Tradução – Lesbianismo Político: A Causa Contra a Heterossexualidade – Primeira Parte

Lesbianismo Político: A Causa Contra a Heterossexualidade – Primeira Parte
Leeds Revolutionary Feminist Group

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“Mas madame, eu sou Adão!” / “… Então vá embora… Sou Eva” / “Folhagem por Constance Spry”.

NOTA:
Este texto não necessariamente expressa as opiniões de quem o traduziu, assim como o resto dos textos aqui contidos. O objetivo do blog “Material Feminista”, como está implícito, é de disponibilizar materiais que possam fomentar o debate.

O texto em questão é muito utilizado para se discutir o tema do “lesbianismo político”. Quer se concorde com o ponto ou não, quer se compreenda o texto como um problema devido a enunciar “lesbianismo político” e na realidade caracterizar “celibato político/feminista”, nenhuma discussão poderá avançar caso não tenhamos em mãos materiais com os quais trabalhar, quer os critiquemos ou os reiteremos.

Sabemos que a questão de se todas as feministas devem ser lésbicas não é nova. Nós tivemos que trabalhar nossas ideias no assunto porque, frequentemente, quando falamos com outras mulheres sobre nossa política e o que significa dizer que homens são o inimigo, somos questionadas se estamos dizendo que todas as feministas devem ser lésbicas.
Compreendemos que o tópico é explosivo. É algo que devemos falar em casa e em grupos fechados e confiáveis de amigos e não fazer colocações políticas a respeito no movimento, para que nossas irmãs heterossexuais não nos acusem de ódio às mulheres. É verdade que devemos esconder nossas fortes crenças políticas sobre o assunto quando conversamos com outras feministas? Gostaríamos de levantar toda a questão para a discussão em um workshop; não só se todas as feministas devem ser lésbicas, mas precisamente porque pensamos que devem e se e como devemos começar a falar sobre isso mais abertamente.
Nós sim pensamos que todas as feministas podem e devem ser lésbicas políticas. Nossa definição de uma lésbica política é uma mulher identificada com a mulher que não fode com homens. Não significa compulsória atividade sexual com outras mulheres. O escrito é dividido em duas partes. A primeira cobre as razões pelas quais pensamos que feministas sérias não possuem escolha a não ser abandonar a heterossexualidade. A segunda é organizada em forma de questões levantadas e comentários feitos a nós sobre o assunto do lesbianismo político e a forma pela qual achamos que elas devem ser respondidas.

(1) O que é a heterossexualidade e por que ela deve ser abandonada

Sexualidade
Que papel a sexualidade desempenha na opressão das mulheres? Somente no sistema de opressão que é a supremacia masculina o opressor efetivamente invade e coloniza o interior do corpo do oprimido. Ligados a todas as formas de comportamento sexual estão significados de dominação e submissão, poder e a falta dele, conquista e humilhação. Existe uma importância muito especial relacionada à sexualidade sob a supremacia masculina quando toda referência sexual, toda piada sexual, toda imagem sexual serve para lembrar a uma mulher de seu centro invadido e a um homem de seu poder. Por que toda essa agitação em nossa cultura sobre o sexo? Porque é especificamente através da sexualidade que a opressão fundamental, aquela dos homens sobre as mulheres, é mantida. (Isso deveria ser um livro, realmente não pode ser desenvolvido agora.)

O casal heterossexual
O casal heterossexual é a unidade básica da estrutura política da supremacia masculina. Nisto, cada mulher individual se mantém sob controle de um homem individual. É de longe mais eficiente do que manter as mulheres em guetos, campos ou mesmo em barracões no fundo do jardim. No casal, o amor e o sexo são usados para obscurecer as realidades da opressão, para previnir as mulheres de se identificarem umas com as outras de forma a se revoltarem e de identificarem “seus” homens como parte do inimigo. Qualquer mulher que toma parte em um casal heterossexual ajuda a assegurar a supremacia masculina por tornar sua fundação mais forte.

Penetração
A penetração (onde quer que for que nos refiramos à penetração, queremos dizer à penetração pelo pênis) não é necessária ao prazer sexual das mulheres e nem mesmo dos homens. Sua performance leva à reprodução de formas fastidiosas/perigosas de contracepção. Por que então ela se assenta no cerne da cultura sexualizada desse estágio particular da supremacia masculina? Por que mais e mais mulheres, de idades mais e mais novas, são encorajadas por psiquiatras, médicos, conselheiros de orientação de casamento, a indústria pornográfica, o movimento de desenvolvimento, esquerdistas e o Masters and Johnson [1] a serem mais e mais fodidas com maior frequência? Porque a forma da opressão das mulheres sob a supremacia masculina está mudando. Assim que mais mulheres são capazes de ganhar um pouco mais de dinheiro e as pressões da reprodução são atenuadas, a manutenção de homens individuais e de homens como uma classe sobre as mulheres está sendo fortalecida através do controle sexual.

A função da penetração
A penetração é um ato de grande significância simbólica pela qual o opressor entra no corpo do oprimido. Mas é mais do que um símbolo, sua função e efeito é a punição e o controle das mulheres. Não é só o estupro que serve a esta função, mas todo ato de penetração, mesmo aquilo que é eufemisticamente descrito como “fazer amor”. Todas ouvimos os homens falando sobre uma mulher insolente: “o que ela precisa é de uma boa foda”. Esta não é uma observação inútil. Todo homem sabe que uma mulher fodida é uma mulher sob o controle dos homens, cujo corpo está aberto aos homens, uma muher que é domesticada e quebrada. Antes da revolução sexual não havia qualquer dúvida sobre a penetração ser para o benefício dos homens. A revolução sexual é um contro do vigário. Serve para dissimular a natureza opressiva da sexualidade masculina e somos ditas que a penetração é para nosso benefício também.
Todo ato de penetação para a mulher é uma invasão que mina sua confiança e esgota sua força. Para um homem é um ato de poder e domínio que o torna mais forte, não somente sobre uma mulher, mas sobre todas as mulheres. Então toda mulher que se engaja na penetração reforça o opressor e reinforça o poder de classe dos homens.

(2) Questões e comentários

(a) Mas parece que você está dizendo que mulheres heterossexuais são o inimigo!
Não. Homens são o inimigo. Mulheres heterossexuais são colaboradoras do inimigo. Todo bom trabalho que nossas irmãs feministas heterossexuais fazem para as mulheres é minado pela atividade contra-revolucionária que se engajam com os homens. Ser uma feminista heterossexual é como estar na resistência na Europa ocupada pelos nazistas onde durante o dia que você explode uma ponte, à tarde você corre para consertá-la. Tome o Women’s Aid como exemplo: mulheres que vivem com os homens não podem falar para mulheres agredidas que a sobrevivência sem os homens é possível vez que elas não estão fazendo isso por si mesmas. Toda mulher que vive ou fode com homens ajuda a manter a opressão de suas irmãs e impede nossa luta.

(b) Mas nós não fazemos penetração, meu namorado e eu.
Se você se engaja em qualquer forma de atividade sexual com um homem você está reforçando o poder de classe dele. Você pode escapar à forma mais extrema de humilhação ritual, mas por causa dos desenvolvimentos emocionais a qualquer forma do comportamento heterossexual, os homens ganham muitas vantagens e as mulheres perdem. Não existe tal coisa como um prazer sexual “puro”. Tal “prazer” é criado na fantasia, memória e experiência. O “prazer” sexual não pode ser separado das emoções que acompanham o exercício do poder e a experiência da falta de poder.
(Se você não faz penetração, por que não tomar uma mulher como amante? Se você tirar um homem de sua capacidade única de humilhar, você fica com uma criatura que é meramente pior em qualquer tipo de atividade sensual do que uma mulher é).

(c) Mas meu namorado não me penetra, eu o enclausuro.
Uma rosa é uma rosa por qualquer outro nome e assim também é a penetração. Ou talvez “você não faz uma bolsa de seda da orelha de um javali” seja uma expressão mais adequada. A interpretação mais amável é dizer que acreditar no enclausuramento é um pensamento desejoso. Seria mais realista dizer que é uma desculpa e uma racionalização para continuar com a atividade. Enclausuramento, aonde uma vagina ativa (auxiliada por exercícios de fortalecimento) suga um pênis poderia somente acontecer onde uma mulher e um homem nascessem inteiramente formados, totalmente inocentes, em uma ilha deserta inabitada (aonde eles poderiam muito bem nunca descobrir foder de qualquer maneira).

(d) Mas eu gosto de foder.
Abandonar a foda para uma feminista é sobre tomar sua política a sério. As mulheres que são socialistas estão preparadas para abandonar muitas coisas que elas possam gostar porque elas veem como essas coisas se relacionam com e apoiam todo o sistema de opressão de classe econômica que elas estão lutando contra. Elas irão resistir comprar maçãs do Cabo porque os lucros vão para a África do Sul. Obviamente é mais difícil para algumas feministas abandonarem a penetração que é tão fundamental ao sistema de opressão que estão lutando contra.

(e) É muito mais fácil para você no gueto lésbico que para mim. Eu tenho que viver as contradições da minha política que é uma dura, implacável e diária luta com o homem que vivo com.
Isso simplesmente não é verdade. Viver sem o privilégio heterossexual é difícil e perigoso. Tente ir a bares com grupos de mulheres ou viver em uma casa de mulheres onde jovens na rua cercam com pedras e assobios.
Os privilégios heterossexuais são a aprovação masculina, mais segurança de ataque físico, maior facilidade em lidar com as autoridades, conseguir consertos, proteção de um telefonema obsceno e assediador, ser capaz de se referir a um homem na fila do ônibus ou no trabalho que traz sorrisos de aprovação de mulheres e homens, sem contar as vantagens financeiras de se estar ligada a um membro da classe dominante masculina que possui grande poder aquisitivo.
Porque escolhemos viver sem esses privilégios nós ressentimos em sermos usadas por feministas heterossexuais como postos de combustível quando elas são desgastadas por suas lutas contra seus homens. Os grupos de libertação das mulheres e as casas de mulheres deveriam ser um refúgio e um apoio para as irmãs heterossexuais em revolver suas contradições por irem embora, mas não deveriam ser usados para apoiar os relacionamentos heterossexuais e, dessa forma, fortalecer a estrutura da supremacia masculina.

(f) Mas os relacionamentos lésbicos são também fodidos por lutas de poder.
Isso é às vezes verdade, mas o poder de uma mulher nunca é encurralado por uma posição de classe de sexo superior. Lutas entre mulheres não fortalecem diretamente a opressão de todas as mulheres ou constroem a força dos homens. A perfeição pessoal nos relacionamentos não é um objetivo realista sob a supremacia masculina. O lesbianismo é uma escolha política necessária, parte das táticas de nossa luta, não um passaporte para o paraíso.

(g) Eu não vou abandonar o que eu tenho a menos que o que você me ofereça é melhor.
Nós nunca lhe prometemos um jardim de rosas. Nós não dizemos que todas as feministas deveriam ser lésbicas porque é maravilhoso. O sonho lésbico do amor de mulheres, de seios nus, as softballers que tocam guitarra, cambalhotando em encostas banhadas pelo sol é mais apropriado à Califórnia, supondo que tenha qualquer semelhança com a realidade, do que com Hackney.
Mas sim, é melhor ser uma lésbica. As vantagens incluem o prazer de saber que você não está diretamente servindo aos homens, viver sem a tensão de uma flagrante contradição em sua vida pessoal, unir o pessoal e o político, amar e colocar suas energias naquelas que estão lutando ao seu lado ao invés de naqueles que você está lutando contra e a possibilidade de uma grande confiança, honestidade e franqueza em sua comunicação com as mulheres.
A comunicação com as mulheres heterossexuais é carregada de dificuldades, com a estática que vem de seus relacionamentos com homens. Os homens distorcem tal comunicação. Uma mulher heterossexual terá uma percepção diferente e uma reação a coisas que você diz; ela pode ficar defensiva e é provável de estar pensando “e o Nigel?”. Quando você fala sobre os interesses e o futuro e a sobrevivência de mulheres, sua imaginação pode estar bloqueada pela preocupação por seu homem e seus irmãos. Você se sente sob pressão para dizer coisas boas que não irão ameaçá-la.

(h) Você está nos culpando.
Não. A culpabilização é usada para impedir que as mulheres falem a verdade como a veem e de falarem sobre realidades políticas difíceis. São vocês, irmãs heterossexuais, que estão nos culpabilizando. É possível parar de colaborar e pedir para vocês fazerem isso não é uma culpabilização.

(i) Todas as feministas lésbicas são lésbicas políticas?
Não. Algumas mulheres que são lésbicas e feministas trabalham de maneira próxima a homens na esquerda masculina (quer em seus grupos ou em grupos de mulheres em seu interior), ou fornecem porta-vozes no interior do movimento de libertação das mulheres para as ideias dos homens mesmo quando não-alinhadas. Pode muito bem ser que essas mulheres percebam como sendo mais difícil ver que homens são o inimigo porque elas são tratadas como substitutas mas homens inferiores por homens da esquerda e são capazes de se sentirem superiores às mulheres heterossexuais que ainda estão lutanto contra a opressão sexual em suas camas. Elas não são identificadas com mulheres e ganham privilégios através de associarem-se com homens e impulsionarem ideias que são só suavemente aceitas à ideologia da esquerda masculina.

(j) Mas você não entende quão difícil é abandonar os homens.
A maioria de nós sabe por experiência pessoal quão praticamente difícil e doloroso é decidir não foder de novo e ir embora do homem que vivemos com e/ou amamos. Só é geralmente feito com o amor, apoio e força de outras mulheres que fizeram essa quebra e cuja crítica e fala direta nos estimularam. Sabemos que, para algumas mulheres, por exemplo, para aquelas com crianças, aquelas com não fácil aceso ao movimento e aquelas sem a experiência de viverem por conta própria, a quebra é mais difícil do que para outras e elas precisam de mais tempo e apoio prático. Sabemos quão difícil é encontrar uma casa de mulheres para morar e como é sentir-se como uma “nova garota” na discoteca de mulheres. Mas parte do apoio deve ser em explicar o mais claro possível as razões políticas para nossa própria escolha e falar honestamente sobre todas as dificuldades com as mulheres que estão fazendo isso.

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[1] Masters and Johnson, grupo de pesquisa sobre o comportamento sexual, o diagnóstico e o tratamento de transtornos e disfunções sexuais, composto por William H. Masters e Virginia E. Johnson. Ativo de 1957 até os 1990s. (N. da T.)

Fonte:
Political Lesbianism: The Case Against Heterosexuality. In: Love Your Enemy? – The Debate Between Heterosexual Feminism and Political Lesbianism. London: Onlywomen Press. p. 5-10.