a serem mães como negar às mulheres a faculdade de escolha. Como os autores da causa FACT, Andrews adverte que os argumentos feministas contra as NTRs oferecem um protetivismo que ao invés de ajudar as mulheres, em última instância resulta em prejudicá-las. Isso equivale a estereotipar mulheres como vítimas impotentes na opinião tanto de Andrews quanto da FACT.
Expor a vitimização de mulheres por homens é ser culpado por criá-la e por fazer das mulheres, vítimas passivas. Os liberais falham em reconhecer que a vitimização das mulheres pode ser reconhecida sem rotular as mulheres de passivas. Passividade e vitimismo não necessariamente andam juntos. É a equiparação de vitimização com passividade dos liberais. São eles que estebelecem essa equação. Os judeus foram vítimas dos nazistas, mas isso não faz deles passivos, nem a realidade da vitimização definiu a totalidade de sua existência. Parece óbvio que se possa reconhecer que as mulheres são vítimas da maternidade por substituição, pornografia e prostituição sem retirar as mulheres da agência e sem destituí-las de alguma habilidade de agir sob condições opressivas.
A Causa FACT foi tão longe a ponto de dizer que as mulheres têm sido estereotipadas como vítimas pelas leis estatutórias do estupro. “Tais leis reforçam o estereótipo que, no sexo, o homem é o ofensor e a mulher, a vítima, e que jovens homens podem legitimamente envolver-se com sexo, ao menos com pessoas mais velhas, enquanto uma jovem mulher não pode legalmente fazer sexo com ninguém”. (FACT, 1985: 6). No mesmo sentido, ela culpa a Mann Act [6], alegando que ela “baseou-se na noção de que mulheres requerem proteção especial de atividade sexual” (FACT, 1985, 7). A Mann Act foi promulgada para legislar contra o sequestramento de mulheres para a escravidão sexual e especificamente proíbe o transporte interestadual de mulheres com propósitos de prostituição. A causa FACT constata que isso reflete “o pressuposto de que mulheres não tem decisão própria e devem ser protegidas contra si mesmas” (FACT, 1985: 7).
Ao passo que o papel de informações sobre a maternidade por substituição foi além de atacar aqueles que se opunham à maternidade por substituição para defender a mesma, a causa FACT vai além de atacar a posição feminista anti-pornografia para defender a pornografia. Compare essas duas declarações:

As mulheres precisam da liberdade e o espaço socialmente reconhecido para apropriar para si mesmas a robustez do que tradicionalmente tem sido a linguagem masculina (FACT, 1985: 31).

Tradicionalmente, as pessoas têm sido permitidas a participar de atividades de risco (assim como bombeiros) baseado em seus voluntários consentimentos informados. Os riscos em participar em reprodução alternativa não parecem ser maiores do que riscos que as mulheres correm em outras áreas de suas vidas (Andrews, 1987: 11).

Os liberais sexuais e reprodutivos reiteram, quase como um encantamento, que as mulheres não são meramente as vítimas passivas da maternidade por substituição ou os recipientes passivos da pornografia, mas são as agentes de muitos diferentes motivos e práticas nesses cotextos. Novas abordagens, eles dizem, devem dar proeminência às mulheres enquanto agentes nessa “cultura” e as formas pelas quais as mulheres criam, usam e administram a pornografia e a maternidade por substituição com significados não intencionais pelos patriarcas. As mulheres podem ser usadas, mas as mulheres, por sua vez, utilizam a maternidade por substituição e a pornografia em seus próprios interesses. A palavra-chave no dicionário liberal é a agência das mulheres.
Existe uma coisa errada com essa ênfase. Ela constata a evidência da agência das mulheres no interior das várias instituições de pornografia e maternidade por substituição. Ela primariamente localiza a agência das mulheres no interior da “cultura” da dominação masculina. Ela desloca a atenção de uma análise e ativismo objetivada a destruir esses sistemas a uma justificação deles. Ao romantizar a vitimização como libertadora, ela coloca a opressão das mulheres na maternidade por substituição e a pornografia em um pedestal. E, ao fazê-lo, ela encoraja mais mulheres dentro desses sistemas, mais frequentemente. Ela acomoda as mulheres em uma liberdade sexual e reprodutiva na qual a “liberdade” consiste em abrir mão de sua liberdade. Como as mulheres vieram a querer, desejar, escolher o que os homens querem e desejam que nós escolhemos não é parte da agenda liberal. É essa complexidade que o liberalismo feminista mais “matizado” iria simplificar.
Feministas radicais nunca negaram a agência de mulheres sob as condições da opressão. Mas feministas radicais têm localizado a agência das mulheres, a tomada de escolhas das mulheres, em resistência àquelas instituições opressivas, não na assimilação das mulheres a elas. Em lugar algum na literatura liberal feminista mais “matizada” sobre a escolha é a resistência das mulheres à pornografia e à maternidade por substituição salientada como indicações da agência feminina. Que tal a agência de mulheres que têm testemnunhado sobre seus abusos na pornografia, arriscando exposição e escárnio e frequentemente os obtendo? Que tal as ex-mães de aluguel que escolhem lutar por si mesmas e suas crianças em tribunal, contra as demasiadamente maiores vantagens econômicas, legais e psicológicas do doador de esperma? Se nós queremos salientar a agência das mulheres, vamos olhar nos lugares certos.
Liberais feministas estão demandando que as mulheres sejam creditadas com uma capacidade para escolher ponografia ou maternidade por substituição, porque sem esse brilho na realidade das mulheres, elas nunca poderiam reinvindicar essas instituições. Se eles realmente se importassem sobre como as mulheres rompem os padrões opressivos e tradicionais da escravidão sexual e reprodutiva, obrigações e papéis, então eles não encontrariam a evidência no comportamento e ações que mantêm a agência das mulheres restringidas às condições da pornografia e maternidade por substituição.
É interessante ver onde nosso direito em escolher é defendido e onde ele não é. É mais do que coincidência que os liberais não têm defendido a agência das mulheres na criação de uma cultura que desafia o patriarcado, mas têm optado por restringir a sua defesa da agência das mulheres às próprias instituições da pornografia e maternidade por substituição que apoiam a supremacia masculina.
A escolha pela qual feministas radicais defendem é substancial. Nós perguntamos qual o atual teor e significado de escolha que emerge de um contexto de impotência. Tais escolhas como a maternidade por substituição alimentam o empoderamento das mulheres enquanto classe e criam um mundo melhor para as mulheres? Que tipos de escolhas têm as mulheres quando subordinação, pobreza e trabalho degradante são as opções disponíveis “à maioria”? O ponto não é negar que as mulheres sejam capazes de escolher no interior de contextos de impotência, mas questionar quanto poder real essas “escolhas” possuem. Para parafrasear Marx e aplicar aqui suas palavras, as mulheres fazem suas próprias escolhas, mas elas frequentemente não as fazem como gostariam. Elas não o fazem sob condições que elas criam, mas sob condições e constrangimentos que elas são frequentemente impotentes em mudar. Quando Marx proferiu esses pensamentos, ele foi aclamado pelo seu insight político. Quando feministas radicais dizem o mesmo, elas são culpadas por estarem condescendendo com mulheres.
Os liberais sexuais e reprodutivos nos convenceriam de que nossa liberdade está em abdicar nossa liberdade – no caso da maternidade por substituição, a liberdade assegurada de um contrato que “liberta” a assim chamada mãe de aluguel a ser artificialmente inseminada, ser constantemente monitorada medicamente, ser paga somente parcialmente se ela abortar, submeter-se a amniocentese, submeter-se a um aborto se o teste revelar que o feto é geneticamente ou congenitamente anormal ou, inversamente, deter-se de abortar se o feto é normal, seguir fielmente as ordens dos médicos, abster-se de fumar, beber e drogas não autorizadas pelo médico. São essas as liberdades pelas quais as mulheres têm morrido por? É esse o absurdo final de uma palavra e uma realidade de liberdade que perdeu toda a profundidade e poder de sentido?
Se isso é o que a liberdade feminina se reduz, nós não estamos tão longe do mundo que Orwell descreveu em 1984, aonde, em apontar como o pensamento é dependente de palavras, ele deu o exemplo da palavra “livre”, que tinha sido privada de todo o significado político. Deste modo, “livre” poderia somente ser usada em tais declarações como “este cão está livre de piolhos” ou “este campo está livre de ervas daninhas”. “Ela não poderia ser usada em seu significado antigo de ‘politicamente livre’ ou ‘intelectualmente livre’, visto que as liberdades política e intelectual não mais existiam mesmo enquanto conceitos…” (Orwell, 1949: 247). Judge Sorkow e os/as advogados liberais como John Robertson e Lori Andrews os/as quais ele ecoa ao defender a maternidade por substituição como “liberdade procriativa”, somente serve para ainda retirar o conceito e a realidade da liberdade de qualquer sentido político real para as mulheres. Por causa disso, eles/as ajudam a reforçar a noção de que a liberdade feminina está em ter “o direito” de renunciar nossa liberdade, nosso controle sobre nossos corpos.
Existe muita retórica pseudo-feminista da liberdade e escolha que mascara a essencial escravidão da maternidade por substituição. E existe uma manipulação consciente da linguagem e da realidade que ocorre quando defensores da maternidade por substituição usam a retórica da “liberdade procriativa” sabendo que muitas mulheres irão ressoar com esta frase por causa da anterior ênfase feminista na escolha reprodutiva articulada ao redor da questão do aborto. O próprio Judge Sorkow equiparou o “direito” de ser uma mãe de aluguel com o direito de se ter um aborto. A luta feminista por abortos legais era o direito de crontrole sobre nossos corpos. Que não haja nenhum engano sobre isso – maternidade por substituição é o “direito” de abrir mão do controle de nossos corpos. E qualquer um que a isso não entenda deveria ler atentamente o contrato da maternidade por substituição, até mesmo aqueles que têm sido lavados legislativamente para omitir as grosseiras inequidades do acordo Whitehead-Stern.

———————————————————————————————

[1] FACT (Feminist Anti-Censorship Taskforce), grupo atualmente extinto associado a Carole Vance e Ann Snitow. (N. da T.)
[2] American Fertility Association, no original. (N. da T.)
[3] O Relatório da Associação Americana de Fertilidade entitulado “Considerações Éticas das Novas Tecnologias Reprodutivas” (questão especial de Fertility and Sterility, Suplemento 1, Setembro de 1986, Vol. 46, No. 3) foi de autoria do “Comitê Ético” da Associação Americana de Fertilidade. Esse grupo conta entre seu conjunto de membros muitos dos endocrinologistas reprodutivos e cirurgiões que estão agora envolvidos em pesquisa e prática das novas tecnologias reprodutivas. Entre os membros de seu “Cômite Ético” de onze anos, por exemplo, eram Clifford Grobstein, Gary Hodgen, Howard Jones e Richard Marrs que são proeminentes cientistas de pesquisa e/ou profissionais das novas tecnologias reprodutivas. Em adição, John Robertson e Lori Andrews, que eram advogados/as no comitê, igualmente validavam as tecnologias como “liberdade procriativa”. O documento lê-se como um resumo para as tecnologias com todos os membros em acordo em relação a seus benefícios reais e potenciais. A única voz discordante desse coro de aprovações veio sobre a utilização de terceiros na reprodução, especificamente na reprodução de aluguel. Um membro argumentou que terceiros eram “eticamente impróprios”. Lori Andrews era a principal autora para as seções sobre reprodução de aluguel. / Lori Andrews era também a principal autora de “Feminist Perspectives on Reproductive Technologies” (no primeiro projeto, denominado “Reproduction Involving Third Parties”), um ensaio que é parte de um projeto mais amplo entitulado “Reprodutive Laws for the 1990’s” (Veja Andrews, 1987, Referências). Esse “Reproductive Rights Law and Policy Project” é um esforço conjunto do Instituto Rutgers para Pesquisa sobre Mulheres e o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres da Faculdade de Direito do Rutgers. “O objetivo do Projeto é promover a formulação de políticas na área da autonomia reprodutiva e da igualdade de gênero ao desenvolver papéis de informações e, onde possível, propostas legais específicas”. Muito do pensamento que é contido no segmento do Relatório da Associação de Fertilidade de Andrews é repetido – em partes, quase que literalmente – em seu papel de informações do Rutgers.
[4] ACLU: American Civil Liberties Union, a União Americana pelas Liberdades Civis. (N. da T.)
[5] NRTs (New Reproductive Technologies), no original. (N. da T.)
[6] Mann Act: lei estadunidense proposta por James Robert Mann com o objetivo de abordar a prostituição, imoralidade e tráfico humano. Também conhecida como White-Slave Traffic Act. (N. da T.)

———————————————————————————————

Referências

Andrews, Lon, 1987. “Feminist Perspectives on Reproductive Technologies.” In
Reproductive Laws for the 1990’s. Briefing Handbook, Women’s Rights Litigation Clinic, Rutgers Law School, Newark, New Jersey 07102.
Coveney, Lal and Leslie Kay, 1987, January. “A Symposium on Feminism, Sexuality,
and Power.” Off Our Backs.
FACT (Feminist Anti-Censorship Taskforce et al), 1985. Brief Amici Curiae, No. 84-
3147. In the U.S. Court of Appeals, 7th Circuit, Southern District of Indiana.
“In the Matter of Baby ‘M’.” 1987, March 31. Superior Court of New Jersey.
Kurtz, Howard. 1985, October 15. “Pornography Panel’s Objectivity Disputed.”
Washington Post.
Orwell, George. 1949. 1984. New American Library, New York.
Snitow, Ann. Christine Stansell, and Sharon Thompson, eds. 1983. Desire: The Politics
of Sexuality. Virago, London.
Snyder, Sarah. 1987, March 13. “Baby M Trial Hears Closing Arguments.” Boston
Globe.

Fonte:
RAYMOND, Janice G. Sexual and Reproductive Liberalism. Disponível em: < http://www.finrrage.org/pdf_files/RepTech%20General/Reproductive_Liberalism_Ray.pdf>.

Tradução – Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas

Cenas Ativistas Não São Espaços Seguros Para Mulheres: Sobre o Abuso de Mulheres Ativistas por Homens Ativistas
Tamara K. Nopper

· Versão original
· Arquivo PDF

Como uma mulher que tem experimentado abuso físico e emocional de homens, alguns dos quais eu tive longos relacionamentos, foi sempre difícil aprender de outras mulheres ativistas que elas estavam sendo abusadas por homens ativistas.
As questões interrelacionadas do sexismo, misoginia e homofobia em círculos ativistas são excessivas, e não é surpreendente que mulheres são abusadas física e emocionalmente por homens ativistas com os quais elas trabalham em vários projetos.
Eu não estou falando abstratamente aqui. Na verdade, eu sei de vários relacionamentos entre homens ativistas e mulheres nos quais as últimas são abusadas se não fisicamente, emocionalmente. Por exemplo, há muito tempo uma amiga minha me mostrou ferimentos em seu braço que ela me disse que foram causados por outro homem ativista. Essa mulher certamente luta emocionalmente, o que é um tanto esperado dado que ela experimentou abuso físico. O que era adicionalmente desolador de ver era como a mulher era evitada por círculos ativistas quando ela tentava falar sobre seu abuso ou o ter abordado. Alguns disseram a ela para ultrapassá-lo, ou para se focar em “verdadeiros” homens bacacas tais como proeminentes figuras políticas. Outros disseram a ela para não deixar “problemas pessoais” entrarem no caminho da “realização do trabalho”.
Eu lutei com a recuperação de minha amiga também. Como sobrevivente de abuso, era difícil encontrar uma mulher que de certa forma era um espectro de mim. Eu buscaria essa mulher, e ela iria ao acaso dizer-me sobre outra briga que ela e seu namorado haviam tido. Eu encontraria a mim mesma evitando essa mulher porque, francamente, era difícil olhar para uma mulher que me recordava muito de quem eu não era há muito tempo: uma pessoa assustada, envergonhada e desesperada que balbuciaria para qualquer pessoa disposta a ouvi-la sobre o que estava acontecendo com ela. Em outras palavras, eu, como essa mulher, tinha atravessado o desespero de tentar sair de uma relação abusiva e necessitando finalmente contar às pessoas o que estava acontecendo comigo. E similarmente a como essa mulher era tratada, a maioria das pessoas, até mesmo aqueles que eu chamava de amigos, se esquivavam de me escutar porque eles não queriam ser incomodados ou estavam lutando com suas próprias lutas emocionais.
A vergonha associada em contar às pessoas que você tem sido abusada, e como eu, centrada em uma relação abusiva, é feita ainda pior pelas respostas que você obtem das pessoas. Ao invés de serem simpáticas, muitas pessoas ficaram desapontadas comigo. Muitas vezes fui dita por pessoas que elas estavam “surpresas” em descobrir que eu havia “me envolvido com esta merda” porque diferentemente de “mulheres fracas”, eu era uma mulher “forte” e “política”. Essa resposta é completamente misógina porque ela nega quão dominante é o patriarcado e o ódio por mulheres e o “feminino”, e ao invés disso, tenta colocar a culpa nas mulheres. Isso é, estamos a ignorar que mulheres estão sendo abusadas por homens e, ao invés disso, enfatiza o caráter de mulheres como a razão definitiva pela qual algumas são abusadas e outras não “se envolvem com esta merda”.
Não posso ajudar a não ser pensar que outras mulheres ativistas que têm sido abusadas, querem seja por homens ativistas ou não, também enfrentam dificuldades semelhantes recuperando-se do abuso. Independentemente da política de alguém, as mulheres podem ser e são abusadas. Qualquer um que se recuse a acreditar nisso ou simplesmente não escuta às mulheres ou não pensa sobre o que as mulheres passam regularmente. E isso é porque eles são simplesmente hostis em reconhecer quão pervasivos e normalizados o patriarcado e a misoginia são – ambos fora e dentro de círculos ativistas.
Mais, várias de nós queremos acreditar que homens ativistas são diferentes de nossos pais, irmãos, antigos namorados e machos estranhos com os quais nós confrontamos em nossas rotinas diárias. Nós queremos ter alguma fé que o cara que escreve um ensaio sobre sexismo e o posta em seu website não o está escrevendo somente para fazer uma boa aparência dele, obter sexo, ou encobrir algumas de suas perigosas práticas com relação às mulheres. Nós queremos acreditar que as mulheres estão sendo respeitadas por suas habilidades, energia e compromisso político e não estão sendo solicitadas a fazer trabalho porque elas são vistas como “exploráveis” e “abusáveis” por homens ativistas.
Nós queremos acreditar que, se um homem ativista fez um avanço indevido ou fisicamente/sexualmente agrediu uma mulher ativista, isso seria prontamente e atenciosamente lidado por organizações e comunidades políticas – e com a contribuição da vítima. Nós queremos acreditar que grupos ativistas não são tão facilmente seduzidos pelas habilidades ou pelo “poder nomeado” que um ativista masculino trás a um projeto que eles estão dispostos a deixar uma mulher ser abusada ou não ter sua recuperação abordada em troca. E nós gostaríamos de pensar que a “cultura de segurança” em círculos ativistas não somente foca nas questões do protocolo do listserv ou usa nomes falsos em comícios, mas na verdade inclui pensar proativamente sobre como lidar com misoginia, patriarcado e heterossexismo ambos fora e dentro de cenários ativistas.
Mas todos esses desejos, todos esses sonhos obviamente não tendem a ser abordados. Em vez disso, eu sei de homens ativistas que trollam espaços políticos como predadores procurando por mulheres que eles possam manipular politicamente ou foder sem responsabilização. Como padres abusivos, alguns desses homens literalmente movem-se de cidade a cidade procurando recriar a si mesmos e encontrar carne fresca no meio daqueles que são infamiliares com sua reputação. E eu tenho visto mulheres ativistas darem seu trabalho e destrezas a homens ativistas (que frequentemente ficam com o crédito) na esperança de que o homem ativista abusivo irá finalmente adquirir seu agir correto ou a apreciará enquanto ser humano.
Enquanto o romance entre ativistas é aprazível, eu acho que é nojento como os homens ativistas usam o romance para controlar as mulheres politicamente e manter as mulheres emocionalmente comprometidas em ajudar esses homens politicamente, mesmo quando essas políticas são piegas ou problemáticas. Ou, em alguns casos, homens ativistas se envolvem em políticas para encontrar mulheres que eles possam envolver em relações abusivas e controle. E dado que esse abuso trás para fora o pior da vítima, eu tenho visto onde mulheres interagem com outras ativistas (particularmente mulheres) de maneiras que elas não normalmente estariam se elas não estivessem sendo politicamente e emocionalmente manipuladas por homens. Por exemplo, eu sei de mulheres ativistas abusadas que têm espalhado rumores sobre outras mulheres ativistas ou têm-se envolvido em brigas políticas entre seu namorado e outros ativistas.
O que é assustador é que eu sei de ativistas homens que estavam abusando e manipulando mulheres ativistas e, ao mesmo tempo, escrevendo ensaios sobre sexismo ou competição entre mulheres. Às vezes o homem ativista irá redigir o ensaio com sua namorada ativista de forma a obter mais legitimidade. Eu sei de homens ativistas que uma hora citam bell hooks, Gloria Andalzua ou outras escritoras feministas e estão incomodando ou espalhando mentiras e fofocas sobre suas namoradas ativistas em outra. E homens ativistas irão ensinar mulheres a serem menos competitivas com outras mulheres para dissimular seu comportamento abusivo e manipulador.
O que é mais desolador é o nível de suporte que homens ativistas encontram de outros/as ativistas, homens ou mulheres, mas mais habitualmente, outros homens. Não somente as mulheres ativistas têm de confrontar e negociar com seu agressor em círculos ativistas, elas devem normalmente fazê-lo em uma comunidade política que se designa comprometida mas no final não dá importância alguma sobre a segurança emocional e física da vítima. Em muitas ocasiões eu tenho ouvido as histórias das mulheres sobre abuso serem recontadas e reformuladas por homens ativistas de uma maneira hostil e sexista. E quando eles remodelam essa história, eles geralmente o fazem naquela voz, a voz que é falsa, acusatória e zombeteira.
Por exemplo, quando eu estava dividindo com um homem ativista minhas preocupações sobre como uma mulher ativista estava sendo tratada por um homem ativista que mantinha uma posição proeminente em um grupo político, o homem “ouvindo” a minha história disse naquela voz “Oh, ela só está provavelmente brava porque ele começou a namorar outra pessoa” e passou a tirar sarro dela. Ele continuou a me dizer que, enquanto ele “reconhecia” que o homem estava errado, a mulher necessita impor-se ao homem se ela quer que o tratamento pare.
Infelizmente essa marca de misoginia do homem disfarçou-se enquanto o feminismo masculino é muito comum em círculos ativistas dado que muitos homens em geral acreditam que mulheres são abusadas porque elas são fracas ou secretamente querem estar em relacionamentos com homens abusivos. Mais, seus comentários revelaram uma atitude que assume que, se mulheres ativistas têm problemas com homens ativistas, elas estão “chorando pelo abuso” para encobrir desejos sexuais ocultos e raiva por terem sido rejeitadas por homens que “não irão fodê-las”.
Eu acho repulsivo que a segurança física e emocional de mulheres é de pouca preocupação a homens ativistas em geral. Enquanto homens ativistas irão falar da boca para fora sobre como eles precisam ficar com suas bocas caladas quando as mulheres estão falando ou como espaços somente de mulheres são necessários, muito frequentemente pessoas “críticas” e “políticas” não querem confrontar o fato de que as mulheres estão sendo abusadas por homens ativistas em nossos círculos. Quando essa questão é “abordada”, mais frequentemente do que não, a atenção será dada a “batalhar com” o homem (ou seja, o deixando permanecer e talvez só fofocando sobre ele). Eu tenho visto algumas situações onde homens abusivos tornam-se adotados, assim dizendo, por outros ativistas, que vêem reabilitar o homem como parte de seus projetos e pensam pouco sobre o que isso significa para as mulheres que estão tentando se recuperar. Em alguns casos, o homem ativista abusador foi adotado enquanto a mulher foi rejeitada como “instável”, “louca” ou “muito emocional”. Basicamente, esses grupos iriam antes ajudar um cara frio e calculista que pode “mantê-lo unido” enquanto ele abusa de mulheres ao invés de lidar com a realidade que o abuso pode contribuir para as dificuldades emocionais e sociais entre vítimas enquanto elas trabalham para se tornarem sobreviventes.
E em alguns casos, ativistas mulheres irão evitar ir à polícia porque ela é crítica ao complexo industrial penentenciário, mas também porque outros homens ativistas irão dizer-lhe que ela está “contribuindo para o problema” ao “conduzir o Estado para dentro”. Mas na maioria dos casos, o homem ativista não é castigado pelos problemas que ele criou. Deste modo, as mulheres estão presas tendo que descobrir como garantir sua segurança sem ser rotulada uma “traidora” por seus colegas ativistas.
Enquanto eu sou uma forte crente que nós devemos tentar trabalhar pela cura ao invés da punição em si, eu estou dolorosamente consciente que nós frequentemente damos mais ênfase em ajudar homens a permanecerem em círculos ativistas do que apoiar mulheres através de suas recuperações, o que pode envolver a necessidade de ter o homem removido de nossos grupos políticos. Basicamente, o grupo irá normalmente determinar que o ativista abusador deve ser deixado a se curar sem perguntar à mulher o que ela necessita do grupo para curar-se e ser apoiada em seu processo. Eu sei de vários exemplos de onde mulheres eram forçadas a tolerar a indisposição do grupo para abordar o abuso. Algumas irão permanecer envolvidas em organizações porque elas acreditam no trabalho e, francamente, há poucos espaços para se ir, se houverem, onde ela não sofra o risco de ser abusada por outro ativista ou ter seu abuso não abordado. Outras irão simplesmente deixar a organização. Eu tenho visto como essas mulheres são tratadas por outros/as ativistas – homens e mulheres – que tratam mulheres friamente ou fofocam que elas são egoístas ou traidoras por deixarem o pessoal entrar no caminho do “trabalho”.
Ou, se mulheres ativistas que têm sido abusadas são “apoiadas”, é usualmente porque ela faz “bom trabalho” ou que não abordar o abuso será “ruim para o grupo”. Nesse sentido, a saúde física, emocional e espiritual de mulheres é ainda sacrificada. Em vez disso, o abuso das mulheres deve ser abordado porque, se ele não for, ela pode não continuar a fazer “bom trabalho” para a organização ou pode haver muita tensão no grupo para que ele funcione de forma eficiente. De qualquer forma, a segurança das mulheres não é vista como digna de preocupação em e de si mesma.
Em geral, cenários ativistas não são um espaço seguro para mulheres porque misóginos e homens abusivos existem no interior deles. Mais, muitos desses abusadores usam a linguagem, ferramentas de ativismo e apoio de outros ativistas como meio de abusar mulheres e esconder seus comportamentos. E infelizmente, em muitos círculos políticos, independentemente de quanto nós falemos sobre o patriarcado ou misoginia, mulheres são sacrificadas de forma a manter o “trabalho” ou salvar a organização. Talvez seja tempo de realmente nós só se importarmos que as mulheres ativistas estão vulneráveis a serem manipuladas e abusadas por homens ativistas e considerar que abordar isso proativamente é uma parte integral do “trabalho” que ativistas devem fazer.

Fonte:
NOPPER, Tamara K. Activist Scenes are No Safe Space for Women: On Abuse of Activist Women by Activist Men. 2005. Disponível em: <http://www.kersplebedeb.com/mystuff/feminist/activist_abuse.html>.