Liberalismo Sexual e Reprodutivo
Janice G. Raymond
· Versão original
· Arquivo PDF
Era uma vez, no início desta onda do feminismo, existia um consenso de que as escolhas das mulheres eram construídas, sobrecarregadas, emolduradas, debilitadas, constrangidas, limitadas, coagidas, formatadas, etc. pelo patriarcado. Ninguém propôs que isso significasse que as escolhas das mulheres são determinadas, ou que as mulheres eram passivas ou vítimas desamparadas do patriarcado. Isso era porque muitas mulheres acreditavam no poder do feminismo para mudar as vidas das mulheres e, obviamente, as mulheres não poderiam mudar se elas fossem socialmente determinadas nos papéis ou fossem massas maleáveis nas mãos dos patriarcas. Nós até falamos sobre maternidade compulsória e, sim, heterossexualidade compulsória! Nós falamos sobre as maneiras nas quais mulheres e jovens garotas eram calejadas na prostituição, acomodando a si mesmas no espancamento masculino, e eram canalizadas em empregos mal pagos e sem saída. E a mais moderada entre nós falou sobre a socialização do papel sexual. As mais radicais escreveram manifestos detalhando a construção patriarcal da opressão das mulheres. Mas a maioria de nós concordava que, chameo-o como quiser, as mulheres não estavam simplesmente “livres para ser eu e você”.
O tempo passou, e veio acoplada essa visão mais “matizada” do feminismo. Ela nos disse para prestarmos atenção à nossa linguagem de mulheres como vítimas. Mais mulheres foram para escolas profissionais e de graduação, tornarnaram-se “mais inteligentes”, foram recebidas no tribunal, foram para a academia, e se tornaram especialistas em indispostos tipos de campos. Elas compartilharam do poder que os deuses masculinos tinham criado e “viram que isso era bom”. Elas começaram a dizer coisas como “… Um grande cuidado necessita ser tomado para não retratar mulheres como incapazes de decisões responsáveis” (Andrews, 1987: 46).
Algumas mulheres acreditaram serem estas palavras familiares, que elas haviam as ouvido antes, mas as analistas do discurso feminista não pareciam particularmente interessadas em registrar o retorno ao que as feministas “antiquadas” classificaram como o discurso liberal patriarcal. Elas disseram que isso era chato e fora de moda e, além do mais, as mulheres já ouviram o suficiente disso, e era depressivo. Não vamos ser simplistas e culpar os homens, elas disseram, uma vez que essa análise “oferece tão poucos pontos de alavancagem para a ação, tão poucos pontos de entrada imaginativos por visões de mudança” (Snitow e outro/as, 1983: 30). Ao invés dsso, elas começaram a falar sobre as “Reprodutoras Felizes”, as “Prostitutas Felizes”, as “mulheres que amavam isso” e aquelas que amariam isso se elas pudessem somente ter “a liberdade e o espaço socialmente reconhecido para apropriar para si mesmas a robustez do que tradicionalmente tem sido linguagem masculina” (FACT. 1985:31).
Isso era familiar também, mas então algo de estranho aconteceu. Aquelas mulheres que haviam notado o fio de continuidade entre o discurso liberal patriarcal e o feminismo FACT [1], por exemplo, começaram a notar que, ao invés de mulheres imitando o discurso masculino, os homens começaram a imitar as mulheres. Gary Skoloff, o advogado de Bill Stern em Nova Jersey no caso da maternidade por substituição, resumiu seu argumento de tribunal dizendo: “Se você prevenir as mulheres de se tornarem mães de aluguel e negar-lhes a liberdade de decidir… Você está dizendo que elas não têm a habilidade de fazer suas próprias decisões… Tem sido injustamente paternalista e é um insulto à população feminina dessa nação” (Snyder. 1987). Algumas mulheres sentiram isso. “A imitação é a mais sincera das lisonjas”. Elas começaram a depor em favor de coisas como pornografia e maternidade por substituição para que então pudessem imitar todos os homens que as imitavam. Ficou difícil dizer quem estava imitando quem.
E os legisladores do Estado começaram a apresentar projetos de lei advogando contratos de aluguel, com regulações devidas, é claro, que em sua maior parte protegiam o doador de esperma e as agências corretoras, porque o feminismo era de melhor interesse dos homens e, finalmente, os homens se deram conta disso. É como os humanistas feministas tiveram sempre dito: que a libertação das mulheres significa a libertação dos homens.
Harvey Sorkow, o deslocamento na decisão inicial do “Bebê M”, viu que Bill Stern, o doador de esperma, foi dominado com o “intenso desejo” de procriar e até mesmo disse que isso estava “no interior da alma”. Ele disse que o argumento feminista que um “grupo de pessoas superiores da elite econômica irá usar o grupo econômico inferior de mulheres para ‘fazer seus bebês’” era “insensível e ofensivo” para os Bill Sterns deste mundo. Um próprio homem de sentimento, ele disse que Mary Beth Whitehead era uma “mulher sem empatia”. Ele estava muito preocupado que o Sr. Stern experimentasse seu “cumprimento” enquanto pai, e então ele deu-lhe a Bebê Sara, que o Sr. Stern chamou de Bebê Melissa (“In the Matter of Baby ‘M’”, 1987: 72, 73, 72, 106, 96).
Pouco antes disso, o Procurador-Geral convocou uma Comissão Sobre Pornografia que ouviu um depoimento de mulheres que tiveram sido abusadas na pornografia – “… Uma exibição de vítimas auto-descritas que contam suas tristes histórias por trás de uma tela opaca… Muitos especialistas em ambos os lados da questão dizem que tais contos anedóticos de infortúnio não provam nada sobre o efeito de materiais sexualmente explícitos” (Kurtz, 1985: A4, grifo meu). Isso foi relatado por Howard Kurtz do Washington Post, outro homem de sentimento. Para não ser ultrapassada em sentimento, Carol Vance verteu desdém no testemunho dessas mesmas mulheres ao citar com louvor um homem repórter que iria deslocá-la durante as audiências e dizer “falso testemunho” (Coveney e Kay. 1987: 12).
Vítimas de pornografia escolhem suas próprias camas nas quais deitar. Mary Beth Whitehead escolheu assinar o contrato. Todos/as os homens e as mulheres de sentimento acreditam nisso. É o nosso direito de escolher, o que está em jogo. Poronografia e maternidade por substituição protegem aquele direiro de escolha. Feminismo é FACT; feminismo é a “liberdade procriativa”. Liberdade é liberalismo.
*
Com a “vinda da idade” desta onda particular do feminismo, nós temos visto um deslocamento do radicalismo feminista ao liberalismo feminista. Esse liberalismo feminista é tanto causa quanto efeito da chamada pró-pornografia feminista e dos movimentos libertários sexuais feministas. O liberalismo sexual que tem vindo a ser definido como “feminismo”, nós estamos agora testemunhando novamente na esfera reprodutiva. Existem várias comparações que podem ser feitas entre liberais sexuais e reprodutivos, especialmente em suas reinvindicações da pornografia e das novas tecnologias reprodutivas. Eu quero iluminar uma dessas comparações aqui, especificamente como ambos os grupos utilizam a retórica do “direito à escolha” da mulher. Ambos liberais sexuais e reprodutivos têm investido em um antigo discurso liberal sobre a escolha com um conteúdo novo e supostamente feminista.
Os liberais sexuais estão inconfortáveis em focar as mulheres como objetos e vítimas da supremacia masculina. Eles invocam uma linguagem de ir “além” das maneiras nas quais os homens objetificam, exploram e vitimizam mulheres (não a qualquer realidade de como mulheres sobrevivem por causa de suas ligações com outras mulheres, no entanto). Eles teriam-nos a tomar um “grande passo a frente” nas formas pelas quais as mulheres são agentes de, por exemplo, seus status na pornografia ou seus papéis enquanto representantes de reprodução. Raciocinando que porque as mulheres escolhem a pornografia ou a maternidade por substituição, eles argumentam que as mulheres precisam dessas “escolhas” para serem livres.
O liberalismo feminista sexual e reprodutivo clama por uma visão mais “matizada” das mulheres e do mundo. Esse é um feminismo que representa muitas mulheres como “escolhendo” a prostituição e a maternidade por substituição, enquanto presta uma perfunctória atenção nas formas pelas quais essas “escolhas” são sobrecarregadas pela construção masculina da realidade das mulheres. Além disso, os liberais mantêm isso porque as mulheres supostamente escolhem o acima citado; as feministas deveriam reconsiderar as meneiras pelas quais a prostituição, pornografia e maternidade por substituição não são monoliticamente opressivas, mas podem ser libertadoras para as mulheres. Enquanto o discurso liberal fala da boca pra fora sobre a vitimização das mulheres pela supremacia masculina, ele é “ligado” pela fantasia de que as mulheres agenciam, ou ao menos mediam, a cultura da supremacia masculina. Constante foco nas maneiras pelas quais essa cultura usa e explora mulheres, eles dizem, perpetua uma visão das mulheres incapazes de fazer escolhas.
Nós todos sabemos que, porque as mulheres têm sido constrangidas e influenciadas por um contexto social que promove a pornografia, prostituição e a maternidade por substituição, isso não significa que as mulheres são determinadas por esse contexto social. Mas os liberais sexuais caricaturam as feministas anti-pornografia e anti-maternidade por substituição como subscrevendo uma marca de determinismo social. Os liberais teriam que alguém não pode mais falar sobre constrangimentos ou influências sem cair no determinismo. Esse é um reducionismo conveniente alcançado pelo discurso liberal pelo propósito de valorizar ambos tráfico de corpos de mulheres e troca sexual e reprodutiva.
Lori Andrews soa como o novo/velho discurso liberal da escolha em seus escritos para ambos Associação Americana de Fertilidade [2], em seu relatório recomendando a maternidade por substituição como um “tratamento” para a infertilidade; e em sua política de recomendações e proposta legislativa sobre maternidade de substituição para as “Leis Reprodutivas para os 1990s” para o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres do Rutgers [3]. Note que há um evidente conflito de interesses aqui. Na elaboração do caso em favor da maternidade por substituição para a Associação Americana de Fertilidade, Lori Andrews tem justificado os interesses internos de um grupo médico que promove as novas tecnologias reprodutivas como parte de sua pesquisa e manutenção. Ao escrever para o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres e dos Direitos Reprodutivos, ela está representando um grupo de mulheres que deve abordar preocupações feministas não afetadas pelas prioridades do establishment médico.
Este conluio e conflito de interesses não são surpreendentes, no entanto, quando nós notamos que o maior autor da causa FACT, que opunha-se à determinação anti-pronografia e, na verdade, apoiou a pornografia como necessária à libertação sexual das mulheres, trabalha para a ACLU [4]. Hugh Hefner é um dos maiores contribuidores da ACLU. À medida que as forças pró-pornografia eram financiadas com o dinheiro da pornografia, assim também parece que alguns daqueles que representam a política dos “direitos das mulheres” em defesa das novas tecnologias reprodutivas, especialmente a maternidade por substituição, têm o mesmo status de agentes duplos.
Quanto à retória da escolha, a posição de Lori Andrews nos ensaios do Rutgers soa o tema de que “um grande cuidado necessita ser tomado para não retratar mulheres como incapazes de decisões responsáveis” (Andrews, 1987: 46). Sua ênfase imita a noção de “liberdade procriativa” do jurista John Robertson. Ela caricatura o príncipo básico do feminismo radical em que a escolha ocorre no contexto de uma sociedade onde existem sérias diferenças de poder entre homens e mulheres como “uma presumida incapacidade das mulheres de fazer decisões” (Andrews, 1987:14). Em constraste, Andrews promove uma “tomada de decisão reforçada” para assegurar que as mulheres façam “escolhas informadas e voluntárias para usar as tecnologias reprodutivas”, e uma “participação reforçada das mulheres no desenvolvimento e implementação das tecnologias reprodutivas…” (Andrews, 1987:14). Em uma frase, ela tem deixado as novas tecnologias reprodutivas (NTRs [5]) na porta social como necessárias para uma melhor tomada de decisão. Com mulheres participando no desenvolvimento e implementação das NTRs, com maior acesso à informação e recursos, e com maior controle sobre o uso dessas tecnologias, o objetivo da plena liberdade reprodutiva pode se alcançado, ela diz.
Essa retória da escolha soa familiar, isso é, nós ouvimos isso antes na causa FACT que foi escrita especificamente para opor a lei anti-pornografia de Dworkin-MacKinnon. Por exemplo, a causa ataca a determinação anti-pornografia, porque “isso implica em que mulheres individuais são incapazes de escolher por si mesmas o que elas consideram ser um material sexualmente aprazível sem ser degradada ou humilhada” (FACT, 1985: 4). Ela continua a dizer que a determinação anti-pornografia, porque “isso implica em que mulheres individuais são incapazes de escolher por si mesmas o que elas consideram ser um material sexualmente aprazível sem ser degradada ou humilhada” (FACT, 1985: 4). Ela continua a dizer que a determinação anti-pornografia “perpetua crenças que minam o princípio de que as mulheres são plenas, iguais e ativas em todas as esferas da vida, incluindo a sexual” (FACT, 1985: 18). Portanto, ela ataca a primeira definição legal da pornografia que foi desenvolvida especificamente para abordar as verdadeiras formas nas quais a pornografia prejudica as mulheres. Ela o faz com base em que a definição proposta de pornografia prejudica mulheres mais do que a pornografia em si mesma porque ela implica em que as mulheres são incapazes de escolha.
Em seu papel de informações sobre a maternidade por substituição, Lori Andrews ecoa o mesmo tema. Ela carticatura feministas que apontam para “pressões da sociedade” que constrangem a assim chamada escolha das mulheres a serem mães como negar às mulheres a faculdade de escolha. Como os autores da causa FACT, Andrews adverte que os argumentos feministas contra as NTRs oferecem um protetivismo que ao invés de ajudar as mulheres, em última instância resulta em prejudicá-las. Isso equivale a estereotipar mulheres como vítimas impotentes na opinião tanto de Andrews quanto da FACT.
Expor a vitimização de mulheres por homens é ser culpado por criá-la e por fazer das mulheres, vítimas passivas. Os liberais falham em reconhecer que a vitimização das mulheres pode ser reconhecida sem rotular as mulheres de passivas. Passividade e vitimismo não necessariamente andam juntos. É a equiparação de vitimização com passividade dos liberais. São eles que estebelecem essa equação. Os judeus foram vítimas dos nazistas, mas isso não faz deles passivos, nem a realidade da vitimização definiu a totalidade de sua existência. Parece óbvio que se possa reconhecer que as mulheres são vítimas da maternidade por substituição, pornografia e prostituição sem retirar as mulheres da agência e sem destituí-las de alguma habilidade de agir sob condições opressivas.
A Causa FACT foi tão longe a ponto de dizer que as mulheres têm sido estereotipadas como vítimas pelas leis estatutórias do estupro. “Tais leis reforçam o estereótipo que, no sexo, o homem é o ofensor e a mulher, a vítima, e que jovens homens podem legitimamente envolver-se com sexo, ao menos com pessoas mais velhas, enquanto uma jovem mulher não pode legalmente fazer sexo com ninguém”. (FACT, 1985: 6). No mesmo sentido, ela culpa a Mann Act [6], alegando que ela “baseou-se na noção de que mulheres requerem proteção especial de atividade sexual” (FACT, 1985, 7). A Mann Act foi promulgada para legislar contra o sequestramento de mulheres para a escravidão sexual e especificamente proíbe o transporte interestadual de mulheres com propósitos de prostituição. A causa FACT constata que isso reflete “o pressuposto de que mulheres não tem decisão própria e devem ser protegidas contra si mesmas” (FACT, 1985: 7).
Ao passo que o papel de informações sobre a maternidade por substituição foi além de atacar aqueles que se opunham à maternidade por substituição para defender a mesma, a causa FACT vai além de atacar a posição feminista anti-pornografia para defender a pornografia. Compare essas duas declarações:
As mulheres precisam da liberdade e o espaço socialmente reconhecido para apropriar para si mesmas a robustez do que tradicionalmente tem sido a linguagem masculina (FACT, 1985: 31).
Tradicionalmente, as pessoas têm sido permitidas a participar de atividades de risco (assim como bombeiros) baseado em seus voluntários consentimentos informados. Os riscos em participar em reprodução alternativa não parecem ser maiores do que riscos que as mulheres correm em outras áreas de suas vidas (Andrews, 1987: 11).
Os liberais sexuais e reprodutivos reiteram, quase como um encantamento, que as mulheres não são meramente as vítimas passivas da maternidade por substituição ou os recipientes passivos da pornografia, mas são as agentes de muitos diferentes motivos e práticas nesses cotextos. Novas abordagens, eles dizem, devem dar proeminência às mulheres enquanto agentes nessa “cultura” e as formas pelas quais as mulheres criam, usam e administram a pornografia e a maternidade por substituição com significados não intencionais pelos patriarcas. As mulheres podem ser usadas, mas as mulheres, por sua vez, utilizam a maternidade por substituição e a pornografia em seus próprios interesses. A palavra-chave no dicionário liberal é a agência das mulheres.
Existe uma coisa errada com essa ênfase. Ela constata a evidência da agência das mulheres no interior das várias instituições de pornografia e maternidade por substituição. Ela primariamente localiza a agência das mulheres no interior da “cultura” da dominação masculina. Ela desloca a atenção de uma análise e ativismo objetivada a destruir esses sistemas a uma justificação deles. Ao romantizar a vitimização como libertadora, ela coloca a opressão das mulheres na maternidade por substituição e a pornografia em um pedestal. E, ao fazê-lo, ela encoraja mais mulheres dentro desses sistemas, mais frequentemente. Ela acomoda as mulheres em uma liberdade sexual e reprodutiva na qual a “liberdade” consiste em abrir mão de sua liberdade. Como as mulheres vieram a querer, desejar, escolher o que os homens querem e desejam que nós escolhemos não é parte da agenda liberal. É essa complexidade que o liberalismo feminista mais “matizado” iria simplificar.
Feministas radicais nunca negaram a agência de mulheres sob as condições da opressão. Mas feministas radicais têm localizado a agência das mulheres, a tomada de escolhas das mulheres, em resistência àquelas instituições opressivas, não na assimilação das mulheres a elas. Em lugar algum na literatura liberal feminista mais “matizada” sobre a escolha é a resistência das mulheres à pornografia e à maternidade por substituição salientada como indicações da agência feminina. Que tal a agência de mulheres que têm testemnunhado sobre seus abusos na pornografia, arriscando exposição e escárnio e frequentemente os obtendo? Que tal as ex-mães de aluguel que escolhem lutar por si mesmas e suas crianças em tribunal, contra as demasiadamente maiores vantagens econômicas, legais e psicológicas do doador de esperma? Se nós queremos salientar a agência das mulheres, vamos olhar nos lugares certos.
Liberais feministas estão demandando que as mulheres sejam creditadas com uma capacidade para escolher ponografia ou maternidade por substituição, porque sem esse brilho na realidade das mulheres, elas nunca poderiam reinvindicar essas instituições. Se eles realmente se importassem sobre como as mulheres rompem os padrões opressivos e tradicionais da escravidão sexual e reprodutiva, obrigações e papéis, então eles não encontrariam a evidência no comportamento e ações que mantêm a agência das mulheres restringidas às condições da pornografia e maternidade por substituição.
É interessante ver onde nosso direito em escolher é defendido e onde ele não é. É mais do que coincidência que os liberais não têm defendido a agência das mulheres na criação de uma cultura que desafia o patriarcado, mas têm optado por restringir a sua defesa da agência das mulheres às próprias instituições da pornografia e maternidade por substituição que apoiam a supremacia masculina.
A escolha pela qual feministas radicais defendem é substancial. Nós perguntamos qual o atual teor e significado de escolha que emerge de um contexto de impotência. Tais escolhas como a maternidade por substituição alimentam o empoderamento das mulheres enquanto classe e criam um mundo melhor para as mulheres? Que tipos de escolhas têm as mulheres quando subordinação, pobreza e trabalho degradante são as opções disponíveis “à maioria”? O ponto não é negar que as mulheres sejam capazes de escolher no interior de contextos de impotência, mas questionar quanto poder real essas “escolhas” possuem. Para parafrasear Marx e aplicar aqui suas palavras, as mulheres fazem suas próprias escolhas, mas elas frequentemente não as fazem como gostariam. Elas não o fazem sob condições que elas criam, mas sob condições e constrangimentos que elas são frequentemente impotentes em mudar. Quando Marx proferiu esses pensamentos, ele foi aclamado pelo seu insight político. Quando feministas radicais dizem o mesmo, elas são culpadas por estarem condescendendo com mulheres.
Os liberais sexuais e reprodutivos nos convenceriam de que nossa liberdade está em abdicar nossa liberdade – no caso da maternidade por substituição, a liberdade assegurada de um contrato que “liberta” a assim chamada mãe de aluguel a ser artificialmente inseminada, ser constantemente monitorada medicamente, ser paga somente parcialmente se ela abortar, submeter-se a amniocentese, submeter-se a um aborto se o teste revelar que o feto é geneticamente ou congenitamente anormal ou, inversamente, deter-se de abortar se o feto é normal, seguir fielmente as ordens dos médicos, abster-se de fumar, beber e drogas não autorizadas pelo médico. São essas as liberdades pelas quais as mulheres têm morrido por? É esse o absurdo final de uma palavra e uma realidade de liberdade que perdeu toda a profundidade e poder de sentido?
Se isso é o que a liberdade feminina se reduz, nós não estamos tão longe do mundo que Orwell descreveu em 1984, aonde, em apontar como o pensamento é dependente de palavras, ele deu o exemplo da palavra “livre”, que tinha sido privada de todo o significado político. Deste modo, “livre” poderia somente ser usada em tais declarações como “este cão está livre de piolhos” ou “este campo está livre de ervas daninhas”. “Ela não poderia ser usada em seu significado antigo de ‘politicamente livre’ ou ‘intelectualmente livre’, visto que as liberdades política e intelectual não mais existiam mesmo enquanto conceitos…” (Orwell, 1949: 247). Judge Sorkow e os/as advogados liberais como John Robertson e Lori Andrews os/as quais ele ecoa ao defender a maternidade por substituição como “liberdade procriativa”, somente serve para ainda retirar o conceito e a realidade da liberdade de qualquer sentido político real para as mulheres. Por causa disso, eles/as ajudam a reforçar a noção de que a liberdade feminina está em ter “o direito” de renunciar nossa liberdade, nosso controle sobre nossos corpos.
Existe muita retórica pseudo-feminista da liberdade e escolha que mascara a essencial escravidão da maternidade por substituição. E existe uma manipulação consciente da linguagem e da realidade que ocorre quando defensores da maternidade por substituição usam a retórica da “liberdade procriativa” sabendo que muitas mulheres irão ressoar com esta frase por causa da anterior ênfase feminista na escolha reprodutiva articulada ao redor da questão do aborto. O próprio Judge Sorkow equiparou o “direito” de ser uma mãe de aluguel com o direito de se ter um aborto. A luta feminista por abortos legais era o direito de crontrole sobre nossos corpos. Que não haja nenhum engano sobre isso – maternidade por substituição é o “direito” de abrir mão do controle de nossos corpos. E qualquer um que a isso não entenda deveria ler atentamente o contrato da maternidade por substituição, até mesmo aqueles que têm sido lavados legislativamente para omitir as grosseiras inequidades do acordo Whitehead-Stern.
———————————————————————————————
[1] FACT (Feminist Anti-Censorship Taskforce), grupo atualmente extinto associado a Carole Vance e Ann Snitow. (N. da T.)
[2] American Fertility Association, no original. (N. da T.)
[3] O Relatório da Associação Americana de Fertilidade entitulado “Considerações Éticas das Novas Tecnologias Reprodutivas” (questão especial de Fertility and Sterility, Suplemento 1, Setembro de 1986, Vol. 46, No. 3) foi de autoria do “Comitê Ético” da Associação Americana de Fertilidade. Esse grupo conta entre seu conjunto de membros muitos dos endocrinologistas reprodutivos e cirurgiões que estão agora envolvidos em pesquisa e prática das novas tecnologias reprodutivas. Entre os membros de seu “Cômite Ético” de onze anos, por exemplo, eram Clifford Grobstein, Gary Hodgen, Howard Jones e Richard Marrs que são proeminentes cientistas de pesquisa e/ou profissionais das novas tecnologias reprodutivas. Em adição, John Robertson e Lori Andrews, que eram advogados/as no comitê, igualmente validavam as tecnologias como “liberdade procriativa”. O documento lê-se como um resumo para as tecnologias com todos os membros em acordo em relação a seus benefícios reais e potenciais. A única voz discordante desse coro de aprovações veio sobre a utilização de terceiros na reprodução, especificamente na reprodução de aluguel. Um membro argumentou que terceiros eram “eticamente impróprios”. Lori Andrews era a principal autora para as seções sobre reprodução de aluguel. / Lori Andrews era também a principal autora de “Feminist Perspectives on Reproductive Technologies” (no primeiro projeto, denominado “Reproduction Involving Third Parties”), um ensaio que é parte de um projeto mais amplo entitulado “Reprodutive Laws for the 1990’s” (Veja Andrews, 1987, Referências). Esse “Reproductive Rights Law and Policy Project” é um esforço conjunto do Instituto Rutgers para Pesquisa sobre Mulheres e o Projeto Contensioso dos Direitos das Mulheres da Faculdade de Direito do Rutgers. “O objetivo do Projeto é promover a formulação de políticas na área da autonomia reprodutiva e da igualdade de gênero ao desenvolver papéis de informações e, onde possível, propostas legais específicas”. Muito do pensamento que é contido no segmento do Relatório da Associação de Fertilidade de Andrews é repetido – em partes, quase que literalmente – em seu papel de informações do Rutgers.
[4] ACLU: American Civil Liberties Union, a União Americana pelas Liberdades Civis. (N. da T.)
[5] NRTs (New Reproductive Technologies), no original. (N. da T.)
[6] Mann Act: lei estadunidense proposta por James Robert Mann com o objetivo de abordar a prostituição, imoralidade e tráfico humano. Também conhecida como White-Slave Traffic Act. (N. da T.)
———————————————————————————————
Referências
Andrews, Lon, 1987. “Feminist Perspectives on Reproductive Technologies.” In
Reproductive Laws for the 1990’s. Briefing Handbook, Women’s Rights Litigation Clinic, Rutgers Law School, Newark, New Jersey 07102.
Coveney, Lal and Leslie Kay, 1987, January. “A Symposium on Feminism, Sexuality,
and Power.” Off Our Backs.
FACT (Feminist Anti-Censorship Taskforce et al), 1985. Brief Amici Curiae, No. 84-
3147. In the U.S. Court of Appeals, 7th Circuit, Southern District of Indiana.
“In the Matter of Baby ‘M’.” 1987, March 31. Superior Court of New Jersey.
Kurtz, Howard. 1985, October 15. “Pornography Panel’s Objectivity Disputed.”
Washington Post.
Orwell, George. 1949. 1984. New American Library, New York.
Snitow, Ann. Christine Stansell, and Sharon Thompson, eds. 1983. Desire: The Politics
of Sexuality. Virago, London.
Snyder, Sarah. 1987, March 13. “Baby M Trial Hears Closing Arguments.” Boston
Globe.
Fonte:
RAYMOND, Janice G. Sexual and Reproductive Liberalism. Disponível em: < http://www.finrrage.org/pdf_files/RepTech%20General/Reproductive_Liberalism_Ray.pdf>.