Feminismo Radical – História, Política, Ação (parte)
Robyn Rowland e Renate Klein
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Introdução
Por conta de sua própria natureza, o feminismo radical se concentrou em criar sua teoria nos escritos das vidas das mulheres e da análise política da opressão das mulheres. Pouco tempo foi dedicado a definir e redefinir nossa “teoria” pelo propósito da teoria. Onde os feminismos socialista, liberal e, mais recentemente, pós-moderno possuem convenientes estruturas teóricas existentes para manipular e re-manipular, as esticando como uma pele ao longo do tambor das experiências das mulheres, o feminismo radical cria uma teoria política e social da opressão das mulheres, e estratégias para acabar com essa opressão que vem das experiências vividas das mulheres.
De tal modo, Janice Raymond escreve sua teoria das amizades das mulheres, sua paixão e os obstáculos envolvidos em se fazer amizade com mulheres. Assim o fazendo, ela critica a realidade hetero: o sistema de valores das mulheres como sendo “para” os homens, em que o Patriarcado se assenta. Kathleen Barry, Catherine MacKinnon, Susan Griffin e Andrea Dworkin documentam o tráfico internacional de mulheres e crianças, pornografia e estupro, criando uma análise de poder da violência contra mulheres e do abuso dos corpos das mulheres como uma circulação internacional. Feministas radicais frequentemente combinam escritos e teoria criativos, como na poesia e prosa de Adrienne Rich, Audre Lorde, Robin Morgan, Susan Griffin e Judy Grahn. Aqui, a paixão do feminismo radical pode ser inteiramente expressada, porque é uma teoria do emocional, assim como do intelecto racional.
Teoria e prática são entrelaçadas interdependentemente. Anne Koedt, Judith Levine e Anita Rapone trabalharam nisso em sua introdução à Radical Feminism em 1973 quando escreveram: “… o propósito em selecionar e organizar essa antologia era o de apresentar material de fonte primária não tanto sobre, mas do Movimento Feminista Radical” (itálico nosso, p. viii). Radical significa “pertencer à raiz”; o Feminismo Radical olha para as raízes da opressão das mulheres. Como Robin Morgan diz:
Eu me chamo uma Feminista Radical, e isso significa coisas específicas para mim. A etimologia da palavra “radical” se refere a “algo que vai à raiz”. Eu acredito que o sexismo é a raiz da opressão, aquela que, até e a não ser que extirpemos, continuará a se estender nos ramos do racismo, do ódio de classe, etarismo, competição, desastre ecológico e exploração econômica. Isso significa, para mim, que as assim chamadas revoluções até a data foram golpes de estado entre homens, em uma tépida tentativa de podar os galhos, mas deixando a raiz cravada no propósito de preservar seu próprio privilégio masculino (1978, p.9).
O intento revolucionário do feminismo radical é expresso primeira e principalmente em seu centramento na mulher: as experiências e interesses das mulheres estão no centro de nossa teoria e prática. É a única teoria por e para mulheres. O feminismo radical nomeia todas as mulheres como parte de um grupo oprimido, salientando que nenhuma mulher pode andar na rua ou mesmo viver de forma segura em casa sem medo de violação dos homens. Mas a feminista francesa Christine Delphy aponta que, como todas as pessoas oprimidas, muitas mulheres não gostam de aceitar que são parte de um grupo oprimido, mal-entendendo uma análise de poder como uma “teoria da conspiração” e, erroneamente, sentindo uma ameaça ao seu senso de agência.
O feminismo em si mesmo frequentemente marginalizou o feminismo radical, se deslocando para um libertarianismo fácil e confortável, salientando o individualismo ao invés da responsabilidade coletiva; ou para o socialismo com suas estruturas já prontas a atacar, retirando o calor dos principais atores do patriarcado: os homens mesmos.
Mais de dezesseis anos depois da publicação de Feminist Practice: Notes From the Tenth Year (1979) – um panfleto auto-publicado por um grupo inglês de feministas radicais –, muitos dos comentários sobre o lugar do feminismo radical ainda permanecem verdadeiros.
Nós podemos todas concordar que nós nos chamaríamos Feministas Radicais e de que queremos fazer algo a respeito do fato de que sentimos que nossa política foi perdida, se tornou invisível, no estado atual do WLM [Women’s Liberation Movement]. Sentimos que isso foi em parte culpa do próprio Feminismo Radical, visto que na Inglaterra não escrevemos muito por nós mesmas – concentrando na ação – e assim sendo definidas (difamadas?) por outros por omissão.
Sentimos que o Feminismo Radical tem sido uma, se não a, maior força no WLM desde seu início, mas assim que as facções começaram a aparecer, raramente foram as mulheres que se chamavam feministas radicais que definiram o feminismo radical. Durante muito tempo, foi utilizado como um termo de injúria para cercar aqueles aspectos do WL que assustavam aquelas preocupadas com a aceitação masculina, aqueles aspectos que mais ameaçavam sua imagem de respeitabilidade. Feministas radicais se tornaram um objeto social de escárnio que aquelas mulheres e homens poderiam então se dissociar.
O feminismo radical pós-60 também tinha sua história no ativismo das mulheres do passado. Por exemplo, Hedwig Dohm na Alemanha, Susan B. Anthony, Matilda Joslyn Gage e Charlotte Perkins nos EUA, Christabel Pankhurst (antes de seu socialismo) e Virginia Woolf na Inglaterra e Vida Goldstein na Austrália são apenas algumas de nossas predecessoras. [1] Em novembro de 1911, na Inglaterra, uma revista feminista radical, The Free Woman, começou a publicar semanalmente como um fórum para ideias revolucionárias sobre mulheres, casamento, política, prostituição, relações sexuais e questões relativas à opressão das mulheres e estratégias para acabar com ela. Foi banida por livreiros, e muitas sufragistas objetaram a ela por causa de sua posição crítica na luta pelo voto como a questão única que garantiria a igualdade das mulheres. “O feminismo é a questão toda; a emancipação política, uma questão derivada”, elas escreveram (em Tuttle: 1986, p. 117).
Princípios Definitórios do Feminismo Radical
Como o espaço é limitado, nos concentramos nos princípios gerais compartilhados pelas várias correntes no interior do feminismo radical ao invés das diferenças entre eles. O primeiro e fundamental tema é o de que as mulheres como um grupo social são oprimidas por homens como um grupo social e de que essa opressão é a opressão primária para as mulheres. O patriarcado é a estrutura opressiva da dominação masculina. O feminismo radical torna visível o controle masculino assim que é exercido em toda esfera das vidas das mulheres, tanto pública quanto privada. Então, a reprodução, o casamento, a heterossexualidade compulsória e a maternidade são locais primários de ataque e preveem mudança positiva.
Robin Morgan capta a excitação do feminismo radical em sua definição em Going Too Far.
… Não foi… Uma asa ou um braço ou um dente da Esquerda – ou Direita – ou nenhum outro grupo masculino-definido, masculino-controlado. Era algo bastante Outro, algo em si mesmo, uma política totalmente nova, uma maneira inteiramente diferente e assombrosamente radical de perceber a sociedade, uma questão senciente, a vida em si mesma, o universo. Era uma filosofia. Era imenso. Era também mais decididamente um Movimento real, autônomo, esse feminismo, com todas as forças que implicava. E com todos os males também – as familiares disputas mortíferas.
Uma segunda característica elementar do feminismo radical é a de que é criado por mulheres para mulheres. Christine Delphy coloca que as pessoas da Esquerda, por exemplo, estão lutando em nome de outro alguém, mas que
… As contradições que resultam dessa situação são externas ao feminismo. Não estamos lutando por outros, mas por nós mesmas. Nós e ninguém mais são as vítimas da opressão de que estamos denunciando e lutando contra. E, quando falamos, não é em nome ou no lugar de outros, mas em nosso próprio nome e em nosso próprio lugar (1984, p. 146).
O feminismo radical salienta que a “emancipação” ou a “igualdade” em termos masculinos não é o suficiente. Uma revolução total das estruturas sociais e a eliminação dos processos do patriarcado são essenciais. Em seu artigo publicado originalmente em 1979, entitulado “I Call Myself a Radical Feminist”, a escritora britânica Gail Chester delineou sua posição, claramente se definindo como “ativa por e acreditando na necessidade de um movimento revolucionário forte e autônomo da libertação das mulheres” (p. 12). Para ela, o feminismo radical é tanto socialista em seu intento e revolucionário.
Mary Daly define o feminismo radical em termos da selfhood das mulheres. Reivindincando e refazendo a linguagem, ela exorta as mulheres a tomarem seus Eus verdadeiros de volta, e se tornarem auto-ativas, auto-respeitosas. Em Gyn/Ecology (1978), ela chama o feminismo radical a “jornada das mulheres se tornando” (p. 1). Mary Daly tem um estilo único no qual ela re-trabalha a linguagem para propósitos feministas radicais. Seu trabalho é apaixonado, poético e lida com a dimensão espiritual. Ela vê a tarefa feminista radical como uma mudança de consciência, redescobrindo o passado e criando o futuro através da “alteridade” radical das mulheres. Em suas próprias palavras (p. 39): “O Feminismo Radical não é reconciliação com o pai. Ao invés disso, é afirmar nosso nascimento original, nossa fonte original, movimento, surto de viver. Esse encontro de nossa integridade original é relembrar nossos Eus”.
Na introdução à primeira questão do jornal feminista francês Questions Feministes (1977) – um jornal de teoria feminista radical – as editoras identificam sua perspectiva política como feminista radical, reconhecendo que a luta política que estão envolvidas é contra “a opressão das mulheres pelo sistema social patriarcal” (p. 5). Elas esboçam alguns dos princípios básicos do feminismo radical: a noção de que a existência social dos homens e das mulheres foi criada ao invés de ser parte de sua “natureza”; o direito das mulheres não a serem “diferentes”, mas de serem “autônomas”; e uma abordagem materialista em analisar a opressão das mulheres baseada na premissa de que as mulheres formam uma classe social baseada no sexo. Como Kate Millet (1971) escreveu: “o sexo é uma categoria de status com implicações políticas”.
De que as mulheres formam um grupo, isso pode ser comparado com uma classe social como uma parte inerente da teoria feminista radical. Ti-Grace Atkinson escreveu em 1974 que “a análise começa com a raison d’être feminista de que as mulheres são uma classe, de que essa classe é política por natureza, e de que essa classe política é oprimida. Desse ponto em diante, o feminismo radical se separa do feminismo tradicional” (p. 41). Ela via o “sistema homem/mulher” como “a primeira e mais fundamental instância da opressão humana”, acrescentando que “todos os outros sistemas de classe são construídos em cima dele”. Ela escreve:
As mulheres não serão livres até que todas as outras classes oprimidas estejam livres. Não estou sugerindo que as mulheres trabalhem para libertar as outras classes. No entanto, no caso das mulheres oprimindo outras mulheres, o exercício do privilégio de classe por identificação na realidade encaixa a classe sexual. Ao identificar seu interesse com aquele de qualquer classe de poder, estará desse modo mantendo a posição daquela classe. Tão longo quanto qualquer sistema de classe é deixado em pé, permanece nas costas das mulheres (1974, p. 73).
Na Introdução à Feminist Practice: Notes from the Tenth Year (1979), os princípios do Women’s Liberation foram claramente delineados. Desse manifesto, podemos reunir alguns tópicos comuns: o feminismo radical insiste em que mulheres como uma classe social ou grupo social são oprimidas por homens como um grupo social assim como individualmente por homens que continuam a se beneficiar dessa opressão e não fazem nada para mudar isso; o sistema através do qual os homens fazem isso foi denominado patriarcado; o feminismo radical é centrado na mulher e salienta tanto o pessoal quanto o político e a necessidade pela ação e responsabilidade coletivas; é o “poder” ao invés da “diferença” que determina a relação entre mulheres e homens. E, finalmente, de que “tudo quanto fizermos, que desfrutemos de nós mesmas enquanto isso!”.
Teoria e Prática
Porque a teoria é baseada nas experiências de vidas das mulheres, é parte do sistema de valores do Feminismo Radical que “o pessoal é político”. Nas palavras de Gail Chester (1979, p. 13): “A teoria Feminista Radical é aquela teoria que se segue à prática e é impossível de desenvolver na ausência de prática, porque nossa teoria é aquela prática e nossa prática é nossa teoria”. Mal-entendidos ocorreram porque críticos afirmam que o feminismo radical rejeitou a teoria. Mas ele sempre manteve que nós sim precisamos da teoria para entender as experiências das mulheres, para avaliar as causas da opressão das mulheres e para elaborar estratégias para a ação. Mas nós sim rejeitamos a teoria que é muito esotérica, muito desconectada da realidade das experiências das mulheres, muito inacessível à maioria das mulheres, para quem o feminismo é suposto de servir: teoria que nós, em outro lugar, entitulamos “teoria desengajada”. [2]
Chester argumenta que a teoria feminista radical não foi reconhecida como “uma teoria” porque nem sempre foi escrita (p. 14): “Se sua teoria é encarnada em sua prática, então o modo como você age politicamente tem tanto direito de ser tomado como uma colocação séria de sua posição teórica quanto escrever em um livro que dificilmente alguém lerá de qualquer maneira”.
Charlotte Bunch escreveu que a teoria não é “simplesmente intelectualmente interessante”, mas que é “crucial à sobrevivência do feminismo”. Não é um exercício acadêmico, mas “um processo baseado na compreensão e avanço do movimento ativista” (1983, p. 248). Para este fim, a teoria feminista radical não é um exercício objetivo, desvinculado das mulheres em si mesmas. Uma teoria que começa com as mulheres, coloca as mulheres e suas experiências no centro e nomeia a opressão das mulheres, envolve uma visão holística do mundo, uma análise que sonda cada faceta da existência das mulheres. Não é, como Bunch indica, uma “longa lista das ‘questões das mulheres’”, mas “fornece uma base para entender cada área de nossas vidas… Politica, cultural, economica e espiritualmente” (1983, p. 250).
Bunch adverte feministas radicais contra se tornarem cansadas e sentindo que a teoria feminista é muito lenta em trazer mudança. Nestes momentos, “feministas são tentadas a submergir nossos insights em uma das duas teorias progressivas de realidade e mudança dominantes do século: liberalismo democrático e socialismo Marxista” (p. 250). Bunch argumenta que, enquanto o feminismo pode aprender de ambas as correntes de teoria, ele não deve ser embutido dentro deles ou atado a eles porque nossa visão do mundo é uma visão alternativa que é autônoma e centrada nas mulheres.
Para ela, a teoria “tanto cresce do ativismo e o guia em um processo contínuo, em espiral” (p. 251). Pode estar dividida em quatro partes interrelacionadas: uma descrição do que existe e a nomeação da realidade; uma análise do porquê a realidade existe e a origem da opressão das mulheres; estratégias sobre como mudar essa realidade; e determinar uma visão para o futuro (pp. 251-53).
Um exemplo da coalescência entre a teoria e a prática é o desenvolvimento da ação coletiva. Através do trabalho coletivo, o feminismo radical tentou eliminar o conceito de hierarquia que posiciona o poder nas mãos de uns poucos em cima dos muitos. Trabalhar numa maneira cooperativa para um objetivo comum dá valor para cada mulher, permitindo a ela uma voz, ainda assim, fazendo todos os membros responsáveis coletivamente pela ação.
Um exemplo da fundamentação do ativismo na teoria emerge na análise das questões dolorosas e torpes centrando nas muitas violências contra as mulheres: espancamento, estupro, incesto, violência reprodutiva e feminicídio. Organizações de base no nível da existência e sobrevivência diária de mulheres, por exemplo no interior do Rape Crisis Centre Movement e do Domestic Violence Movement, salientam a luta contínua contra o abuso patriarcal. Também salientam a crença de que em todos os dias de nossas vidas, as mulheres podem contribuir para o desgaste da auto-imagem negativa e o senso de falta de poder que a sociedade dominada pelos homens nos transmite. Assim, a revolução acontece todo dia, não em um futuro imaginado. Nas palavras de Gail Chester:
Porque o Feminismo Radical não reconhece uma divisão entre nossa teoria e prática, somos capazes de dizer que a revolução pode acontecer agora, através de nós tomando ações positivas para mudar nossas vidas… É uma visão muito mais otimista e humana da mudança do que a noção definida pelos homens da construção em direção a uma revolução em algum ponto em um futuro distante, uma vez que todas as preparações foram feitas (1979, pp. 14-15).
Patriarcado
O feminismo radical vê o patriarcado como um sistema de valores universal, embora se mostre em diferentes formas cultural e historicamente. [3] Ruth Bleier o define deste modo:
Por patriarcado, me refiro ao sistema histórico da dominação masculina, um sistema comprometido na manutenção e reforço da hegemonia masculina em todos os aspectos da vida – privilégio e poder pessoal e privado, assim como privilégio e poder público. Suas instituições direcionam e protegem a distribuição de poder e privilégio daqueles que são homens, repartidos, no entanto, de acordo com classe social e econômica e raça. O patriarcado toma diferentes formas e desenvolve específicas instituições de apoio e ideologias durante diferentes períodos históricos e economias políticas (1984, p. 162).
O patriarcado é um sistema de estruturas e instituições criadas por homens de forma a sustentar e recriar o poder masculino e a subordinação feminina. Tais estruturas incluem: instituições tais como a lei, a religião e a família; ideologias que perpetuam a posição “naturalmente” inferior das mulheres; processos de socialização que garantem que as mulheres e homens desenvolvam comportamentos e sistemas de crenças apropriados ao grupo poderoso ou menos poderoso a que pertencem.
As estruturas do patriarcado que foram estabelecidas de forma a manter o poder masculino foram claramente analisadas por feministas radicais. Estruturas econômicas foram tratadas por, por exemplo, Lisa Leghorn e Katherine Parker (1981); Marilyn Waring (1988); Prue Hyman (1994). Hilda Scott (1984) claramente demonstra o aumento da feminilização da pobreza. Estruturas políticas, legais e religiosas são dominadas pelos homens que garantem que eles mantenham essas posições. O direito das mulheres de votar é somente um evento recente historicamente. No interior da profissão legal, poucas mulheres sentam nos bancos mais altos do sistema da corte. No interior do domínio privado da família, do casamento e da reprodução, os homens estruturaram um sistema por meio do qual a capacidade reprodutiva da mulher a deixa vulnerável, explorada domesticamente, e frequentemente aprisionada na dependência econômica.
A ideologia patriarcal mantêm essas estruturas. A família é mantida através do conceito de amor romântico entre homens e mulheres, quando na realidade contratos de casamento tiveram tradicionalmente uma base econômica. O trabalho das mulheres no interior da família, que tem sido não remunerado e não reconhecido, e que inclui prestar serviço emocional aos membros da família, bem como prestar serviço físico, continua a ser definido como um “trabalho de amor”. Homens manejaram a criar uma ideologia que define os homens como donos “naturais” do intelecto, da racionalidade e do poder de governar. Mulheres são “por natureza” submissas, passivas e dispostas a serem chefiadas. Processos tais como a socialização de crianças encorajam que essa situação continue. Assim, por exemplo, em jogos de playground, garotos logo aprendem que eles são para agir e as meninas, para criar “audiência” para as perfomances masculinas.
A construção da família e da dependência econômica das mulheres nos homens também se interrelaciona com a ideologia da realidade hetero [4] e das estruturas da heterossexualidade. Adrienne Rich (1980) analisou a natureza compulsória da heterossexualidade e sua função enquanto uma instituição política. Ela argumenta que os homens temem que as mulheres possam ser indiferentes a eles e de que “os homens poderiam ser autorizados ao acesso emocional – portanto econômico – de mulheres apenas nos termos de mulheres” (p. 643). A natureza compulsória da heterossexualidade define o acesso dos homens às mulheres como natural e de seu direito.
Em uma análise mais ampla, Janice Raymond (1986) criou o termo realidade hetero, que é a crença de que, em nosso mundo, o propósito das mulheres é de ser “para os homens”. A realidade hetero determina que as mulheres solteiras são definidas como “soltas” no sentido promíscuo. Assim, o estado de estar livre e independente em relação a um homem é traduzido como um estado negativo de estar disponível a qualquer homem.
O sistema patriarcal está localizado no interior de um sistema de linguagem e de conhecimento que constrói a masculinidade e a feminilidade em apoio do desequilíbro de poder estabelecido. Dale Spender consignou essas questões através de sua análise da linguagem, mostrando como os homens construíram e controlaram a linguagem de forma a reforçar a posição subordinada das mulheres (Spender: 1980). Ela também reivindica “mulheres de ideias” historicamente e o conhecimento que criaram. Em Women of Ideas e What Men Have Done to Them, ela escreve:
Eu aceitei que uma sociedade patriarcal depende em grande medida das experiências e valores de homens sendo percebidos como o único quadro válido de referência para a sociedade e de que é por isso de interesse do patriarcado prevenir as mulheres de compartilhar, estabelecer e afirmar sua real igualdade, seu válido e diferente quadro de referência, que é o resultado de experiência diferente. (1982, p. 5).
Spender salienta que os homens controlaram o conhecimento e, por isso, tornaram as mulheres invisíveis no mundo das ideias. Estruturas no interior do patriarcado são estabelecidas de forma a manter a visão de que não há qualquer problema com o fato de que homens são mais poderosos que mulheres. Como ela diz (1982, p.7): “O patriarcado requer que qualquer conceptualização do mundo em que os homens e seu poder são um problema central deve se tornar invisível e irreal. Como pode o patriarcado se dar ao luxo de aceitar que os homens são um problema sério?”
O patriarcado também possui uma base material em dois sentidos. Primeiro, os sistemas econômicos são estruturados tais que as mulheres têm dificuldade em obter trabalho remunerado em uma sociedade que valoriza somente o trabalho pago e na qual o dinheiro é a moeda do poder. É extremamente difícil para mulheres sem independência econômica sustentar a si mesmas sem auxílio da família. É difícil deixar um marido brutal, recusar prestação de serviço sexual, emocional e físico aos homens, ter uma opinião desigual em decisões que afetam suas próprias vidas, tais como aonde podem viver. O feminismo radical, portanto, salientou a necessidade para as mulheres de exercer poder econômico em seu próprio direito.
O serviço doméstico não remunerado na casa é primário em apoiar o sistema patriarcal. Christine Delphy, cujo Feminismo Radical deriva de uma base Marxista, argumenta que “o patriarcado é o sistema de subordinação das mulheres aos homens em sociedades industriais contemporâneas, de que esse sistema possui uma base econômica, e de que essa base é o modo de produção doméstico” (1984, p. 18). É também um modo de consumo e de circulação de bens e difere do modo capitalista de produção porque “aqueles explorados pelo modo doméstico de produção não são pagos, mas ao invés disso mantidos. Nesse modo, portanto, o consumo não está separado da produção, e a distribuição desigual de bens não é mediado pelo dinheiro” (1984, p. 18). Delphy argumenta que a análise da opressão das mulheres utilizando uma análise tradicional de classe não é adequada porque não pode explicar a exploração específica de mulheres não remuneradas. Os homens são a classe que oprime e explora as mulheres e que se beneficia de sua exploração.
A segunda base material que o feminismo radical nomeia como crucial para a libertação das mulheres é a do corpo das mulheres em si mesmos. Internacionalmente, é o corpo de uma mulher que é a moeda do patriarcado. Kathleen Barry mostou em Female Sexual Slavery (1979) e em The Prostitution of Sexuality (1995) que o tráfico internacional de mulheres opera consideravelmente para controlar as mulheres socialmente. Mulheres no casamento são vistas como sendo “pertencidas” por seus maridos e não podem alegar um caso civil de estupro em muitos países. Os corpos das mulheres são usados na publicidade e na pornografia de modo semelhante, objetificados e definidos como “outros” e disponíveis para uso masculino. Como Delphy observa, “o feminismo, ao imprimir a palavra opressão no domínio da sexualidade, o anexou ao materialismo” (1984, p. 217). Os homens controlam as leis da reprodução, por exemplo parlamentos masculino-dominados e companhias farmacêuticas masculino-conduzidas determinam as formas de contracepção disponíveis e a extensão de seu uso. [5] Um governo masculino-controlado determina o acesso as mulheres a um aborto seguro. Leis desenvolvidas por homens determinam o poder civil ou falta de poder das mulheres em trazer acusações de estupro ou incesto contra homens.
Homens como um grupo desfrutam dos privilégios do poder. É do melhor interesse dos homens em manter o sistema patriarcal existente, e o mundo foi estruturado de forma a manter esse desequilíbro de poder, por exemplo, em sua estruturação de desigualdade de pagamento, e o mundo do trabalho segregado por sexo. Eles precisam manter o trabalho não remunerado de mulheres; prestação de serviço emocional e físico por mulheres; o senso de estar no poder que eles sentem individual e coletivamente. Homens experienciam tanto o medo e a inveja do poder reprodutivo das mulheres (O’Brien: 1981; Rowland: 1987b). É uma área da vida que pertence ao grupo menos poderoso, as mulheres. De forma a tomar o controle de volta, os homens desenvolvem leis regulando e controlando o aborto e a contracepção. Historicamente, eles combateram parteiras pelo controle do nascimento e, através dos novos desenvolvimentos de tecnologia reprodutiva, buscam controlar a concepção em si (Rowland: 1992/1993).
O poder masculino é mantido e definido através de uma variedade de métodos: através de instituições no interior da sociedade, através da ideologia, através da coerção ou da força, através do controle de recursos e recompensas, através das políticas da intimidade, e através do poder pessoal. A rotulagem simplista de uma análise do patriarcado como uma “teoria da conspiração” convenientemente permite críticos do feminismo radical a demitir essa análise da opressão das mulheres (veja também Chesler: 1994 sobre o patriarcado de uma perspectiva de uma “perita”).
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[1] Veja Dale Spender (1983), para uma compilação de escritos históricos sobre teóricas feministas.
[2] Renate Klein e Robyn Rowland, Feminist Theory into Action: The Politics of Engagement, Australian Women’s Studies Association Annual Conference, University of Sydney, September, 1992 (não publicado).
[3] Para exemplos de sua universalidade, veja Morgan (1984) e Seager e Olson (1986).
[4] No original, hetero-reality. (N. da T.)
[5] Feministas radicais também salientam a importância de aplicar uma análise centrada na mulher às várias formas de controle populacional, dado que oprimem mulheres nos assim chamados países de Terceiro Mundo. Veja, por exemplo, Vimal Balasubrahmanyan (1984) e Viola Roggenkamp (1984) sobre a Índia, e Farida Akhter (1987, 1992) sobre Bangladesh e Betsy Hartmann (1995).
Fonte:
ROWLAND, Robyn; KLEIN, Renate. Radical Feminism: History, Politics, Action. In: Radically Speaking: Feminism Reclaimed. North Melbourne, Victoria: Spinifex Press, 1997. p. 9-17.