Tradução – É Como se Você Assinasse um Contrato Para ser Estuprada

É Como se Você Assinasse um Contrato Para ser Estuprada
Julie Bindel

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Se você acreditar nas Relações Públicas deles, os bordéis legalizados de Nevada são seguros, saudáveis – até mesmo divertidos – lugares nos quais trabalhar. Por que então tantas prostitutas contam tais horríveis histórias de abuso? Julie Bindel conta.

Existe somente um lugar nos EUA onde bordéis são legalizados, e este lugar é Nevada – um estado no qual a prostituição tem sido considerada uma necessária indústria de serviços desde o tempo em que o local era povoado apenas por prospectores. Existem pelo menos 20 bordéis legais em atividade no momento. Não muitos, você pode pensar, mas essas operações sancionadas pelo estado pungem mais do que pode-se esperar em termos de Relações Públicas.
Tome a famosa série de documentário da HBO, Cathouse, que apresenta o mais famoso dos bordéis de Nevada, o Moonlight Bunny Ranch. Sintonize e você seria perdoado/a por pensar que todas as prostitutas em Nevada estão em um bom negócio. As mulheres falam timidamente sobre amar seus trabalhos, seus clientes, seus patrões. “A série lança luz não somente nos inúmeros desafios e alegrias de trabalhar num bordel legal”, diz o website da HBO, “mas nos benefícios terapêuticos que os clientes levam consigo depois de uma temporada no Ranch”.
Dada tão grande Relação Pública, um novo livro – Prostitution and Trafficking in Nevada: Making the Connections – faz-se uma interessante leitura. Durante uma investigação de dois anos, a autora, Melissa Farley, visitou oito bordéis legais em Nevada, entrevistando 45 mulheres e uma série de donos de bordéis. Longe de desfrutar de melhores condições do que aquelas que trabalham ilegalmente, as prostitutas com quem ela fala são frequentemente sujeitas a condições análogas à escravidão.
Descritas como “penitenciárias de buceta” por uma pessoa entrevistada, os bordéis tendem a se localizar no meio do nada, longe da vista de ordinários/as habitantes de Nevada. (Bordéis são oficialmente permitidos somente em municípios com populações inferiores a 400.000, então a prostituição permanece um ilegal – embora vasto – tráfico em conurbações como Las Vegas) As prostitutas de bordel frequentemente vivem em condições semelhantes à de uma prisão, trancadas ou proibidas de saírem.
“A aparência física desses prédios é chocante”, diz Farley. “Eles se parecem com grandes trailers com arame farpado ao seu redor – pequenas prisões”. Todos os quartos possuem botões de pânico, mas muitas mulheres disseram a ela que elas tiveram experimentado abuso violento e sexual dos clientes e dos proxenetas.
“Eu vi uma porta de ferro gradeada em um bordel”, diz Farley. “A comida das mulheres era empurrada através das barras de aço da porta entre a cozinha e a área do bordel. Um proxeneta fez passar fome uma mulher que considerava muito gorda. Ela fez uma amizade fora do bordel e essa pessoa atiraria comida por cima da cerca para ela”. Outro proxeneta contou a Farley com naturalidade que muitas mulheres trabalhando para ele tinham histórias de abuso sexual e doenças mentais. “A maioria”, disse ele, “foram abusadas sexualmente quando crianças. Algumas são bipolares, outras são esquizofrênicas”.
Então existe o fato de que prostitutas legais parecem perder os direitos que cidadãos normais desfrutam. A partir de 1987, prostitutas em Nevada têm sido legalmente requeridas a serem testadas uma vez por semana por doenças sexualmente transmissíveis e mensalmente por HIV. Clientes não são requeridos a serem testados. As mulheres devem apresentar seu apuramento médico à delegacia de polícia e terem tiradas suas digitais, apesar de tal registro ser danoso: se uma mulher é reconhecida por trabalhar como prostituta, ela pode ter o seguro de saúde negado, enfrentar discriminação em obter uma habitação ou em um futuro emprego, ou suportar acusações de ser imprópria à maternidade. Em adição, existem países que não irão permitir prostitutas registradas a se assentarem, logo, seus movimentos são severamente restringidos.
Aqueles que apóiam o sistema alegam que as regulações podem ajudar a prevenir a cafetinagem, o que eles vêem como uma pior forma de exploração àquela na qual ocorre em bordéis. De acordo com a pesquisa de Farley, porém, a maior parte das mulheres em bordéis legais possui proxenetas fora, sejam eles maridos ou namorados. E, como Chong Kim, uma sobrevivente da prostituição que tem trabalhado com Farley, disse, alguns dos donos dos bordéis legais “são piores do que qualquer proxeneta. Eles abusam e aprisionam mulheres e estão inteiramente protegidos pelo Estado”.
Esperam que as mulheres vivam nos bordéis e trabalhem em turnos de 12 a 14 horas. Mary, uma prostituta em um bordel legal por três anos, delineia as restrições. “Você não é permitida a ter seu próprio carro”, observa ela. “É como [os proxenetas] possuírem uma pequena posição de polícia”. Quando um cliente chega, um sino toca, e as mulheres imediatamente devem se apresentar em ordem, para que ele possa escolher quem comprar.
Xerifes em alguns municípios de Nevada ainda aplicam práticas que são ilegais. Em uma cidade, por exemplo, prostitutas não são permitidas a deixarem o bordel depois de 5 da tarde, não são permitidas em bares, e, se entrarem em um restaurante, devem usar a porta dos fundos e ser acompanhada por um homem. Então como Farley obteve acesso a suas entrevistadas? Aqueles no controle das mulheres estavam confiantes que elas não seriam honestas sobre suas condições, ela diz. “Proxenetas adoram se vangloriar, e eu sei como ouvir”, ela adiciona. Mesmo deixada sozinha com as mulheres durante as entrevistas, Farley notou que elas estavam todas muito nervosas, constantemente em busca dos proprietários dos bordéis.
Investigar a indústria do sexo – mesmo a parte legal – pode ser perigoso. Durante uma visita a um bordel, Farley perguntou a um proprietário o que as mulheres pensavam sobre seu trabalho. “Eu fui educada”, escreve ela em seu livro, “enquanto que ele explicou de forma condescendente quão satisfatório e lucrativo o negócio da prostituição era para suas ‘moças’. Eu tentei manter meus músculos faciais inexpressíveis, mas eu não obtive sucesso. Ele sacou um revólver de sua cinta, apontou-a para a minha cabeça e disse: ‘Você não sabe de nada sobre a prostituição em Nevada, moça. Você nem sabe sequer se eu irei assassiná-la nos próximos cinco minutos’”.
Farley descobriu que os proprietários dos bordéis tipicamente apropriam-se de metade dos ganhos das mulheres. Adicionalmente, as mulheres devem pagar gorjetas e outras taxas aos funcionários do bordel, assim como taxas de corretagem aos motoristas de táxi que trazem os clientes. Espera-se também que elas paguem por seus próprios preservativos, lenços úmidos e a utilização de lençóis e toalhas. É raro, as mulheres disseram a Farley, recusar um cliente. Um antigo funcionário de bordel em Nevada escreveu em um website: “Depois de bilhetes de avião, vestuário, bebidas a preço integral e outras diversas taxas você sai com pouco. Ainda por cima, você está… Multada por quase tudo. Adormeça em seu turno de 14 horas e ganhe uma multa de $100 [£50], atrasada para se apresentar em sequência, $100-500 em multas”. (As mulheres geralmente negociam diretamente com o homem sobre o dinheiro; o que elas ganham depende da qualidade do bordel. Pode ser qualquer coisa desde $50 por sexo oral a $1.000 pela noite, mas isso não tem em conta o corte do bordel)
Farley encontrou uma “chocante” carência de serviços para as mulheres querendo sair da prostituição em Nevada. “Quando a prostituição é considerada um trabalho legal ao invés de uma violação aos direitos humanos”, diz Farley, “por que deveria o Estado oferecer serviços para escapar?”. Mais de 80% daquelas entrevistadas disseram a Farley que elas queriam largar a prostituição.
O efeito disso tudo nas mulheres dos bordéis é “negativo e profundo”, de acordo com Farley. “Muitas estavam sofrendo o que eu descreveria como os efeitos traumáticos do abuso sexual em curso, e aquelas que estiveram em bordéis por algum tempo foram institucionalizadas. Isso é, elas eram passivas, tímidas, complacentes e profundamente resignadas”.
“Ninguém realmente aprecia ser vendido/a”, diz Angie, a quem Farley entrevistou. “É como se você assinasse um contrato para ser estuprada”.
Enquanto isso, bordéis ilegais estão em crescimento em Nevada, como eles estão em outras partes do mundo onde bordéis são legalizados. A indústria da prostituição ilegal de Nevada já é nove vezes maior que os bordéis legais do estado. “Legalizar esta indústria não resulta no fechamento de estabelecimentos sexuais ilegais”, diz Farley, “meramente os dá permissão adicional para existirem”.
Farley encontrou evidência, por exemplo, que a existência de bordéis sancionados pelo estado pode ter um efeito direto em atitudes às mulheres e à violência sexual. Sua pesquisa com 131 homens jovens na Universidade de Nevada constatou que a maioria via a prostituição como normal, presumido que não era possível estuprar uma prostituta, e eram mais prováveis que homens jovens de outros estados a usar mulheres tanto na prostituição legal quanto ilegal.
A solução, acredita Farley, é educar as pessoas sobre as realidades do abuso legalizado de mulheres. “Uma vez que as pessoas aprenderem sobre o sofrimento [de prostitutas] e a angústia emocional, e a falta delas de direitos humanos, elas, como eu, serão persuadidas de que a prostituição legal é uma instituição que não pode ser somente ajustada ou ser feita de uma melhor forma. Ela deve ser abolida”. A atitude prevalecente em Nevada, embora, permanece como era há alguns séculos – que os homens têm “necessidades” sexuais que eles têm o direito de realizar. Fora de um dos bordéis legais, pode ser visto em um letreiro: “Aquele que hesita, se masturba”.

– Alguns nomes foram alterados.

Fonte:
BINDEL, Julie. It’s like you sign a contract to be raped. The Guardian, 2007. Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/2007/sep/07/usa.gender>.